27 Setembro 2021
O Papa Francisco aumenta a velocidade em uma corrida contra o tempo e a oposição interna.
O comentário é de Robert Mickens, publicado por La Croix International, 25-09-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A idade e a doença não desviaram o vento das velas do Papa Francisco.
Apesar de uma grande cirurgia intestinal em julho passado e de seu aniversário de 85 anos em dezembro, o papa ítalo-argentino – surpreendentemente! – não está mostrando absolutamente nenhum sinal de que está diminuindo a velocidade ou planejando encerrar os trabalhos em breve.
Sua visita de quatro dias a Budapeste, capital da Hungria, e depois a três cidades na vizinha Eslováquia não diminuiu o seu ritmo.
Embora às vezes parecesse cansado durante o primeiro dia da viagem de 12 a 15 de setembro à Europa central (ele se levantou por volta das 3h30 da manhã daquele dia), Francisco parecia ganhar mais energia com o desenrolar da viagem.
E ele retomou sua agenda cheia de encontros com indivíduos e grupos no dia seguinte, após retornar ao Vaticano.
Mas o papa está bem ciente de que passou para a fase final e mais crítica do seu pontificado, voltado a – entre outras coisas – transformar radicalmente as estruturas de governo e os mecanismos de tomada de decisão da Igreja Católica Romana.
E ele sabe que há católicos influentes, e até mesmo homens na hierarquia, que gostariam de ver este e outros projetos serem imediatamente interrompidos.
Quando um coirmão jesuíta na Eslováquia perguntou como ele estava, Francisco respondeu: “Ainda vivo. Embora alguns me quisessem morto”.
Era uma referência à sua operação em julho.
“Sei que houve até encontros entre prelados, que pensavam que papa estava mais grave do que se dizia. Estavam preparando o conclave”, disse o papa.
Francisco, depois, passou a reclamar de clérigos que fazem “comentários maldosos” sobre ele e até mesmo de uma grande rede de televisão católica (parece que ele se referia à EWTN) que “continuamente fala mal do papa, sem ver problema nisso”.
É altamente incomum que um papa admita abertamente – e lamente – que está enfrentando oposição.
Será que Francisco estava admitindo que seu poder de reunir as tropas enfraqueceu? Ou, em vez disso, estava alertando aqueles que não estão cooperando e até mesmo sendo adversários que ele finalmente perdeu a paciência?
De qualquer forma, parece que ele decidiu aumentar a velocidade, apesar de quaisquer esforços das forças de oposição para inviabilizar esta fase final do seu pontificado.
Um dos principais projetos durante o seu tempo como papa foi reescrever a constituição apostólica para a Cúria Romana, a burocracia central da Igreja no Vaticano.
Diz-se que o documento para a Cúria “reformada” foi concluído há vários meses e está atualmente passando por correções finais, mas ainda não temos ideia de quando ele será finalmente publicado.
Na verdade, Francisco tem implementado reformas, pouco a pouco, ao longo de todo o seu pontificado, combinando ou suprimindo certos escritórios, mudando uma série de protocolos e legislações etc.
Ele afirmou em uma entrevista há alguns meses que não haverá nenhuma surpresa quando a nova constituição apostólica for revelada. Mas as surpresas, assim como a beleza, estão nos olhos de quem vê. Provavelmente haverá coisas que algumas pessoas absolutamente não gostarão.
O maior desafio será escolher autoridades que possam implementar a reforma e, mais importante, a sua visão e ethos orientadores. Francisco tem que fazer várias mudanças de pessoal, especialmente para substituir vários cardeais em cargos importantes do Vaticano que já ultrapassaram a idade normal de aposentadoria de 75 anos.
O papa jesuíta habitualmente evitou a Cúria Romana durante grande parte do seu pontificado e cada vez mais disse e fez coisas para “ofuscar” aqueles que não estão de acordo com as suas políticas.
Ele provocou reações de uma forma que forçou bispos e cardeais a mostrarem suas verdadeiras faces e a revelarem como realmente se posicionam sobre questões controversas.
E ele tem agido de maneiras não convencionais – como ordenando visitações apostólicas aos escritórios da Cúria – que fazem com que aqueles que trabalham no Vaticano fiquem tentando “adivinhar” o que virá em seguida ou “em suspenso”.
Não é apenas possível, mas também provável, que os rumores sobre os problemas de saúde do papa tenham sido espalhados pelo próprio Francisco!
Como o primeiro papa desde Pio X (mais de 100 anos atrás) que nunca estudou ou trabalhou em Roma, Francisco é um forasteiro. E ele teve que se mover de forma criativa e estratégica para contornar as forças da Cúria.
Uma das chaves para isso tem sido os seus movimentos deliberados para desmitificar o papado, principalmente falando e agindo como se ele fosse qualquer outro bispo e conduzindo muitas das suas questões de uma forma não institucional.
Obviamente, isso enfureceu muitos no Vaticano e na hierarquia.
Não há dúvida de que Francisco gostaria que se tornasse bastante normal que o bispo de Roma tivesse a opção de renunciar livremente ao seu cargo, em vez de manter as renúncias papais como algo extraordinário que ocorre apenas uma vez a cada 400 ou 500 anos.
Como jesuíta, ele sabe melhor do que ninguém que a renúncia normalizada de um cargo que antes era considerado vitalício pode ganhar força com mais facilidade quando os detentores do cargo o abandonarem consecutivamente.
O falecido Peter-Hans Kolvenbach foi o primeiro padre-geral dos jesuítas a renunciar voluntariamente ao cargo vitalício. Mas não foi fácil.
João Paulo II se recusou a permitir que ele se aposentasse. Kolvenbach teve que esperar até que Bento XVI fosse eleito papa para finalmente renunciar. Ele e Bento XVI concordaram em 2006 que o jesuíta holandês deixaria o cargo dois anos depois, ao completar 80 anos.
O sucessor de Kolvenbach, Adolfo Nicolás, renunciou em 2016, também quando completou 80 anos. E espera-se que o homem que o substituiu e é o atual padre-geral [Arturo Sosa] também renuncie um dia, em vez de permanecer no cargo por toda a vida.
Parece claro que Francisco gostaria de ver uma situação semelhante ocorrer com o papado – em um mundo ideal. Mas as coisas estão longe do ideal agora, e grande parte delas depende das circunstâncias.
Diz-se que não seria sensato ter dois papas aposentados vivos. Mas, se Francisco se sentisse incapaz de cumprir seus deveres como papa, provavelmente ele não hesitaria em renunciar, mesmo que Bento XVI ainda estivesse vivo.
No entanto, se Bento XVI morrer antes dele, o atual papa poderia decidir renunciar precisamente para “normalizar” as renúncias papais.
Algumas reportagens italianas, seguindo os comentários de Francisco aos jesuítas na Eslováquia, dizem que há quatro ou cinco cardeais e bispos – todos membros da Cúria Romana e, em sua maioria, não italianos – que já começaram a traçar estratégias para o próximo conclave.
Uma pessoa para ficar de olho é o cardeal australiano George Pell, o homem que apoiou Angelo Scola no conclave de 2013 que elegeu Francisco.
Pell completou 80 anos de idade em junho e não poderá votar no próximo papa, mas pode fazer muita politicagem pelas forças dentro do Colégio dos Cardeais que desejam reverter (ou alterar severamente) a direção na qual Francisco está dirigindo a Barca de Pedro.
Pell, o ex-czar financeiro do Vaticano, voltou à Austrália em 2017 para ser julgado por acusações históricas de abuso sexual. Ele foi condenado e preso por pouco mais de um ano, mas a sentença foi revertida em abril de 2020.
Na época, o cardeal disse que iria a Roma para limpar o seu apartamento, mas planejava voltar para Sydney para sempre. Ele chegou à Cidade Eterna há exatamente um ano – em setembro de 2020 – e nunca mais foi embora. Um jornal na Austrália noticiou no dia 25 de setembro que o cardeal Pell recentemente “esteve no país por alguns meses”, mas retornou a Roma algumas semanas atrás.
E a única maneira de ele voltar para a Austrália antes do próximo conclave é em um caixão. Porque ele e outros que não são fãs de Francisco querem fazer parte dos debates e da política que levará à próxima eleição papal.
O candidato mais forte no campo anti-Francisco ainda parece ser o cardeal Marc Ouellet, 77 anos, que chefiou a poderosa Congregação para os Bispos pelos últimos 11 anos. Ele minimizou cuidadosamente e até escondeu suas visões mais tradicionalistas, que se alinham quase de forma idêntica às de Bento XVI.
Certamente, muitos cardeais eleitores veem isso, certo? Não tenha tanta certeza. Muitos deles vêm de lugares distantes. Não são grandes pesos-pesados teológicos nem muito fluentes na linguagem da política vaticana.
Outro candidato do bloco anti-Francisco é o cardeal húngaro Péter Erdő. Ele recebeu seu barrete vermelho em 2003, no mesmo consistório em que Pell, Scola e Ouellet também foram criados cardeais.
O canonista de 69 anos fala italiano perfeitamente e também é fluente em alemão, francês e espanhol. Ele é ex-presidente por dois mandatos do Conselho das Conferências Episcopais da Europa (CCEE), composto pelos chefes de todas as Conferências Episcopais nacionais do Velho Continente.
Erdő cultivou cuidadosamente suas amizades e alianças no Colégio dos Cardeais, e espera-se que ele seja um jogador importante no próximo conclave, seja como candidato, seja como fazedor de reis. Ele recebeu elogios por ser um gentil anfitrião no Congresso Eucarístico Internacional no início deste mês em Budapeste.
Nada menos do que 11 cardeais com idade para votar participaram do congresso de uma semana, com todas as despesas pagas. Até mesmo prelados que não compartilham todas as perspectivas teológicas do cardeal húngaro voltaram com uma impressão muito mais favorável dele.
Francisco nomeou 70 dos atuais 121 cardeais eleitores. E ele com certeza nomeará mais, talvez ainda em novembro, apenas para manter as vagas preenchidas pelos próximos meses.
Se houver um consistório em alguns meses a partir de agora, o papa provavelmente criará apenas cinco a sete novos cardeais. Isso manterá o número de eleitores pairando um pouco acima do limite de 120 que Paulo VI estabeleceu. Esse é um limite arbitrário, na realidade, que o papa tem absoluta liberdade para ultrapassar a qualquer momento.
João Paulo II aumentou duas vezes o número para 135, e Bento XVI uma vez o expandiu para 125.
Cinco dos atuais eleitores completarão 80 anos entre agora e junho do próximo ano, mas três deles são cardeais nomeados por Francisco; os outros dois receberam seus barretes vermelhos de João Paulo II.
Outros seis completam 80 anos entre junho de 2022 e o fim do ano que vem. Apenas um deles foi nomeado por Francisco, mas quatro deles foram criados por Bento XVI.
Portanto, excluindo quaisquer mortes entre o corpo de eleitores, os cardeais do papa jesuíta, no fim de 2020, poderiam constituir bem mais da maioria de dois terços necessária para escolher seu sucessor.
Os fãs do estilo e do rumo do atual papa deveriam agradecer a Deus por Bento XVI ter sido eleito em 2005.
Porque é muito provável que, se Jorge Mario Bergoglio, da Argentina, tivesse sido escolhido naquele conclave, ele teria sido um papa muito diferente daquele que é hoje.
Sem Bento não há Francisco.
Não podemos saber ao certo que tipo de pontificado Bergoglio teria como sucessor imediato de João Paulo II. Mas provavelmente seria um pouco diferente daquele que temos experimentado desde 2013.
O atual papa supostamente teria dito a um colega cardeal após o conclave de 2005 que ele provavelmente teria se chamado João XXIV se os votos tivessem ido para ele em vez de para Bento XVI.
Mas será que ele estaria pronto – e será que a Igreja estaria pronta – naquela época para as reformas e a mudança de ethos que ele defendeu como Papa Francisco?
Nós não sabemos. E também não sabemos se o homem que o suceder levará em frente o espírito reformador.
Simplesmente não há nenhuma garantia.
Mesmo que Francisco acumule simpatizantes no Colégio dos Cardeais, não há como ele ou qualquer outra pessoa garantir que um de seus homens será eleito.
Pense nisto: o sucessor de João Paulo II (Bento) ganhou seu barrete vermelho de Paulo VI. E o sucessor de Bento XVI (Francisco) recebeu o seu de João Paulo II.
Dê uma boa olhada nos 38 eleitores que receberam seus barretes vermelhos de Bento XVI e pense se você ficaria animado se algum deles sucedesse o Papa Francisco.
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A fase final de um pontificado disruptivo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU