18 Agosto 2021
Às vezes, as pessoas usam “complexo” um pouco como quem usa “particular” para qualificar uma comida. Muitas coisas com as quais lidamos não são complexas, mas sim difíceis.
A opinião é de Luciano Floridi, filósofo italiano e professor de Ética da Informação na Universidade de Oxford, no Reino Unido. O artigo foi publicado em Corriere della Sera, 17-08-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando lecionava lógica matemática, eu tinha colecionado uma série de citações para mostrar aos estudantes como não raciocinar. Entre elas, lembro-me de uma que ainda hoje me dá calafrios: “Existem duas dificuldades preliminares quando se quer falar de complexidade. [...] A segunda dificuldade é de ordem semântica. Se a complexidade pudesse ser definida de forma clara, decorreria evidentemente que o termo não seria mais complexo”.
Omitamos o pecador, detenhamo-nos apenas no pecado. É uma estupidez colossal. Com o mesmo raciocínio, seria impossível definir “indefinível”.
O truque? As aspas. O erro crasso? Não considerar aquilo que, em filosofia, é ensinado no primeiro ano: a distinção entre uso (complexidade) e menção (“complexidade”) de um termo.
Por exemplo? Apenas a “complexidade” tem o acento. Banal. Mas o pensamento que acha que vê mais longe só porque vê mais confuso, confunde a complexidade com a “complexidade” e acaba se enrolando sozinho.
Às vezes, as pessoas usam “complexo” como se fosse uma palavra mágica. Um pouco como quem tem o vício de usar “particular” para qualificar uma comida, uma pintura, uma canção ou qualquer experiência especial, inusual, incomum ou extraordinária, todos termos diferentes entre si.
Para o confuso ou o esperto, tudo é complexo. Infelizmente, definir algo como complexo é apenas o início e não o fim da análise. E, como início, muitas vezes ele corre o risco de estar errado.
Muitas coisas com as quais lidamos não são complexas, mas difíceis. Mas “complexo” soa muito melhor. Tem um ar vagamente científico, o que não faz mal. Mas, acima de tudo, desloca a culpa (a responsabilidade epistêmica) de nós para aquilo com o qual estamos lidando.
Se Enzo declara que uma questão é complexa, a culpa é da questão. Mas se Lúcia declara que a mesma questão é complicada ou difícil, então ela admite que a culpa é dela por não entendê-la ou por não saber resolvê-la ou geri-la.
Pensemos em uma receita de bolo, em um móvel da Ikea, em uma equação matemática, em um problema de xadrez: todas coisas fáceis ou difíceis de tratar, dependendo de quem está se ocupando delas. Declará-los complexas só serve para descarregar a consciência (a culpa é das coisas) e confundir as ideias.
Neste ponto, deveria estar claro que complexidade é algo sério. Conceitualmente, há pelo menos três tipos de complexidade que devemos ter em mente antes de falar despropositadamente. E recentemente eu sugeri um quarto tipo, que eu acredito que se tornará cada vez mais importante em tempos de pandemia e de mudanças climáticas.
A rainha de todos os conceitos de complexidade é a computacional. Esta nos diz quantos recursos (sobretudo quanto tempo) são necessários para resolver um problema. Catalogar os problemas com base na sua complexidade é um pouco como classificar os animais com base na sua dieta. Existem problemas que “comem” pouco, outros que, como Pantagruel, requerem tantos recursos (por exemplo, um milhão de anos) que só podem ser resolvidos teoricamente, mas não de fato.
Depois, há a complexidade algorítmica (também chamada de Kolmogorov, o matemático russo que a estudou) que analisa o que é necessário para produzir alguma coisa. Imaginemos que queremos que um computador imprima a lista de todos os números de 1 a 90. A complexidade algorítmica da lista é muito baixa, porque basta começar do um, adicionar um ao número anterior e parar em 90. O mesmo vale para a lista de um a um bilhão.
Em vez disso, peguemos esses números e joguemos bingo. Os números sairão sem nenhuma ordem. A complexidade dessa lista é máxima, porque o único modo para que um computador a escreva será fornecendo-lhe a própria lista. A lista não pode ser encurtada em algo mais breve que a gera. Os programas de compressão se servem desse fenômeno para reduzir o tamanho dos arquivos que queremos enviar. O acaso não pode ser compactado; a ordem, sim.
O terceiro conceito de complexidade é o chamado de estado e se refere às interações que os elementos de um sistema podem ter entre si. Sistemas que têm uma alta complexidade de estado são caóticos não porque sejam desordenados como o quarto de um adolescente, mas porque são instáveis (atenção: não frágeis como um castelo de cartas): pequenas mudanças em uma parte do sistema podem gerar cascatas de transformações causais em outras partes, que por sua vez reverberam em outras partes ainda, tornando imprevisível o desenvolvimento. Nesse sentido, o tempo meteorológico na Grã-Bretanha é muito mais complexo do que na Itália.
Lembro-me de uma aula de inglês, no verão, em que a professora explicou o significado de “unreliable” com um exemplo banal para ela: “The weather is unreliable”. Por alguns dias, eu pensei que significava “ensolarado” em vez de “não confiável” por ser caótico. Não durou muito.
Chegamos à complexidade de cooperação. É um conceito que eu introduzi recentemente. Imaginemos Enzo e Lúcia almoçando na mesma casa. Cada um prepara a sua refeição sem se atrapalharem. Eles se coordenam. Se quiserem, podem até dividir as tarefas, fazendo mais com menos recursos: Enzo prepara o primeiro prato; Lúcia, o segundo; ele cuida da sobremesa; ela, das bebidas etc. Colaboram. Ou podem fazer tudo juntos, porque assim se divertem mais, compartilhando a responsabilidade pelos riscos, pelos sucessos e pelos fracassos: da escolha das receitas à compra dos ingredientes, do cozinhar ao comer até lavar os pratos. Cooperam. O co-design e a co-ownership são termos em inglês que indicam essa partilha, desde a concepção até a conclusão e a implementação de um projeto.
Coordenação, colaboração e cooperação são essenciais para fazer qualquer sociedade funcionar. Às vezes, a coordenação é suficiente, e os mercados são ótimos instrumentos para promovê-la; pensemos no mecanismo da competição. Às vezes, a colaboração é necessária, e a política deveria ser o instrumento para promovê-la.
Mas, de vez em quando, os problemas têm uma complexidade de resolução que requer a cooperação. Não basta se coordenar e colaborar; é preciso fazer um esforço comum, juntos, na mesma direção e ao mesmo tempo.
Imaginemos que há um carro que não liga. Enzo vai e a empurra sozinho, depois volta para casa feliz, pensando que fez o seu melhor. Lúcia faz o mesmo. O carro obviamente não liga. Fazer o próprio dever é certo, mesmo que não seja necessário; não é justo porque é necessário.
Eles se coordenaram (sem nenhum empecilho), talvez se possa dizer que até colaboraram, empurrando o mesmo carro, mas não cooperaram. Se o carro exige pelo menos quatro pessoas que empurrem ao mesmo tempo na mesma direção e uma quinta pessoa ao volante para ligar novamente, a complexidade cooperativa do problema é de grau cinco. Menos de cinco, e todo o esforço não será melhor do que nada: será nada, porque está abaixo do limiar que faz a diferença.
Muitos dos problemas contemporâneos, da pandemia à crise climática, das migrações a uma tributação menos injusta das multinacionais, são complexos, especialmente no sentido de que requerem um alto grau de cooperação para serem resolvidos.
Desde sempre, a sociedade, tornando-se cada vez mais complexa (nos sentidos vistos), desenvolveu sistemas que, por sua vez, são complexos para gerir a própria complexidade. Mas, como eu explicava à turma de lógica, a complexidade não só deve ser muito bem definida, mas também deve ser usada de modo apropriado, para não acrescentar aos problemas que já temos também a confusão conceitual de quem acredita que os entendeu.
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As quatro formas de complexidade das quais é inútil escapar. Artigo de Luciano Floridi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU