16 Junho 2021
"No fundo, o gesto de Marx foi uma assunção pessoal de responsabilidade, porém por parte de um hierarca da Igreja, que denunciava um problema profundo, sem tirar-se fora dele. Como homem da igreja (da igreja da Reforma, justamente), continuo a pensar que se trata de um testemunho forte", escreve Fulvio Ferrario, teólogo italiano e decano da Faculdade de Teologia Valdense, em Roma, em artigo publicado em seu Facebook, 14-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa rejeita a renúncia de Reinhard Marx. Sua carta, muito afetuosa, cita a Escritura de maneira um tanto livre, como alguns observam, mas principalmente atiça os intérpretes das coisas católicas: foi tudo um jogo das partes para fortalecer o cardeal de Munique? Ou Francisco agrada a gregos (Marx) e troianos (seu coirmão - adversário Woelki, de Colônia), na tentativa de manter coeso um catolicismo alemão dividido?
Deixando esse debate para os arúspices profissionais do Vaticano, enfatizo, em vez disso, o discurso papal sobre a reforma da Igreja. Primeiro, Francisco quase se desculpa pelo termo: "permita-me a expressão". Em seguida, ele insiste que a reforma não pode ser ideológica, mas deve passar pela carne de quem crê, porque seu fundamento é a carne crucificada de Cristo.
Um comentarista protestante alemão, na conceituada revista Zeitzeichen, vê nessas observações uma deslegitimação, voluntária ou não, tanto do legado da Reforma Protestante quanto das tentativas de renovação estrutural do catolicismo na Alemanha.
Portanto: certamente (observadores perspicazes como o abaixo-assinado apontaram há tempo) o papa é católico e, portanto, rejeita a Reforma Protestante: ele gosta dos protestantes porque ele é tão bom e para ele todos são irmãos (aliás: fratelli tutti), até as irmãs. Mas papas e Reforma nunca se deram bem, não se trata exatamente de uma novidade.
Dito isso, se a tese é: a reforma passa pela conversão, bom, Lutero a teria assinado a quatro mãos.
Francisco, é verdade, parece contrapor a reforma da vida pessoal e aquela das estruturas: a primeira é boa, a segunda é ideológica. Simples demais. Mesmo a tese oposta, porém (por exemplo: a reforma das estruturas traz automaticamente consigo aquela das pessoas) é tola e, acima de tudo, contrária à Bíblia.
No fundo, o gesto de Marx uniu as duas perspectivas: foi uma assunção pessoal de responsabilidade, porém por parte de um hierarca da Igreja, que denunciava um problema profundo, sem tirar-se fora dele. Como homem da igreja (da igreja da Reforma, justamente), continuo a pensar que se trata de um testemunho forte.
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O Papa e a Reforma. Artigo de Fulvio Ferrario - Instituto Humanitas Unisinos - IHU