11 Junho 2021
"O verdadeiro problema, entretanto, continua sendo o de dar um sentido à morte. Para um crente, a eternidade virtual, mesmo que nos torne visíveis, nunca pode substituir a eternidade espiritual, mesmo que nos torne invisíveis", escreve Paola Springhetti, jornalista freelance, professora de jornalismo na Pontifícia Universidade Salesiana, gerente da revista online Retisolidali.it e autora do livro "Donna out of the spot", em artigo publicado por Vino Nuovo, 08-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
As redes sociais e a Inteligência Artificial podem dar-nos uma “eternidade aumentada”. Mas é isso que queremos? A morte digital também nos assusta?
A reportagem é de Paola Springhetti, publicada por Vino Nuovo, 08-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma vez é uma mulher que perdeu o marido, outra é um pai cujo filho morreu ... o fato é que cada vez mais encontro, no Facebook, perfis de pessoas falecidas que são regularmente atualizados pelos seus entes queridos, os quais continuam a publicar memórias, declarações de amor, aforismos, raramente orações. E depois tem o algoritmo, que me lembra o aniversário de uma pessoa já falecida ou publica na minha página o post nostálgico que alguém publicou em seu perfil, e assim descubro que ainda sou sua "amiga".
Será que estou envelhecendo ou será que o Facebook - que foi a primeira rede social a adquirir dimensões de massa - envelhece - mas enquanto navego revivo sensações como as que sentia quando era pequena, ao passear na cidade com meus avós eu os via parar em frente aos anúncios fúnebres, colados em muros e portões, e as memórias disparavam: eu o conheci em... Ela tinha três filhos ainda pequenos... E depois eles retomavam seu caminho balançando a cabeça. Porém, não, não é exatamente a mesma coisa.
O Facebook em 2012 tinha 30 milhões de perfis de pessoas falecidas: um número que aumenta em cerca de 8 mil pessoas todos os dias, tanto que segundo algumas estimativas ultrapassará dois bilhões e meio até 2080, se continuar a crescer como está crescendo agora.
Isso coloca uma série de problemas que já vêm sendo discutidos há alguns anos: a quem pertencem os perfis (e, portanto, os dados) das pessoas falecidas, quem tem direito de acessá-los, quem tem o direito de pegar esses materiais (imagens, palavras, dados ) e manipulá-los. Principalmente porque a Inteligência Artificial sempre abre novas perspectivas: ainda está disponível no YouTube "I met You", o vídeo em que uma mãe coreana encontra virtualmente a filha, que morreu aos seis anos de uma doença rara, e virtualmente "reconstruída", de forma que pode se mover e falar.
Uma experiência que a mãe considerou linda, mas que me parece excruciante e me leva a dizer: não quero ressuscitar virtualmente, não quero ser o que vocês querem que eu seja, não quero sobreviver nas espiras de um algoritmo. Me deixem em paz.
Já há alguns anos, no entanto, o Facebook coloca à disposição dos seus usuários a possibilidade de escolher entre nomear um "contato herdeiro", que após sua morte administre a conta, que a partir de então se torna "comemorativa", ou se deseja que seja excluída permanentemente (disponível aqui). Em suma, cada um de nós é chamado a escolher se quer que a morte física seja seguida pela morte virtual ou se prefere que sua história - representada de várias maneiras em seu perfil social - permaneça nas mãos de ... De quem? E o que fará com isso? É isso que queremos: uma "eternidade aumentada", que na vida nos engane a sermos eternos, e no post mortem engane nossos entes queridos de ainda nos têm ao lado? Essa eternidade sem alma não seria a mais profunda traição à necessidade que sempre existiu de continuar a "falar" com os mortos, de estar em contato com eles, sabendo que não são avatares, mas espíritos na comunhão dos santos?
No entanto, também há algo interessante na maneira como as redes sociais nos permitem entrar em contato com a morte. Também criando, além de novos mitos, novos ritos.
Nas redes sociais, a morte se torna mais próxima, acontece quase ao vivo. Enquanto para muitas pessoas os funerais estão perdendo cada vez mais importância (um sacerdote de Roma me contou ter celebrado ritos em que os parentes ficaram do lado de fora da igreja fumando) e enquanto as visitas a cemitérios estão se tornando cada vez mais raras, o Facebook e outras redes sociais não só permitem dar a notícia da morte, mas celebrá-la juntos, criando o que poderíamos definir como "comunidades de dor". Comunidades virtuais, claro, mas agora sabemos que o virtual é real.
Em suma, nascem novos ritos, assim como novas linguagens em torno de uma realidade, a morte, que de certa forma ainda permanece um tabu, da qual temos dificuldades para falar e à qual ainda não conseguimos dar um sentido, mas que no ambiente social ajudamo-nos a reelaborar juntos.
Afinal, mesmo nas lápides frias dos cemitérios, sempre colocamos uma imagem do morto: uma forma de fixá-lo na memória, mantê-lo na lembrança, torná-lo objeto de conversa. Porque se é difícil aceitar a morte, é ainda mais difícil “deixar ir” os nossos entes queridos: é por isso que continuamos a atualizar os seus perfis nos novos cemitérios virtuais, mas também a carregar conosco a sua imagem no smartphone.
O verdadeiro problema, entretanto, continua sendo o de dar um sentido à morte. Para um crente, a eternidade virtual, mesmo que nos torne visíveis, nunca pode substituir a eternidade espiritual, mesmo que nos torne invisíveis.
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Nossa irmã morte digital - Instituto Humanitas Unisinos - IHU