08 Junho 2021
"A evangelização, de fato, tem em comum com o proselitismo o desejo de que o outro acolha a proposta de compartilhar a fé em Cristo. Mas a verdadeira evangelização inverte a intenção pela qual é movido o proselitismo. Proselitismo é espalhar uma ideia para fortalecer o próprio grupo e a si mesmo. É óbvio que um partido político em campanha eleitoral faça isso, mas a Igreja não pode fazê-lo".
A opinião é do teólogo e padre italiano Severino Dianich, cofundador e ex-presidente da Associação Teológica Italiana e professor da Faculdade Teológica de Florença. O artigo foi publicado na revista Vita Pastorale, de junho de 2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Muitas vezes hoje se fala de evangelização, e tão pouco se elaboram os instrumentos, os métodos, a hierarquia das coisas a serem ditas, a linguagem adequada ao homem de hoje. Muitas vezes, ao tentar algumas propostas para o discurso de fé a ser feito para os não crentes ou a pessoas de outras religiões, acontece ouvir a resposta: “Mas são coisas que devem ser ditas aos nossos fiéis, nada de procurar os outros! " Do dever de evangelizar, recai-se no da catequese e do cuidado pastoral, como se houvesse o medo de enfrentar esta árdua tarefa, que, no entanto, constitui o coração de toda a missão da Igreja. As razões dessa atitude não são difíceis de identificar.
Se por "evangelização" entendemos a proposta da fé cristã àqueles que a não conhecem ou, mesmo conhecendo-a, não a compartilham, deve-se reconhecer que na Europa há um milênio que não se evangeliza. Com o distante Islã, lutou-se com mão armada. Com o raro maometano presente, ele foi considerado, como Damasceno o acreditava, um herege que distorceu a revelação cristã. A dramática relação com o judaísmo é bem conhecida. O ateu, em uma sociedade cristã, era impensável. Enviamos missionários aos grandes povos dos outros continentes. Mas foi preciso criar seminários próprios para eles, porque aqueles normais não preparavam para a evangelização. Eles, sim, deveriam ter evangelizado. Nossas Igrejas tiveram a tarefa de apoiar, inclusive financeiramente, sua louvável obra. Quando se desenvolveu a cultura iluminista, da qual a cultura atual é filha, na Igreja Ocidental, desencadeou-se uma formidável contraofensiva de natureza apologética, da qual usufruímos preciosos legados de aprofundamento de muitos aspectos da fé, mas que favoreceu um clima polêmico, nada propício para a evangelização.
A virada histórica da descolonização contribuiu depois para um despertar crítico da consciência cristã para os comprometimentos não raros da obra missionária, com a iníqua conquista de territórios e a subjugação de povos. Enquanto na Europa, não poucos entendem a evangelização como se fosse uma obra de recristianização da nossa cultura, e assim provocam a suspeita de que a Igreja aspire a restaurar seu antigo poder sobre a sociedade secularizada que hoje é governada democraticamente. O evento histórico e o individualismo dominante, tudo parece conspirar para dissuadir os cristãos de comunicarem a sua fé a outros. Quem nos dá o direito de querer que todos compartilhem a nossa fé? Pretender que outros compartilham a minha fé não é uma subjugação em relação às pessoas? É preciso reconhecer que pode sê-lo.
A evangelização, de fato, tem em comum com o proselitismo o desejo de que o outro acolha a proposta de compartilhar a fé em Cristo. Mas a verdadeira evangelização inverte a intenção pela qual é movido o proselitismo. Proselitismo é espalhar uma ideia para fortalecer o próprio grupo e a si mesmo. É óbvio que um partido político em campanha eleitoral faça isso, mas a Igreja não pode fazê-lo. O apóstolo Paulo se insurgiria, exibindo o seu testemunho: "Não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor" (2Cor 4,5). Ou a evangelização é a oferta de um dom recebido, na total gratuidade do dom, ou não é evangelização.
Para evangelizar é necessário deixar a Igreja em segundo plano, para que o espaço do discurso seja totalmente ocupado por Jesus: solus Christus. Só Jesus é o salvador, só Jesus é o Senhor, só o Filho de Deus é digno que se acredite nele, ou seja, de se dedique a ele a própria vida. O Catecismo do Concílio de Trento, comentando o Símbolo, observa que no Credo se professa “crer ‘a Santa Igreja’ e não ‘na Santa Igreja’; isso para distinguir, mesmo com a diversidade da frase, Deus criador do universo, das coisas criadas”.
A evangelização só é pura se a sua intenção for pura, pura de todo pensamento retroativo que vise a satisfação pessoal ou o interesse da comunidade. A eventual, mas não rara, recusa do interlocutor nos causará tristeza, mas se viesse a ter menos afeto e um consequente desinteresse por ele, este seria o sinal inequívoco de que a gratuidade do dom não nos havia motivado: havíamos feito proselitismo, não evangelização. Os departamentos de estatísticas do Vaticano calculam se e em quanto o número de católicos está crescendo. É uma pesquisa sociológica útil, mas não tem nada a ver com fé. Jesus queria que a Igreja servisse ao mundo, não que fosse servida. Só o amor pela humanidade justifica a grande obra de difusão da fé no mundo. Francisco defendeu com veemência isso na Evangelii gaudium: “Todos têm o direito de receber o Evangelho. Os cristãos têm o dever de o anunciar, sem excluir ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas como quem partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo, oferece um banquete apetecível. A Igreja não cresce por proselitismo, mas ‘por atração’”(14).
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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