26 Mai 2021
"Crime hediondo? Genocídio? Caberá ao Relatório Final da CPI qualificar as ações do general para enquadrá-lo criminalmente”, escreve Alexandre Aragão de Albuquerque, arte-educador (UFPE), especialista em Democracia Participativa (UFMG) e mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE).
IFA é a sigla para o chamado Insumo Farmacêutico Ativo. É o cerne das vacinas, o principal insumo de todos os medicamentos que lhes confere atividade farmacológica. É ele quem vai ativar nosso organismo para produzir anticorpos caso nosso corpo seja realmente infectado por um vírus. O Brasil tem uma forte dependência externa em torno da importação dos IFA. Essa dependência se dá principalmente pela extinção, nos anos 1990, de medidas de proteção à produção interna de IFA, incluindo aqui os insumos para vacinas.
Desde o advento dos medicamentos genéricos no Brasil, ficou explícito que não adianta reunir competências tecnológicas para o desenvolvimento e produção de medicamentos se não houver independência, pelo menos parcial, na produção dos IFA. Calcula-se que 90% dos medicamentos, incluindo os genéricos, possuem dependência de IFA do exterior.
Nós temos tecnologia e pesquisadores gabaritados para produzir vacinas. O problema está em nossa dependência externa quanto aos IFA, capaz de inviabilizar todo o nosso processo de vacinação. Como já dissemos em artigos anteriores, a pandemia da Covid-19 serve como uma lupa que ajuda a escancarar as fragilidades e as contradições brasileiras. Neste caso específico, ajuda-nos a perceber a indústria farmacêutica nacional em sua dependência externa dos IFA. Como se vê, a total dependência externa, em casos de emergências sanitárias, pode tornar-se um grave problema.
Por exemplo, o Instituto Butantan tem capacidade para fabricar um milhão de doses por dia, de acordo com o presidente do órgão, Dimas Covas. Mas para essa produção, depende dos insumos feitos pelo laboratório chinês Sinovac. O mesmo problema ocorre com a Fiocruz, responsável pela produção da vacina Oxford/AstraZeneca. A previsão da Fiocruz é que, quando estiver de posse dos IFA, produzir algo em torno de 100 milhões de vacinas.
Os principais produtores dos IFA para as vacinas contra a Covid-19 são a China e a Índia. Informação de conhecimento público e notório, inclusive de todos os membros do governo bolsonarista, como Ernesto Araújo e o general Pazuello, ambos interrogados, ainda na condição de testemunhas, na terceira semana de trabalhos da CPI do Genocídio, instalada no Senado Federal.
Ernesto Araújo, no interrogatório a que foi submetido no dia 18, comportou-se como um pária, extremista de direita, que conduziu nosso país ao isolamento internacional, durante sua estada no posto de chanceler brasileiro, por meio de uma estúpida política ideológica de alinhamento automático com Donald Trump, indispondo-se constantemente contra os representantes do governo da China (da mesma forma como o presidente da República age deliberada e publicamente contra a vacina chinesa), fato nunca visto antes na política externa brasileira, o que lhe causou a exigência por parte do Senado Federal de sua demissão no início deste ano.
No dia 19, com o general Pazuello não foi diferente. Capacho do presidente da República, diferentemente dos dois médicos ministros da Saúde que o antecederam e que imediatamente pediram demissão por não gozarem de autonomia na política de enfrentamento da pandemia da Covid-19 (o médico Nelson Teich esteve apenas 29 dias como ministro), boicotados a todo tempo por Bolsonaro, conforme testemunharam na primeira semana de trabalhos da CPI do Genocídio.
O general, pelo contrário, com sua convencional retórica evasiva “da hora h, dia d e mês m”, disse que havia cumprido sua triste missão: assumiu o ministério quando o Brasil oficialmente contava 14.817 mortos; ao final de sua gestão como ministro o número de mortos chegou a 280.000 (duzentos e oitenta mil), ou seja, vinte vezes mais. Crime hediondo? Genocídio? Caberá ao Relatório Final da CPI qualificar as ações do general para enquadrá-lo criminalmente.
Enquanto isso, na mesma semana em que Pazuello literalmente desmaiava na CPI, Bolsonaro esteve no estado do Maranhão, nos dias 20 e 21, em eventos públicos, sem máscara e aglomerando multidões. Registre-se que um navio atracado na costa maranhense registrou 06 (seis) casos de pessoas infectadas com a variante indiana da Covid-19. Há um elefante na sala, mas as instituições brasileiras negam-se a enxergá-lo, não tratam de enquadrar e impedir o presidente. Por quê?
Em sua intervenção na CPI, o senador Otto Alencar (PSD-BA) afirmou claramente que, depois dos depoimentos de Aráujo e Pazuello, fica confirmada ainda mais a ausência de compromisso com a saúde dos brasileiros por parte do governo Bolsonaro: “Um governo em que o presidente nunca visitou um hospital de campanha; nunca teve a humanidade, a solidariedade, a caridade humana de entrar num hospital, pegar na mão de um doente e dizer: “eu vou trabalhar para lhe salvar”. Pelo contrário, foi lancha, foi passeio em praia, foi montando cavalo e as pessoas morrendo à míngua. Isso é um absurdo. Isso é crime”, afirmou o senador.
Por sua vez, o senador pernambucano Humberto Costa (PT-PE) perguntou ao general: “Qual o preço de uma vida humana, ministro Pazuello?”. O general ficou calado.
Hoje, 24/05, o Brasil contabiliza a morte de 450 mil pessoas, colocando-se a caminho de meio milhão de óbitos: mães, pais, avôs, avós, tios, tias, irmãos, irmãs, amigos e amigas. Até agora são 450 mil famílias destroçadas por esta estética da delinquência instalada no Brasil, em 2018, quando, infelizmente, a maioria das brasileiras e brasileiros elegeu um fascista para governar nosso país. Esses eleitores, movidos pelo ódio, acabaram por escolher o mal maior.
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A Estética da Delinquência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU