06 Abril 2021
"Parece-me uma bela metáfora, que pode ser aplicada ao papa. Francisco joga no estilo holandês: ele sai para o ataque, joga no campo todo, defende apenas jogando o seu jogo. Não estamos acostumados com isso”, escreve Andrea Grillo, teólogo leigo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come se non, 03-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O segundo dia do tríduo acaba de começar. Na noite entre 2 e 3 de abril, vejo novamente “Um homem de palavra”, de Wim Wenders. Não é apenas um filme, ou um documentário, mas é um "èpos" solene, que sobrepõe, com a maestria do grande diretor alemão, rostos, sons, palavras, com uma elegância inesquecível. É uma inesperada “Wahre Bewegung”! As primeiras horas do dia do silêncio são preenchidas com a palavra forte da fé, mas de uma fé aberta, livre, pura, alegre e lúdica.
Que melhor ocasião para se perguntar: qual é o jogo do papa? Como joga o Papa Francisco? E então me lembro das palavras de Luigi Sartori, um dos grandes padres da teologia italiana após o Concílio Vaticano II, quando, para falar da teologia do Concílio Vaticano II, ele disse: estávamos acostumados a jogar a “catenaccio”, a jogar apenas na defesa, e no Concílio ele nos fez jogar ao estilo holandês, no ataque, e agora temos que aprender.
Parece-me uma bela metáfora, que pode ser aplicada ao papa. Francisco joga no estilo holandês: ele sai para o ataque, joga no campo todo, defende apenas jogando o seu jogo. Não estamos acostumados com isso. Ainda que alguns aspectos de seus predecessores tenham aprendido esse módulo com o Concílio - Paulo VI na fina mediação cultural, João Paulo II na generosa abertura inter-religiosa, Bento XVI no agudo confronto com aspectos da modernidade - agora Francisco o assumiu como regra: não se joga na retranca, não se conta com o erro do adversário, mas se toma a iniciativa.
Isso significa que "ocupar o campo" não é principalmente uma questão de "controle", mas de "processo". O jogo é “por zona”, mas isso implica, ao mesmo tempo, um jogo “homem a homem” que se torna primado da proximidade, do estar perto, do estar abraçados, de formar caravana.
O jogo de Francisco parece, portanto, uma espécie de "futebol invertido". O que se faz no futebol? Quando você tem a bola, precisa se desmarcar e, quando a bola está com os outros, precisa marcá-los. Você se afasta para vencer e se aproxima para não perder. Esta regra, profundamente enraizada no futebol, foi, durante não poucos séculos, também a regra da Igreja. Mas a intuição de João XXIII, o Vaticano II e hoje Francisco viraram não só a pirâmide de cabeça para baixo, mas a regra do jogo: desmarcar-se é para procurar o outro, e aproximar é para encontrar, não para bloquear. Claro, o contra-ataque permanece. Francisco sempre joga no contra-ataque, rouba tempo, salta o obstáculo, dribla com o corpo. É por isso que não é fácil entender o seu jogo. As escolas clássicas do jogo eclesial não conseguem dar explicação. Tudo é relido por Francisco de forma analógica e por isso resulta desideologizado.
No jogo de Francisco, todo registro “digital” e “formal” sofre uma curvatura mais ou menos acentuada. O protocolo é sempre relativo, se Deus quiser. Talvez o lado mais vulnerável desse jogo no campo todo, embora tão eficaz, esteja precisamente naquele nível onde o elementar e o institucional se encontram e se fundem: isto é, o rito, que não é protocolo. Justamente o início do tríduo pascal - a missa in coena domini - foi desde o início um poderoso ponto de elaboração, no qual a forma digital do rito e a analogia da caridade se encontraram e se chocaram positivamente. Se o Bispo de Roma "abre o Tríduo" em uma prisão de periferia, lava os pés de detentas muçulmanas, obtém um efeito evangélico de tal poder, que pode suportar uma certa dobra da ordo ritual, até obter inclusive uma plausível reforma. Que é reforma do ato, mas não de seu sentido.
De outra ordem, e em outro contexto, pode-se chegar também a uma celebração do início do tríduo em uma “capela particular” da cúria. A analogia da caridade e a digitalidade do rito estão mais uma vez em grande tensão. O contra-ataque é garantido, mas o ato eclesial, traduzido em forma rigorosamente privada, não resiste ao impacto, torna-se delgado, sem visibilidade e sobretudo desprovido do sujeito povo. Francisco nunca faz o “catenaccio”, muito menos o fez nesse caso. Mas no jogo em contra-ataque e por zona, o momento de marcar “homem a homem” - que é sempre admirável - nunca reduz um rito pascal de entrada em uma ocasião para outra coisa. Por isso os homens da Cúria sempre podem pensar em fazer "sua missa" privatim, mesmo na Quinta-feira Santa, mas com isso perdem o sentido do que deve acontecer, pois muitas vezes não sabem nada além do mais clássico dos “catenacci”. Ao contrário, a pirâmide, quando você a vira, não se deixa mais desvirar. E quem joga no campo todo, como Francisco, justamente nunca desiste do contra-ataque, mas de forma alguma se curva para o “catenaccio” defensivo, porque não teria nada para defender por conta própria.