08 Janeiro 2021
"O Bergoglio esportivo é inseparável do Bergoglio homem de fé. Além das sete palavras-chave com que se abre a entrevista, o tema da ascese e da espiritualidade retorna várias vezes nas respostas", escreve Antonio Cecconi, em artigo publicado por Settimana News, 07-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Não se pode dizer que é surpreendente, porque o Papa Francisco já nos acostumou a muitas surpresas em suas andanças, com a mente e o coração de pastor, sobre tudo o que se relaciona com as pessoas e a sociedade. O fato é que o conteúdo da entrevista concedida ao principal jornal esportivo italiano está repleto de mensagens tanto para o mundo do esporte como para a Igreja e a sociedade contemporâneas.
Se a Igreja tem que ser realmente em saída, se nas periferias da existência há solo bom para semear e colher para cada cristão, eis então que o mundo do esporte realmente nos interessa, não pode deixar de estar no nosso coração. Na lógica conciliar segundo a qual a Igreja, na sua relação com o mundo, deve ensinar e aprender.
Não é apenas uma questão de boa vizinhança por parte da Igreja, nem deveria se tratar de uma questão de uma busca de bênçãos de ocasião por parte do mundo dos esportes.
O esporte é a parábola da vida, e a leitura dos aspectos atléticos, competitivos, técnicos e sociais pode ser uma oportunidade preciosa para verificar se o esporte é vivido levianamente ou com paixão e amor e, do ponto de vista da fé, se ser cristão é uma demão de tinta dada sem se importar com o que está por baixo ou com algo que afeta a substância daquilo que cada um é e faz.
O tipo de abordagem do fenômeno esportivo fica imediatamente claro a partir das sete palavras-chave com as quais se abre a entrevista: sete maneiras de ser não só esportistas praticantes ou, em todo caso, especialistas em tudo o que se move em torno do fenômeno esportivo, mas de conceber toda a vida, as relações sociais, as experiências eclesiais.
Francisco parte de exemplos estimulantes retirados de várias disciplinas para propor uma ética que vai além do âmbito esportivo:
- a lealdade é lutar contra todos os atalhos para se chegar a um resultado (e aqui a mensagem se torna clara e até impiedosa em relação ao doping);
- o empenho é o que ajuda a frutificar os talentos de todos os tipos, sabendo que “Jesus é um treinador exigente”;
- o sacrifício, um “termo que o esporte compartilha com a religião”, é o que nos ajuda a enxergar além do esforço;
- a propósito de inclusão, o Papa vê nas Olimpíadas “uma das formas mais elevadas do ecumenismo humano, de compartilhamento do esforço por um mundo melhor;
- o espírito de equipe une muitas modalidades esportivas e a experiência religiosa, pois “ninguém se salva sozinho”;
- também no que diz respeito ao ascetismo, o Papa Bergoglio conecta aspectos competitivos e dimensão espiritual, porque escalar uma montanha, mergulhar num abismo ou cruzar os oceanos são "tentativas de buscar uma dimensão diferente, mais elevada, menos usual";
- a redenção é aquela de "quem não quer que a vida lhe seja contada, quer vê-la com os próprios olhos ... é aquela de determinadas vitórias que levam a se comover".
O aspecto emocional, sentimental e passional emerge várias vezes quando o papa passa a responder às inúmeras perguntas dos entrevistadores, até se tornar vibrante relembrando a vitória no campeonato argentino de 1946 pelo time de San Lorenzo, pelo qual torcia indo ao estádio com toda a família com “alegria, felicidade no rosto, adrenalina no sangue”.
Francisco diz que jogou futebol e também basquete e tem simpatia pelo rúgbi, mas não cede à tentação de se declarar torcedor de campeões individuais.
Mas ele cita três campeões emblemáticos por diferentes aspectos: Gino Bartali (1), de que lembra o empenho para salvar os judeus da barbárie nazista por sua própria conta e risco, "um esportista que deixou o mundo um pouco melhor do que o encontrou"; o seu compatriota Maradona, de que recorda o empenho com uma fundação de caridade e afirma que “foi um poeta em campo, um grande campeão que deu alegria a milhões de pessoas”, sem esquecer que “era também um homem muito frágil»; e Alex Zanardi, a quem já havia dirigido um pensamento meses atrás e a partir de cuja história destaca a importância do movimento paralímpico que dá a oportunidade de contar "histórias de homens e mulheres que fizeram da deficiência a sua arma de redenção".
Da entrevista, emergem outros temas recorrentes do magistério de Francisco: o amor pelos pobres e a justiça social. Os pobres, como muitas vezes os desportistas, “são um exemplo espetacular do que significa não desistir ... continuam a lutar para defender a sua vida”.
E o Papa considera os pobres seus mestres pessoais para enfrentar sua própria fragilidade: “Penso em todos os pobres que dormem ao redor da Colunata da Praça de São Pedro: sua resistência é minha inspiração, sua presença é minha proteção ... dentro daquela carne frágil e ferida, Deus se esconde, aliás se manifesta, para me sugerir o esquema do jogo vencedor”.
A forte sensibilidade de Francisco pelos problemas sociais também emerge aqui: lembrando Fratelli tutti, ele volta a especificar que "o mercado sozinho não resolve tudo", apesar do "dogma de fé neoliberal" segundo o qual "o valor econômico dita a lei, no esporte como em muitos outros aspectos da nossa vida”. Sem deixar de recordar que “todos vimos nos últimos meses como a pandemia mostrou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado”.
O Bergoglio esportivo é inseparável do Bergoglio homem de fé. Além das sete palavras-chave com que se abre a entrevista, o tema da ascese e da espiritualidade retorna várias vezes nas respostas, com algumas citações bíblicas pertinentes a começar por São Paulo; como bom jesuíta não esquece Santo Inácio de Loyola ("os exercícios, os treinos, a prática ... até o espírito, como o corpo, deve ser treinado") e depois se lembra de Dom Bosco e as escolas salesianos, lugares de um esporte que "estimula o jovem a dar o seu melhor, traçar uma meta a alcançar, não desanimar, colaborar em grupo”.
A intuição psicológica de Bergoglio propõe conceitos interessantes sobre o treinador, sem os quais "não nasce um campeão: é preciso de alguém que aposte nele, que invista tempo, que saiba vislumbrar possibilidades que nem ele imaginaria ... é preciso saber como falar ao coração, motivar, corrigir sem humilhar”.
Talvez os animadores, catequistas e educadores que atuam nas paróquias e associações católicas possam extrair ideias excelentes para o seu serviço nestas páginas da Gazzetta dello Sport. E também os jovens padres, que se parecem um pouco menos com aqueles que um dia entravam em campo para jogar partidas de verdade para estabelecer laços que duravam fora do vestiário.
1.- O livro O Leão da Toscana, de Mcconnon, Aili - Mcconnon, Andres, publicado no Brasil pela Zahar, 2012, conta a história do campeão de ciclismo Gino Bartali, que durante a Segunda Guerra se envolveu em um movimento secreto para ajudar famílias judias quando a Itália foi ocupada por tropas alemãs. Ele usava sua bicicleta para levar documentos falsos aos refugiados - Nota do Instituto Humanitas Unisinos - IHU
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Papa Francisco: o esporte em 7 palavras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU