06 Janeiro 2021
"O próprio Francisco havia explicado um ano atrás, quando se encontrou com os jogadores espanhóis do Villareal: 'O goleiro tem que pegar a bola de onde ela for chutada, não sabe de onde virá. E a vida é assim'”, escreve Fabrizio D'Esposito, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 04-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
A bola de trapos, a pelota de trapo; a solidão e responsabilidade do goleiro; o esporte como experiência do povo e das suas paixões; a fé esportiva; Maradona homem frágil, mas um poeta em campo. Quantas sugestões na magnífica entrevista do Papa Francisco na Gazzetta dello Sport, assinada por Pier Bergonzi na edição do último sábado. Obviamente, só se poderia partir da infância futebolística do argentino Bergoglio, no bairro de Boedo, em Buenos Aires. O bairro do San Lorenzo, camisa vermelha e azul, da qual o pontífice é fã de carteirinha. Como sempre acontece entre as crianças, Francisco jogava no gol, que é para os menos habilidosos: “Quando criança gostava de futebol, mas não era dos melhores, aliás eu era o que na Argentina chamam de pata dura, literalmente perna de pau. É por isso que sempre me faziam jogar no gol”.
E é neste ponto que o papa argentino atualiza o catálogo metafórico do goleiro, quase delineando uma teologia do pipelet, de seu papel solitário de sentinela, para citar Umberto Saba: “Mas ser goleiro foi uma grande escola de vida para mim. Um goleiro deve estar pronto para responder aos perigos que podem vir de qualquer lugar”. Palavras que ecoam o conceito que o próprio Francisco havia explicado um ano atrás, quando se encontrou com os jogadores espanhóis do Villareal: “O goleiro tem que pegar a bola de onde ela for chutada, não sabe de onde virá. E a vida é assim”. Em ambas as frases, a palavra vida ocorre duas vezes. Exatamente. Aquela do goleiro é uma metáfora existencial. Não só pela sua solidão, mas também porque perante os seus companheiros de time tem a responsabilidade de defender, como disse ontem Dino Zoff na Gazzetta dello Sport.
E o gol sofrido acentua a solidão responsável do goleiro. Saba novamente, do poema Gol: “O goleiro caído na defesa / última vã, esconde no chão o rosto, para não ver a amarga luz. / O companheiro de joelhos que o induz, / com palavras e com a mão, a levantar-se / descobre seus olhos cheios de lágrimas”. E por falar em poesia. De um seu compatriota, Francisco revela o que fez ao ouvir a notícia da morte de Diego Armando Maradona: "Rezei por ele". E não podendo comparar, por motivos óbvios, Diego a uma divindade, explica: “Em campo foi um poeta, um grande campeão que deu alegria a milhões de pessoas, na Argentina como no Nápoles”.
Mas a alegria proporcionada introduz a uma dimensão de fé, que o Papa descreve em geral para todos os esportes, inspirando-se na tradição do populismo jesuíta: “O esporte é uma experiência do povo e de suas paixões, marca a memória pessoal e coletiva. Talvez sejam precisamente estes elementos que nos autorizam a falar de 'fé desportiva'”.
Em suma, o futebol é fé, e inclusive cristã no verdadeiro sentido da palavra, como escreveu Vladimir Dimitrijevic em seu fundamental A vida é uma bola redonda: “Há nele (no futebol, ndr) uma igualdade que não hesitaria em definir como cristã. (…). Todos os jogadores de futebol excepcionais transformam uma falha flagrante em uma qualidade sublime. Alguns têm pernas tortas, outros se movem como pandas, mas imediatamente, assim que pegam a bola, em torno deles tudo se torna fluido”.
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Fé na bola. O papa é como um goleiro de futebol: “Os perigos chegam de todo lado” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU