16 Mai 2018
"Eu passei dois anos com o Papa Francisco. E isso me mudou para sempre.”
Wim Wenders aos 40 anos contava sobre os anjos de Berlim e aos 72 apresenta para Cannes e para o mundo seu filme sobre as palavras e o pensamento de Bergoglio, “Papa Francisco - Um homem de palavra”.
A entrevista é de Arianna Finos, publicada por La Repubblica, 15-05-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Wenders, de que forma esse encontro mudou você?
Suas palavras tiveram um impacto direto sobre a minha vida. Ele pergunta: podemos viver com menos? A resposta é sim. Eu senti que eu não teria o direito de fazer este filme se eu não tivesse seguido o seu exemplo. Eu e minha esposa Donata mudamos nossa vida e foi um grande alívio. Ele diz: para a saúde mental, é preciso descansar um dia por semana. Eu percebi que eu não parava há anos. O que eu não estava passado tempo suficiente com a minha família, brincando com meus quatro netos. Ele fala coisas simples que todos nós sabemos, mas temos a tendência de esquecer.
Como foi o vosso encontro?
Nós nos conhecemos em seu escritório no Vaticano. Eu tinha estudado, eu achava que sabia muito sobre ele, mas mesmo assim ainda estava nervoso. Ele chegou sozinho, olhou para nós de forma franca, apertou as mãos de todos. Isso aliviou bastante a pressão.
O que mais lhe impressionou nele?
A coragem, a energia positiva que você percebe fisicamente quando entra na sala. E o senso de humor. Ele ria do meu espanhol estropiado e muitas vezes se percebe um sorriso no fundo de seus olhos. Tem a propensão para se divertir. Quando você olha em seus olhos, vê o velho garotinho que ele foi.
As palavras do Papa, no filme, são mais sobre os homens do que sobre Deus.
Não é um teólogo, em primeiro lugar está interessado nas pessoas, em se comunicar com os outros, nas suas necessidades. Com ele, a Igreja não é um instrumento de poder, mas da comunidade, como era na origem.
Não é um filme só para os católicos.
Eu não queria fazer um filme para aqueles que já o conhecem. O Papa Francisco quer falar com todas as pessoas de boa vontade. Não para convertê-las, mas para torná-las conscientes que precisamos remover a superfície e chegar à essência da igualdade.
Há uma cena em que ele desembarca nos EUA a bordo de um carro popular.
Desde o início de suas viagens, ele chocou a todos ao rejeitar a limusine. Quando se encontrou conosco para filmar nos jardins do Vaticano, saiu de um Fiat Panda.
Nestes anos com Francisco, você testemunhou momentos de fraqueza ou desconforto?
Eu vi nele uma esperança sem fim. Mas também a raiva, quando retornou do campo de refugiados em Lesbos. E quando fala de pedofilia, quando diz "Tolerância zero", você entende que ele gostaria de fazer tudo e imediatamente, mas não pode. Você percebe a sua frustração. Sabemos que ele tem inimigos no Vaticano, há quem o acusa de heresia, para o cardeal de Utrecht a pior coisa que pode acontecer a um papa. Mas, por outro lado, são muitos que o apoiam, felizes por ele ter aberto as portas da igreja para o século 21.
Porque o Vaticano escolheu você para o documentário?
Por minha habilidade de desaparecer, deixando que seja o assunto do filme a brilhar. Vale para os músicos do Buena Vista Social Club, para a arte de Pina Bausch e Sebastião Salgado. Alguns fazem documentários de denúncia, eu os faço para compartilhar o que eu amo. A única regra que eu coloquei foi que o filme não poderia ser uma produção do Vaticano, eu tinha que fazer isso sozinho.
Por que optou por inserções ficcionais em preto e branco sobre São Francisco?
Quando ele foi eleito eu fiquei imediatamente impressionado com a escolha de se chamar Francisco. Esse nome traz uma grande obrigação, ninguém teve a coragem de escolhê-lo antes. A ideia de vincular o meu filme ao santo já estava lá desde o início. São Francisco é um grande herói da humanidade, visionário e revolucionário. Mas nem todos o conhecem. E nenhum filme sobre ele me impressionou, exceto aquele de Rossellini. Com pouco dinheiro rodei as cenas, usando uma filmadora da década de 1920 que eu sabia teria proporcionado um retorno ao passado. Muitos, depois da projeção, me perguntaram: "Onde você conseguiu aquelas imagens de arquivo?.
Qual é a sua relação com a religião?
Eu tive uma criação católica. Meu pai era médico, a sua missão era, como cristão, estar ao serviço de seus pacientes. Antes de cursar medicina ele tinha pensado em teologia. Aconteceu isso também comigo, até os dezesseis anos, depois vieram o rock and roll, o cinema... Em 1967 eu era um estudante, obviamente socialista. Nos anos 1970 eu voltei para minha crença, mas dessa vez como protestante. Hoje, não importa, sou um cristão e acredito no movimento ecumênico, tenho amigos católicos, frequento igrejas católicas e protestantes.
O Papa Francisco viu o filme?
Quando o conheci, ele nunca tinha visto um dos meus filmes, nem vai ver esse. Ele me chamou: "Eles me disseram que você fez um bom trabalho. Eu tenho muito respeito, mas o cinema não é uma coisa para mim.
Assista ao trailer do filme:
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"Assim Francisco mudou a minha vida". Entrevista com Wim Wenders - Instituto Humanitas Unisinos - IHU