25 Março 2021
Caso alguém necessite consultar um especialista na educação de jovens católicos e na formação de lideranças, não há melhor opção do que procurar pelo padre Jorge Boran. Religioso da Congregação do Espírito Santo (Espiritanos) e irlandês naturalizado brasileiro, Boran se dedica há décadas no esforço de politizar a juventude ligada à Igreja Católica no Brasil.
A entrevista é de Arthur Gandini, publicada por A Igreja Paulistana, 24-03-2021.
Doutor em liderança comunitária pela Universidade de Fordham, nos Estados Unidos, escritor e responsável por ministrar conferências e cursos a respeito do tema em todo o mundo, o religioso é fundador e presidente do Centro de Cursos de Capacitação da Juventude (CCJ). A entidade possui sede em São Paulo (SP), mas é responsável desde o ano de 1997 por realizar o Curso de Dinâmica para Líderes (CDL), dividido em dois níveis, para jovens de todo o país.
É estimulada no curso a formação de lideranças em grupos de jovens católicos por meio do método freiriano, criado pelo educador Paulo Freire (1921-1997), no qual o processo de aprendizado é incentivado de forma coletiva e horizontal para dar autonomia aos seus participantes. Ao todo, o CDL já foi responsável pela formação de milhares de jovens e chegou a 115 dioceses do país e a outros países da América Latina, como o Paraguai, Salvador e a República Dominicana.
Em entrevista à Igreja Paulistana, Boran defende que o jovem é fundamental para mudar a política no país e, portanto, deve se aproximar do tema. “O papa tem falado muito para os jovens que eles têm que se envolver na política, mas, não, na politicagem. A Igreja fala que a luta pela justiça social é um elemento integral da evangelização. A política, no bom sentido, é pensar no bem do povo”, afirma.
O religioso aponta que o país passa por um agravamento da pandemia da Covid-19 por conta de um governo que nega a ciência e que descarta medidas de combate à crise sanitária, como o distanciamento social. “Ou formamos os jovens que tenham uma consciência e os valores do Reino para enfrentar essa situação, ou não há futuro possível. Nesta situação, não há neutralidade. Ficar em cima do muro é estar ao lado do opressor”, analisa.
Para Jorge Boran, apesar do momento atual, ainda há esperança para tempos melhores no país devido à crescente conscientização política e ao uso da tecnologia para cultivar o amor ao próximo. “Deus nos disse para amar aos outros, mas também tem que trabalhar no nível de política. É importante usar as ferramentas que nós temos hoje na internet para que o povo tenha acesso à informação que proporcione decidir entre o discurso autêntico e político e o discurso manipulativo”, declarou.
Desde as manifestações de 2013 e do impeachment da ex-presidente Dilma em 2016, tem se tornado cada vez mais comum discutir política no país. Muitos afirmam que o Brasil passa por uma polarização. Na sua opinião, como o jovem deve se inserir nesse contexto? O jovem católico deve ingressar na política?
Política tem dois sentidos. A palavra política vem do grego que significa “cidade”. É a preocupação com a cidade, com o bem comum. Se alguém fala que não está interessado em política, significa que não está pensando no bem comum. E o segundo sentido é a política partidária. Uma parte da sociedade se organiza para conquistar o poder e, depois, implementar um programa.
A Igreja incentiva a participação dos jovens e dos leigos em geral, inclusive, na política partidária. A Igreja não implica qual partido. Tem a questão da formação política para que não seja uma pessoa ingênua, que se identifique com a politicagem, com quem quer chegar no poder para se servir da política. Está ligado com a corrupção, assim por diante. Tem muita gente boa na política e, se tem gente corrupta na política, é porque a maior parte do povo não se interessa (pela política). No momento de votar, vota em pessoa corruptas só por causa do seu discurso e não olha para a prática.
Todas as Constituições hoje em dia falam que o poder vem do povo e em seu nome é exercido. Nós não estamos mais dentro de monarquias, ditaduras e na Idade Média. É fundamental participar da política. O papa tem falado muito para os jovens que eles têm que se envolver na política, mas, não, na politicagem.
A Igreja fala que a luta pela justiça social é um elemento integral da evangelização. A política, no bom sentido, é pensar no bem do povo e, sobretudo, no povo que está às margens da sociedade, abandonado, os mais pobres, imitando as opções de Jesus Cristo.
Há duas maneiras de trabalhar com os mais pobres. Uma é dando coisas para eles, comida, assim por diante. Mas outra maneira muito importante é caminhar pelas raízes da injustiça da sociedade, da marginalização, das causas estruturais da política e da economia.
Como o CDL busca estimular o desenvolvimento da consciência política entre os jovens?
Trabalhamos muito a questão da formação integral. O ser humano tem cinco dimensões: a personalização, quem sou eu e quem é o outro; a socialização; a relação com Deus, o sentido da vida; a relação com a sociedade. Aqui seria a questão da política, como você organiza a sociedade, uma sociedade com ricos cada vez mais ricos a custo de pobres cada vez mais pobres. A quinta dimensão seria como trabalhar, como se organizar, a questão da ação, senão você fica apenas no discurso.
O CDL tem uma proposta de fazer com que os cursistas retornem para as suas comunidades e levem todo o aprendizado para outros jovens. Ao longo de todos esses anos, como é essa replicação?
São vários fatores. Eles voltam para as suas comunidades com um novo dinamismo e a ideia não é apenas ficar dentro da comunidade, mas sair também em missão, trabalhar pela justiça social e trazer mais jovens para se engajarem na luta. O CDL tem uma característica muito importante: a ideia é formar e treinar treinadores. A gente treina líderes que depois saem do curso para reproduzir para os outros e, assim, a gente chega a mais gente. É um efeito multiplicador, mas sempre dentro de uma metodologia em que o jovem é o sujeito de seu próprio crescimento. A gente forma um jovem que tenha a capacidade de pensar por si e que tenha uma consciência crítica. Não é uma pessoa que possa facilmente ser manipulada por pessoas corruptas.
O CDL, no ano passado, por conta da pandemia, passou pela experiência de ser realizado online. Neste ano, quais são os planos? Vai ser inteiramente online ou em um modelo híbrido? O que o CCJ tem avaliado?
No ano passado, não foi realizado o 1º nível por conta da pandemia. Organizamos algumas lives para substituí-lo. O 2º nível, organizamos um CDL online. Foi um grande sucesso. Foram três dias de organização a nível nacional para fazer um curso com 60 pessoas, incluindo monitores. Tivemos que substituir algumas dinâmicas por novas por não ser presencial. Foi uma coisa muito interessante e criativa. O pessoal gostou muito.
A ideia é fazer o CDL 2º nível, no final do ano, digital. O 1º nível, presencial, marcamos para setembro, mas estamos com dúvidas se teremos essa possibilidade ou se teremos que fazer mais para o fim do ano.
A pandemia atrapalhou muito. Por outro lado, forçou toda uma criatividade em termos de mobilização e formação online. Usando as novas ferramentas que existem hoje em dia, como o Zoom e o Meet, o WhatsApp, o Instagram, o Facebook, assim por diante.
Mesmo com o agravamento da pandemia, ainda segue a disseminação de fake news relacionada à crise sanitária, assim como movimentos que defendem teses como a existência de um tratamento precoce para a Covid-19. Como fazer com que o jovem não caia em notícias falsas e em discursos rasos?
Há a metodologia de Paulo Freire que defende a conscientização. Vivemos um momento dramático, o mundo todo está olhando para o Brasil. Não houve um preparo (para enfrentar a pandemia). Há um governo não voltado ao povo e que está cortando os direitos do povo. Negando a ciência, o uso de máscaras e o distanciamento social. Não há um planejamento a nível nacional. As pessoas não participam da política e isso acontece. É deixar a política na mão dos desonestos e dos corruptos, das pessoas que só pensam em si, em enriquecer e que não estão do lado do povo. Há os evangélicos, a teologia da prosperidade. Toda uma política de ódio e de divisão, de fanatismo.
Ou formamos os jovens que tenham uma consciência e os valores do Reino, para enfrentar essa situação, ou não há futuro possível. Nesta situação, não há neutralidade, ficar em cima do muro é estar ao lado do opressor.
Você acha que hoje há falta de empatia entre as pessoas para o sofrimento do próximo na pandemia? Falta construir a política, mesmo entre grupos religiosos, com o amor ao próximo?
É fundamental o amor ao próximo. Deus nos disse para amar aos outros, mas também tem que trabalhar no nível de política. É importante usar as ferramentas que nós temos hoje na internet para, em primeiro lugar, que o povo tenha acesso à informação que proporcione a consciência para decidir entre o discurso autêntico e político e o discurso manipulativo.
Como você analisa a conjuntura política hoje? Ela deve se movimentar bastante com a volta da elegibilidade do ex-presidente Lula.
Estamos agora em uma política de morte. Precisamos fazer frente a isso. No meio de tudo isso, há um lado bom que muita gente está se conscientizando. Muita gente errou ao votar (nas eleições presidenciais de 2018). Tem que trabalhar pelo futuro agora. A restauração dos direitos políticos de Lula dá a possibilidade de uma alternativa. Está corrigindo um grande escândalo que foi colocar um ex-presidente na cadeia que teve o governo mais bem-sucedido da história.
O discurso antipetista não está funcionando mais. O PT saiu do governo e a corrupção piorou. O discurso anticorrupção tem sido usado historicamente para conquistar voto. Mas estou com esperança para o futuro.
Qual o papel do jovem para mudar esse cenário da política?
O jovem é fundamental, porque representa uma grande parte da população e ocupa uma dinâmica. Nesse momento, temos uma juventude mais quieta, mas historicamente o que caracteriza a juventude, diferentemente do adulto, é que ela muda rapidamente. Você lembra, por exemplo, quando o presidente (Fernando) Collor estava no governo (no ano de 1992). Começaram a sair muitas questões de corrupção. Foram os jovens que se organizaram nos “Cara Pintadas” e, no final, teve o impeachment.
A juventude é um grupo muito importante, porque é muito idealista. Está difícil porque estamos em uma pandemia e temos que manter o distanciamento social, não pode protestar nas ruas. A situação muda quando o povo vai para a rua. Mas vamos superar isso e há muita coisa boa acontecendo na internet. Há as fake news, mas também há o outro lado. As pessoas vão aprender a lidar com as fake news e a não se deixarem ser manipuladas pelas mentiras.
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Jovem é fundamental para mudar a política, defende educador católico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU