25 Fevereiro 2021
"Cada tempo exige de nós uma resposta diferenciada. Talvez este tempo, que o Papa Francisco descreve na Fratelli Tutti como “Um mundo fechado”, esteja exigindo de nós o resgate de um humanismo cristão. Este fio de humanidade, que mora em nós e que é indestrutível, será a base para edificação da civilização do amor", escreve Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros, Subsecretário Adjunto Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Neste mundo dilacerado por discórdias, poderá chegar um tempo em que nos perguntaremos: onde encontrar um resto de humanidade? Tocou-me profundamente o relato da visita inesperada que o Papa Francisco fez à escritora judia Edith Bruck. O Papa passou com ela duas horas. Lembrei-me de Jesus visitando as pessoas, escutando e, através da escuta, curando-as. Uma outra visita se aproxima no início de março, o Santo Padre, viajará ao Iraque, um país devastado por guerras religiosas e ataques às minorias. Assim, ele cumpre sua missão: confirmar os irmãos e irmãs, promover a cultura do encontro e construir pontes.
Tocou-me também, por ocasião da visita do Papa, a história de vida da escritora. A terrível experiência daquela mulher, à época uma criança indefesa, nos campos de concentração, a fez experimentar o mal absoluto. Contudo, foi impactante também ouvir sua história de vida, descrita no livro Il Pane Perduto, da editora italiana La Nave de Teseo.
Um verdadeiro alimento espiritual para a caminhada quaresmal. Afinal, a quaresma é, em última instância, um convite a nos reencontrarmos com o Divino para resgatarmos o que há de humano e divino em nós. Quaresma é tempo de resgatar o resto de humanidade que há em nós. Como aquelas brasas que, encobertas pelas cinzas no fogão a lenha, parecem estar mortas, porém, basta que sejam sopradas para que a produzir luz e calor.
Edith descreveu ao Papa, que já havia lido seu livro, as pequenas luzes de esperança que encontrou em meio àquela realidade bruta, desumana e terrível. Ela diz em sua entrevista: “há sempre esperança. Há sempre uma pequena luz, mesmo na escuridão total. Sem esperança, não podemos viver. Nos campos de concentração, bastava um alemão olhando para você com um olhar humano. Bastava um gesto. Bastava um olhar humano. Eles me deram uma luva com furos, me deixaram um pouco de geleia na marmita. Ali estava a vida, dentro. Aquela é a esperança”.
Imediatamente me povoaram tantas lembranças! Tantos testemunhos! Recordei-me da palavra de Isaías quando nos convida a não quebrar o caniço rachado, nem o pavio que ainda fumega. (Is 42,3) Lembrei-me dos cinco pães e dois peixes que aquele menino ofereceu no episódio da multiplicação dos pães, lembrei-me da pobre e humilde gota de água que o celebrante deposita no cálice com vinho no momento da preparação da mesa, lembrei-me do testemunho eloquente do Cardeal Vietnamita Van Thuan no cárcere, descrito em seu livro Testemunhas da Esperança. Lembrei-me de ter visto, diversas vezes, Dom Luciano Mendes de Almeida, servo de Deus, aguardando o ônibus em uma rodoviária, e assentado, sossegadamente, conversando, de modo sereno e paternal, com gente simples.
Concluo que cada tempo exige de nós uma resposta diferenciada. Talvez este tempo, que o Papa Francisco descreve na Fratelli Tutti como “Um mundo fechado”, esteja exigindo de nós o resgate de um humanismo cristão. Este fio de humanidade, que mora em nós e que é indestrutível, será a base para edificação da civilização do amor. Para nós cristãos a fonte de humanização é Jesus, Deus e homem, humano e divino. Ele é a referência primeira. O nosso anseio, como ensina o apóstolo Paulo, deve ser o de atingir a estatura plena e a maturidade de Cristo. (Ef 4,13) Em meio a tantas polarizações e manifestações de ódio, fixemos nosso olhar em Jesus e imitemos suas atitudes, palavras e ações, que devem sempre nortear nosso agir.
Em sua Carta Encíclica Fratelli Tutti, o Papa Francisco nos exorta: armemos nossos filhos com as armas do diálogo! Ensinemos-lhes a boa batalha do encontro! Está posto o desafio: dialogar para promover a fraternidade e a amizade social. Dialogar requer humildade, capacidade de escuta, conversão, enxergar o outro como riqueza e não como ameaça. Esta é a grande exigência de nosso tempo.
Nesta busca pelo diálogo, sempre nos ajuda o ensinamento de Santo Agostinho: “no essencial, unidade; no secundário, liberdade; em tudo CARIDADE”.
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Um resto de humanidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU