28 Janeiro 2021
"Neste tempo de Pandemia e sempre, não nos descuidemos de seguir a intuição do Papa Francisco, pois assim seremos fiéis ao apelo de Jesus. Ir às periferias para encontrar os caídos e necessitados de cura, para, como o bom samaritano, encontrar aqueles que foram descartados e estão à beira do caminho", escreve Pe. Dirceu de Oliveira Medeiros, Subsecretário Adjunto Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
“Ele vos precede na Galileia” (Mc 16, 7)
Escrevo este pequeno artigo inspirado pelo livro Periferias: crise e novidade para a Igreja, de Andrea Riccardi, recentemente lançado pela Edições CNBB. O conceito de “periferia” – tema central da obra – indica uma importante chave de leitura do pontificado do Papa Francisco. Partilho aqui alguns aspectos que me pareceram fundamentais nesta leitura. Que este artigo seja um aperitivo, do latim aperire: para abrir nosso apetite para este assunto tão necessário em nossos dias.
Partindo dos Evangelhos, o autor retoma a ideia da Galileia enquanto periferia não só geográfica, mas também teológica e existencial. Situada ao norte da terra de Jesus, a Galileia, além de ser rota de passagem de muitos povos e etnias na época, era também lugar de gente que, por ter se miscigenado e se conectado a outros povos e culturas, estava distante do ideal de pureza racial que vigorava na gente do sul próxima a Jerusalém.
Dois textos deixam entrever essa peculiaridade do povo do norte, isto é, da periferia. Em João 1,46, Natanael deixa transparecer esta mentalidade quando, ao se encontrar com Jesus, por meio de Filipe, pergunta a ele: “De Nazaré pode sair algo de bom?”. Assim, Natanael, torna-se porta-voz de uma mentalidade reinante e excludente.
Também em Mateus 26,73, algumas pessoas se aproximam de Pedro e percebem logo seu sotaque galileu e afirmam: “é claro que tu também és um deles, pois teu sotaque te denuncia” (Mt 26,73). O sotaque aqui não é somente uma mera característica linguística, mas “revela o rastro do meio de onde se provém”. O lugar do qual viemos nunca nos deixa, ainda que estejamos distantes.
Andrea Riccardi também deixa claro que os Evangelhos são unânimes em afirmar que a Galileia se tornou o ponto de partida e irradiação da Boa-Nova de Jesus. Em outras palavras, Deus entra na história de seu povo por meio de uma mensagem oriunda da periferia, uma mensagem vivida, primeiramente, por pessoas da periferia com sotaque galileu. No relato de Lucas, encontramos uma particularidade, uma vez que o ponto de partida é o mesmo – a Galileia –, porém o escopo da missão é mais amplo: “sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, até os confins da terra” (At 1,8).
Lucas descreve a ação de Jesus como uma grande viagem. Faz-nos recordar o conceito judaico de Aliyah que, em hebraico, quer dizer “subida” ou “peregrinação” a Jerusalém. A literatura rabínica vai dizer que “a Jerusalém sempre se sobe”. Inevitavelmente vem à memória os salmos das subidas ou degraus que os judeus, ao peregrinar a Jerusalém, recitavam enquanto se dirigiam à Cidade santa.
O livro dos Atos dos Apóstolos narra também esse mesmo movimento, uma vez que o itinerário da evangelização se dá de Jerusalém, a partir do episódio de Pentecostes, até o coração do império romano, a cidade de Roma. Ocorre uma mudança de eixo, mas a lógica é a mesma.
Com isso, não resta dúvida que o convite do Papa Francisco para irmos às periferias existenciais é um chamamento profundamente bíblico que encontra seu fundamento na práxis de Jesus como relatam os Evangelhos.
O segundo aspecto aponta para Galileia como lugar da gestação e do primeiro amor. No livro do Apocalipse, o Ressuscitado reprova a Igreja de Éfeso justamente porque se esqueceu do primeiro amor. Assim lemos: “Tenho, porém, algo contra ti: abandonaste o teu amor primeiro” (Ap 2,4).
Deixar de ir às periferias existenciais e abrigar-se debaixo das torres de nossas Igrejas é abandonar o primeiro amor e deixar de beber dessa fonte que “restaura nossa juventude”. Tudo começa na Galileia e tudo recomeçará sempre de lá. Daquela periferia que se tornou o centro irradiador da Mensagem de Jesus. Lá os primeiros discípulos foram chamados, sinais e milagres foram realizados e ensinamentos foram dados, atestando o advento do Reino. Mas também a comunidade pascal encontra ali sua força propulsora para a Missão. No dia da Ressurreição, Jesus exorta seus discípulos: “ide anunciar a meus irmãos que se dirijam à Galileia. Lá me verão” (Mt 28,10). Igualmente, em Marcos 16,7 ressoa a mesma exortação: “Ele vai à vossa frente para a Galileia”.
Por fim, neste tempo de pandemia e sempre, não nos descuidemos de seguir a intuição do Papa Francisco, pois assim seremos fiéis ao apelo de Jesus. Ir às periferias para encontrar os caídos e necessitados de cura, de modo a, assim como o bom samaritano, encontrar aqueles que foram descartados e estão à beira do caminho. Desse modo, teremos a oportunidade de retomar sempre o encanto do primeiro amor, sem perder a paixão pelo Reino de Deus e por sua Mensagem sempre atual.
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As Periferias. Artigo de Dirceu de Oliveira Medeiros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU