11 Fevereiro 2021
Um estudo recente da Universidade de Cambridge revela um mecanismo pelo qual as mudanças climáticas teriam influenciado no surgimento do SARS-CoV-2 e sua passagem de animais para humanos.
A reportagem é de Saturio Ramos, publicada por The Conversation, 08-02-2021. A tradução é do Cepat.
De acordo com este trabalho, o aquecimento global e o aumento dos gases do efeito estufa causaram, durante o último século, mudanças na vegetação da província chinesa de Yunnan (assim como em Mianmar e Laos). Essas modificações permitiram que os morcegos estendessem seus habitats e vivessem em novos territórios. Sua presença está associada a um maior número de coronavírus.
A emergência climática e a pandemia zoonótica são consequência da atividade humana, que causa degradação ambiental. A revista médica The Lancet monitorou e relatou mais de 40 indicadores globais que medem o impacto das mudanças climáticas na saúde. Em um editorial recente, destaca que as causas da crise climática e da covid-19 têm elementos comuns e seus efeitos são convergentes.
Em seu relatório de 2018, a The Lancet já alertava que se não for acelerada a redução das emissões de gases do efeito estufa, os sistemas de saúde poderiam ser sobrecarregados para atender ao previsível aumento na incidência de doenças que ocorreriam.
Frear os efeitos das mudanças climáticas ajudará a reprimir o surgimento e o reaparecimento de doenças zoonóticas. Estas são mais prováveis devido à agricultura intensiva, ao comércio internacional de animais exóticos e ao aumento da invasão humana nos habitats da vida selvagem, o que, por sua vez, aumenta a probabilidade de contato entre pessoas e patógenos.
O relatório conclui afirmando que as decisões tomadas agora devem abordar as duas crises em conjunto para garantir a resposta mais eficaz a cada uma.
A maior frequência histórica de eventos extremos que estamos sofrendo (como a recente tempestade Filomena) está associada à nova realidade do aquecimento global no planeta.
A temperatura média da Terra está constantemente subindo porque substituímos a fina manta natural de gases que estabilizava a atmosfera por um edredom nórdico de gases. São produtos da queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural), gerados há pouco mais de um século.
Os observatórios científicos especializados do mundo estão há anos avaliando que o aumento contínuo da temperatura afeta especialmente a enorme massa de gelo nos polos, que derrete, e a vasta extensão de água nos oceanos, que evapora.
O aquecimento global modificou os gradientes em grande escala, mais ou menos estáveis, de temperatura, pressão e salinidade, originando as mudanças climáticas.
Os últimos dias de penalidades acrescidas pelo frio e nevasca trazidos pela tempestade Filomena foram propícios para que alguns, inclusive políticos, questionem as mudanças climáticas.
Das várias propostas informativas e simples que são possíveis para ajudar a compreender a diferença entre o clima e o tempo meteorológico, gosto da de uma pessoa (clima) que faz uma longa caminhada de ida e volta ao longo de uma vasta praia com um cão (tempo meteorológico), com uma coleira extensível. A trajetória de eventos da pessoa (clima) é quase linear, consistente e previsível. A do cão (clima meteorológico) arbitrária, caótica e muito pouco previsível. Ambos têm um vínculo físico e fecham juntos o ciclo.
O esquema básico de um motor térmico consiste em um foco quente, um foco frio e um fluido (gás-líquido) que é forçado a circular entre os dois focos e submetido a gradientes (diferenças) de temperatura e pressão.
A Terra recebe energia térmica do Sol, mas sua forma esférica, a rotação diária e a inclinação (23,5⁰) de seu eixo em relação ao plano da órbita solar tornam muito mais quente ao longo do ano a zona intertropical do equador e muito menos os polos.
Quando o ar é aquecido, fica mais leve e sobe deixando uma depressão. Ao contrário, quando esfria fica mais denso, desce e aumenta a pressão. Assim, em cada hemisfério, o ar nas camadas inferiores da atmosfera se moveria dos polos ao equador e nas camadas superiores fecharia o ciclo movendo-se do equador para os polos.
Mas o movimento de rotação da Terra em torno de seu eixo rompe essa simetria, originando em cada hemisfério duas zonas intermediárias de alta e baixa pressão e desviando a direção dos ventos. É a circulação geral dos ventos na atmosfera terrestre.
Os oceanos ocupam quase dois terços da superfície terrestre e têm alta capacidade calorífica, absorvem a maioria do calor em excesso. Sua densidade depende da temperatura e salinidade, que por sua vez variam devido ao congelamento, evaporação e abastecimento de água doce.
As águas mais quentes e menos salinas se movem em camadas superficiais empurradas pelos ventos. Quando chegam a zonas muito frias e aumenta a salinidade, precipitam para o fundo. Nas águas mais quentes, onde a água dulcifica, ascendem lentamente completando um longo ciclo. É a circulação termohalina (ou termossalina) que percorre os oceanos, uma rodovia que transporta gratuitamente o calor para distribuí-lo por todo o planeta.
Quando os focos se reaquecem, afetando em maior medida os polos, como estamos fazendo, os gradientes de temperatura, pressão e salinidade variam, as correntes gerais do vento e a rodovia de água oceânica se modificam, o clima global muda, os eventos extremos se multiplicam por terra, mar e ar e muitos ecossistemas e espécies desaparecem.
Nas camadas superiores da atmosfera acima do Ártico, uma espécie de calota polar de inverno se forma com massas de ar gelado que giram no sentido anti-horário, por isso é chamado de vórtice polar.
Quando se produz um reaquecimento anômalo no Ártico, como aconteceu recentemente, o vórtice se expande. Desta forma, rodea com ar frio e empurra a corrente de jato polar que circula abaixo e que pode atingir latitudes médias, trazendo ondas de frio extremo para a América do Norte, Europa e Ásia. A elevada umidade da tempestade Filomena, devido ao calor do clima, faz o resto para causar a grande tempestade de neve e frio que temos sofrido.
Os dados científicos sobre o aquecimento global e sua origem têm amplamente referenciadas ao menos três consequências que afetam a geração e propagação de pandemias:
- A deterioração de habitats, ecossistemas e extinção de espécies de animais e plantas;
- O degelo de geleiras e do permafrost, que libera patógenos perigosos que estão em hibernação permanente;
- A alta poluição da atmosfera, que afeta a maior disseminação de vírus e mortalidade.
Em maio de 2019, o Programa da Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente apresentou o relatório da Plataforma Intergovernamental de Ciência e Política sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), elaborado por 145 especialistas de 50 países e baseado na revisão sistemática de cerca de 15.000 fontes científicas e governamentais.
O copresidente da avaliação, professor Josef Settele (Alemanha), afirmou:
“Os ecossistemas, as espécies, as populações selvagens, as variedades locais e espécies de plantas e animais domesticados estão diminuindo, deteriorando ou desaparecendo. A rede essencial e interconectada da vida na Terra está ficando menor e mais segmentada. Essa perda é um resultado direto da atividade humana e constitui uma ameaça direta ao bem-estar humano em todas as regiões do mundo”.
O interessante relatório do World Wide Fund (WWF) Perda de natureza e pandemias afirma que as mudanças climáticas amplificam as ameaças que afetam a biodiversidade, favorecendo a expansão de vírus e bactérias, e seus vetores. Em habitats bem preservados, os vírus são distribuídos entre as espécies e não afetam os humanos, pois existe uma relação equilibrada. Além disso, o relatório indica que o degelo do planeta libera vírus de diferentes tipos que permanecem há séculos retidos.
Um estudo da Universidade Harvard mostra que mais pessoas morrem de covid-19 quando são expostas a altos níveis de poluição por partículas finas, que são geradas principalmente por veículos movidos a combustível fóssil.
Para dobrar a curva do aumento da temperatura global só existe uma vacina: parar o quanto antes a produção e queima de combustíveis fósseis. Os danos produzidos são enormes e há cada vez menos tempo para agir.
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Crise climática e covid-19, fenômenos convergentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU