08 Fevereiro 2021
No dia 2 de fevereiro, ingressou na catedral de Nápoles na Itália, o seu novo arcebispo, Domenico Battaglia.
Perguntamos a Angelo Berselli, pároco no bairro popular de Forcella, qual situação o arcebispo vai encontrar.
A reportagem é de Giordano Cavallari, publicada em Settimana News, 02-02-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Caro Pe. Angelo, como está Nápoles, pelo que você vê a partir da sua paróquia?
Em abril, eu disse que a história do vírus traria grande interesse para a usura, e que esta colocaria muitos pequenos comerciantes de joelhos, que chegariam a vender a sua loja para o crime organizado: pois bem, é o que está ocorrendo pontualmente ao meu redor, até na minha paróquia. No entanto, como pároco, sinto o dever de evidenciar o que há de positivo. Existem sinais positivos que eu gostaria de informar. Não quero compartilhar a posição de quem vê esta cidade totalmente de forma negativa. Não está no espírito de Nápoles e de quem nela habita. No âmbito social, por exemplo, é positivo o fato de que está sendo organizada uma nova associação de comerciantes em Forcella, meu bairro. Muitos estão sem rendimentos há meses. Eles até receberam multas pelas áreas a céu aberto – para a compra e o consumo de mercadorias – que a prefeitura havia autorizado antes.
As pessoas que eu conheço protestam civilizadamente. Querem debater com as instituições e as forças da ordem. A Via Duomo – que já foi a rua ilustre e animada dos casamentos – se tornou tão despojada quanto um cemitério. Essas pessoas têm boas razões para apoiar. Eu estou com elas, com os meus conselhos. No âmbito pastoral, é positivo o fato de que, nos próximos dias, será retomada a catequese presencial. Nós nos organizamos. Podemos garantir o distanciamento. Temos os produtos e as energias para garantir a higienização. Os jovens estão fazendo há meses o “ensino a distância”. Não aguentam mais. Escutei os professores. Eles me contaram muitas situações discriminatórias e muito pouco eficazes do ponto de vista educacional, com jovens que estão na cama, sonolentos, com o celular na mão. Não é só uma questão de escola ou de catequese em sentido estrito. Essas crianças e jovens precisam se ver e estar juntos, guiados por alguém que seja capaz.
Estou contente que se volte a fazer algo. Espero que funcione e que possa durar. Por isso, quero dizer que estou notando sinais de recuperação e de esperança na boa humanidade de Nápoles e dos napolitanos. Se eu não tivesse essa esperança humana, não poderia ter esperança nem mesmo no Senhor. E vice-versa. É claro, se eu sair da minha igreja e dobrar à direita, vou encontrar imediatamente – na rua por onde também passa a polícia – pessoas que vendem cigarros contrabandeados, depois, mais à frente, que vendem droga e – no final das vielas – que se prostitui. Esta é Nápoles, uma realidade extremamente complexa e diferenciada.
Hoje [no dia 2 de fevereiro], o novo arcebispo, Domenico, fará seu ingresso na catedral. Como será?
Há muita expectativa. Também da minha parte. Depois de todas as apresentações que o descrevem como um “padre da rua”, não vejo a hora de o encontrar “a faccià a faccià”, como se diz em Nápoles, e de poder conversar com ele. Precisamos de um pastor que, acima de tudo, nos escute, como Jesus fazia com as pessoas com quem se encontrava. O bom é que ele já planejou os encontros com os decanatos. O primeiro será o meu. Ninguém pode entender Nápoles e o povo napolitano senão morando nesta cidade e nestes bairros.
Do lado de fora, só se captam alguns aspectos, os de sempre, muitas vezes aqueles que são convenientes para fazer notícia. Por isso, acho que o arcebispo Domenico deve, acima de tudo, ouvir aqueles que, nesta cidade e nestes bairros, vivem desde o nascimento ou quase. Eu acho que aqueles que têm o papel de conduzir esta Igreja, assim como esta cidade, deveriam ser auxiliados por pessoas que conhecem e que têm espírito de abnegação. É difícil mudar situações atávicas. É preciso reunir muitos pequenos esforços, com paciência.
Fala-se de imagens de criminosos usadas como santinhos. Qual a relação entre o crime organizado e a religiosidade popular?
Como vocês devem se lembrar, em outubro, em Forcella, foi morto pelos “falcões de motocicleta”, isto é, por policiais à paisana, um jovem de 17 anos – Luigi Caifa – enquanto ele realizava um assalto. Pouco tempo depois, enquanto se encontrava em prisão domiciliar, também foi morto o pai dele, Genny ‘a Carogna, membro da torcida organizada do Napoli e conhecido traficante. O dramático caso de família produziu uma espécie de santificação do jovem no bairro: seu ato criminoso é vendido por alguns como um ato heroico. Apareceu até um grafite com a sua imagem na fachada de um condomínio. O prefeito ordenou a remoção. Na realidade, ele advertiu os condôminos para que retirassem o grafite. Imagine! Ainda está lá no seu lugar.
Este é apenas um exemplo de como se reage em Nápoles em certas situações, disfarçando tudo com uma religiosidade obviamente de fachada. O modelo surpreendente é o de Maradona. Na cidade, nos bairros populares, estão os seus painéis gigantes vestido de bispo. Evidentemente, estamos falando da santificação popular de um viciado em cocaína. Mesmo assim, Maradona fez com que o Napoli ganhasse dois campeonatos italianos. Para entender algo daquilo que acontece, deveríamos experimentar a alegria que Maradona deu a essas pessoas.
Depois, deveríamos mergulhar no clima das grandes procissões com os santos. Quando eu era pároco nos Quartieri Spagnoli, durante 16 anos eu vi condenados se revezando debaixo do peso das estátuas, na multidão, por horas e horas: não havia nenhum desses carregadores que não fosse um criminoso. Sempre foi assim. Quem pode mudar essas coisas, especialmente da noite para o dia? O outro exemplo que eu posso dar é o das ações católicas operárias: são lindas siglas que escondem a gestão dos jogos de azar. Também me propuseram abrir uma na paróquia. Para muitos, não haveria nada de errado nisso. Obviamente, eu não quis nem saber. Mas não foi fácil escapar.
Alguma coisa vai mudar?
Essa é a triste realidade. Mas é com essa realidade que eu tenho que me deparar todos os dias. “O maior erro é não fazer nada por estar convencido de que se faz muito pouco”, como escreveu Raymond Burke, ou seja: “Para que o mal triunfe, é suficiente que os bons não façam nada”. Na verdade, da noite para o dia, não é possível mudar essas coisas. Por isso, não fazer nada, para mim, é pecar. Eu conto com as pequenas coisas que eu posso fazer e que todos juntos podemos fazer aqui em Forcella, em Nápoles, e não só: juntos podemos determinar uma lenta mas autêntica mudança. Citando o Papa Francisco, gosto de dizer que “ninguém se salva sozinho”, mas gosto de acrescentar também que ninguém pode salvar todos os outros sozinho.
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Nápoles: uma cidade e seu pastor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU