18 Janeiro 2021
As rejeições dos refugiados continuam, novas denúncias, inclusive contra a Frontex. As "deportações" forçadas em condições climáticas extremas na mira de uma investigação da UE.
A reportagem é de Nello Scavo, publicada por Avvenire, 17-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
O muro de neve e arame farpado que fez das rejeições a cartão de visita do Velho Continente começa a ter que acertar as contas com os tribunais. E a Frontex também está na mira. Os escritórios do diretor da agência de fronteira da UE foram revistados por ordem do Olaf, o serviço antifraude de Bruxelas. O motivo é sempre o mesmo: a caça aos migrantes e as deportações forçadas para fora da União Europeia.
Enquanto isso, sapatos, cobertores, barracas e detergentes são distribuídos nos campos da Bósnia. Mas não há água quente e só sobra descer até o rio e tentar enxaguar-se entre os riachos congelados. E enquanto a geada mortifica os passos dos migrantes presos ao longo da rota dos Bálcãs, pronunciamentos vêm dos tribunais que colocam em embaraço os países.
Rota dos Balcãs (Foto: Anglo Resolve | Fonte: Europol)
Em Ljubljana, o tribunal administrativo condenou o acordo de readmissão entre a Eslovênia e a Croácia, onde são levadas de volta as pessoas, incluindo os requerentes de asilo, interceptadas pelas autoridades policiais do país. Para o juiz, trata-se de expulsões coletivas ilegais, principalmente quando o estrangeiro expressa a intenção de requerer proteção internacional.
A organização humanitária "Infokolpa", que promoveu a iniciativa legal, afirma que "só no ano passado, mais de 10 mil pessoas foram mandadas de volta". Nos primeiros seis meses de 2019, o Ministro do Interior da Eslovênia informou que havia transferido 3.459 estrangeiros para a Croácia amparado pelos acordos de readmissão existentes. Mas não existem dados confiáveis e recentes.
Talvez pressagiando os veredictos da magistratura, Ljubljana está correndo aos reparos, acelerando a construção de uma barreira de metal que bloqueará várias passagens, por um total de 40 quilômetros. Em outubro, foi um juiz croata de Karlovac que absolveu meia dúzia de requerentes de asilo afegãos entrados ilegalmente no país. Apesar do pronunciamento, o grupo desapareceu da Croácia para reaparecer alguns dias depois na Bósnia, em condições bastante ruins, também acompanhados de volta pela fronteira pela polícia.
Entre janeiro de 2019 e janeiro de 2021, os voluntários do “Monitoramento da Violência na Fronteira” coletaram testemunhos de 4.340 pessoas rejeitadas na Bósnia, 845 das quais com uso de armas para intimidação e pressão. Frequentemente, denunciam as organizações humanitárias e médicos em campos de refugiados, unidades caninas também são usadas e, não raramente, os ferimentos sofridos por migrantes rejeitados são compatíveis com mordidas de cachorro.
As operações de afastamento são muitas vezes realizadas com o pleno conhecimento da Frontex, a agência da UE para a proteção das fronteiras externas. O Organismo Europeu de Luta Antifraude (Olaf) abriu um inquérito administrativo e no dia 7 de dezembro, soube-se ontem, e os inspetores de Bruxelas também revistaram o gabinete do diretor Fabrice Leggeri e do seu vice. "O Olaf pode confirmar que iniciou uma investigação sobre a Frontex. No entanto, uma vez que está em curso uma investigação, não pode emitir maiores comentários. Isto - lê-se uma nota - para proteger a confidencialidade das investigações em curso e de eventuais procedimentos judiciais subsequentes”.
A investigação começou após várias reclamações sobre rejeições realizadas na Grécia, tanto na fronteira terrestre quanto no Mar Egeu em direção à Turquia, que também contou com o envolvimento de funcionários da UE. O crescente poder da agência e de seu diretor há muito é motivo de preocupação política. Os recursos comunitários atribuídos à Frontex aumentaram de 6,3 milhões de euros em 2005 para 333 milhões de euros em 2019 e podem ultrapassar meio mil milhões nos próximos anos. Além disso, pelo menos dois procuradores italianos estão investigando o comportamento da Frontex, tendo obtido documentos relativos a alguns massacres de migrantes no Estreito da Sicília.
Ontem, para reforçar as acusações, foi divulgado o dossiê da "Rivolti ai Balcani", rede de organizações italianas que monitora o que está acontecendo nas fronteiras do país. Os pesquisadores usaram entre as referências o dossiê sobre a imigração da Migrantes, a entidade pastoral da Conferência Episcopal Italiana segundo o qual, devido aos "processos de terceirização, a Europa unida encontrou uma maneira, de alto custo, de transferir o problema dos migrantes para as costas dos países que – cita o relatório – encontram-se em difíceis transições democráticas, acreditando assim que podem esconder a poeira debaixo do tapete”.
De 1º de janeiro a 15 de novembro de 2020, observa “Rivolti ai Balcani”, a Itália “readmitiu” 1.240 pessoas na Eslovênia, por sua vez mandadas de volta em cadeia até o território bósnio: “São números impressionantes, especialmente se comparados com o que aconteceu no mesmo período de 2019, quando fora ‘apenas’ 237 (significa mais de 423%)”. Os números fornecidos pelos estados, porém, não são verificáveis. Não é emitido nenhum tipo de documentos aos migrantes rejeitados e, nos raros casos em que isso acontece, não são encontrados muitos vestígios nos países de onde foram expulsos.
Portanto, as discrepâncias estatísticas são um dado efetivo. Os números, entretanto, são seres humanos. De acordo com o Conselho de refugiados dinamarquês, “mais de 1.100 homens, mulheres e crianças relataram ter sido enviados de volta da Croácia para a Bósnia e Herzegovina apenas no mês de novembro de 2020”. Números que indicam como “as rejeições continuam a ser sistematicamente utilizadas como instrumento de gestão das fronteiras, apesar de serem ilegais”.
Em 24 de julho de 2020, o Ministério do Interior italiano, respondendo a uma interpelação urgente do radical Riccardo Magi, confirmou que as readmissões são aplicadas "mesmo que a intenção de buscar proteção internacional seja expressa", lembra "Rivolti ai Balcani". Em 8 de setembro de 2020, o Ministério do Interior também anunciou que "desde o início de 2020, 3.059 pessoas chegaram à Itália pela rota dos Bálcãs e 852 pessoas foram readmitidas na Eslovênia, das quais 500 somente durante o período de verão. De acordo com as declarações fornecidas pelo próprio Ministério do Interior italiano, essas readmissões são feitas também contra aqueles que manifestaram o desejo de buscar proteção internacional”.
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Bálcãs, continua a gélida vergonha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU