08 Setembro 2020
A celebração do Dia da Amazônia tem sido momento para refletir sobre o cuidado de um dos patrimônios mais valiosos da humanidade: a Amazônia. Os jesuítas da Preferência Apostólica Amazônia organizaram neste 5 de setembro um webinar com o tema: “Amazônia como dom de Deus para o mundo – Desafios e Perspectivas”. O evento contou com a participação dos jesuítas Adelson Araujo dos Santos, Vanildo Pereira, Alfredo Ferro e Roberto Jaramillo. Também se fez presente com uma mensagem em vídeo o Padre Geral da Companhia de Jesus, Arturo Sosa.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Segundo o Padre Arturo Sosa, "a Amazônia é um dos mais valiosos patrimônios da humanidade, a Amazônia é um bioma fundamental para o equilíbrio ambiental e climático do planeta". O Dia da Amazônia visa "conscientizar sobre a importância deste bioma e da biodiversidade que ele contém", segundo o Padre Geral da Companhia de Jesus, que denuncia que "a Amazônia é constantemente ameaçada por inúmeras atividades predatórias, que afetam o habitat da fauna e da flora, mas sobretudo afetam diretamente os muitos povos originários e suas culturas". Em sua opinião, "a história sociopolítica da região, as causas persistentes da desigualdade social, a exploração da natureza, são um desafio no processo de evangelização".
Diante desta realidade, o Padre Sosa insiste na necessidade de "sensibilizar a sociedade para mudar a visão predatória da Amazônia, que vem de enormes interesses econômicos nacionais e internacionais". Como contraponto, ele diz que "queremos promover a visão do bem viver, que procura fortalecer a cultura do cuidado com a natureza, incluindo toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral". Além disso, ele defende "a abertura ao diálogo com todos sobre o cuidado de nossa casa comum", afirmando que "é urgente renovar e aprofundar o diálogo sobre como estamos construindo o futuro do planeta, o que vamos deixar para esta e outras gerações".
Celebração do Dia da Amazônia (Foto: Luis Miguel Modino)
O padre geral dos jesuítas afirma que "não há nenhum desafio ambiental separado do contexto social injusto em que se desenvolve a vida da maioria. Pensar no meio ambiente é pensar no sofrimento dos empobrecidos e excluídos, daqueles que choram do ventre da Terra, como os indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos, os assentados e os que vivem nas periferias da nossa grande Amazônia". Em suas palavras ele lembrou que "o Papa Francisco tem chamado toda a Igreja de Jesus Cristo a colaborar, a ser um instrumento de Deus no cuidado da Criação, baseado nas experiências, iniciativas e capacidades de cada homem e mulher para superar a crise sócio-ambiental".
O padre Sosa destaca a importância da Laudato Sí, do Sínodo da Amazônia e da Amazônia Querida, que "nos chama a passar da cultura do descarte e de uma visão antropocêntrica, para uma ação contemplativa, de reconhecimento, defesa e proteção da Amazônia como um dom de Deus ao mundo". A preferência pela Amazônia é vista pelo geral da Companhia como "uma missão estratégica da Província do Brasil em seu compromisso de cuidar da casa comum", considerando-a como um serviço itinerante "que nasce da convicção de nossa fé, de nossa espiritualidade inaciana, do modo de ser uma Igreja inculturada, ecumênica, em diálogo com outras religiões e que assume a vocação de guardiães da criação nestas terras amazônicas".
A Amazônia é um lugar teológico, segundo Adelson Araujo dos Santos, algo que aparece em Querida Amazônia, 57, que apresenta a realidade amazônica como epifania de Deus, como lugar onde Deus se manifesta. Esse rosto amazônico de Deus se faz presente na Criação, na biodiversidade da natureza, segundo o professor da Universidade Gregoriana. Também aparece nos povos amazônicos, nas diferentes culturas, etnias, tradições e costumes, assim como nas espiritualidades e ritos religiosos amazônicos, e nos crucificados de hoje na Amazônia.
Celebração do Dia da Amazônia (Foto: Luis Miguel Modino)
Seguindo o método ver, julgar, agir, Adelson Araujo dos Santos se pergunta como está sendo tratado este rosto de Deus na Amazônia, afirmando que estamos diante de um rosto desfigurado, que nos remete ao Servo Sofrente do profeta Isaías, diante de uma Criação que geme no grito dos pobres e no grito da Terra. A preocupação pela Amazônia já estava presente em São Paulo VI, que afirmou que “Cristo aponta para a Amazônia”, algo que foi aprofundado pelo Papa Francisco em Laudato Si e o Sínodo para a Amazônia, com o Documento Final do Sínodo e Querida Amazônia, mostrando uma continuidade no Magistério pontifício.
Diante disso, somos chamados a uma grande conversão, que na Laudato Si se concretiza em uma conversão ecológica. O Documento Final do Sínodo nos diz que essa conversão deve ser integral, e na Querida Amazônia, que “o Papa Francisco vê como ressonâncias do Sínodo”, se faz um chamado a uma conversão interior, através do sonho social, cultural, ecológico e eclesial, que “não são sonhos românticos, ingênuos, são sonhos muito concretos”, segundo o jesuíta. Tudo isso nos chama a uma mudança de paradigma, de estilo de vida, a transformações estruturais, sistemáticas, sociais, políticas, econômicas. A exortação pós-sinodal, no número 15, faz um chamado a nos indignar, segundo o professor da Gregoriana, pois “não é salutar habituarmo-nos ao mal; faz-nos mal permitir que nos anestesiem a consciência social, enquanto um rastro de delapidação, inclusive de morte, por toda a nossa região, (…) coloca em perigo a vida de milhões de pessoas”.
A Preferência Apostólica Amazônia – PAAM abrange quatro Núcleos Apostólicos da Província dos Jesuítas do Brasil (Amazônia, Roraima, Acre/Porto Velho, Pará) e possui, segundo Vanildo Pereira, uma grande diversidade de frentes apostólicas com os povos da Amazônia, o trabalho com crianças e adolescente em situação de vulnerabilidade, o serviço na pastoral paroquial, a formação de jovens e adultos na espiritualidade inaciana, a formação no campo teológico, socioambiental, a defesa de direitos dos migrantes e refugiados. Dentre essas atividades, a atenção especial será dada à Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM, e ao Serviço Jesuíta Pan-Amazônico – SJPAM, sempre dentro do chamado a “evangelizar as populações amazônicas, fazendo com elas mesmas sejam protagonistas do cuidado desse dom de Deus para o mundo”.
Vanildo Pereira, sj (Foto: Luis Miguel Modino)
O Superior do Núcleo Apostólico Amazônia colocava como desafios articular iniciativas semelhantes; fortalecer os processos de resistência das populações; conscientizar a sociedade sobre a problemática amazônica; integrar-se a uma rede de comunicação Pan-Amazônica e à missão indígena, vinculada ao Conselho Indigenista Missionário - CIMI.
Junto com isso abordava algumas perspectivas, que devem procurar o diálogo inter-religioso e a inculturação da fé e missão na Amazônia; uma clara opção socioambiental em defesa dos povos e das comunidades tradicionais e o cuidado com a “Mãe Terra”; facilitar e agilizar a vida missionária e a eficácia da missão; uma atitude de despojamento para ir aos lugares onde os outros não podem ou não querem ir; trabalho em comum com os bispos, religiosos/as e leigos/as; defesa de políticas públicas justas, que favoreçam os empobrecidos e marginalizados.
A Igreja da Amazônia tem acompanhado e assistido as comunidades neste tempo de pandemia, segundo Alfredo Ferro, sendo “uma Igreja samaritana”, que tem contribuído na formação das comunidades para o cuidado neste contexto do COVID-19 e tem valorado a sabedoria e os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas. O coordenador do SJPAM relatava o trabalho desenvolvido pela REPAM e as alianças com o Fórum Social Pan-Amazônico e a Assembleia Mundial da Amazônia.
O Padre Ferro também falava de desafios e perspectivas. Isso deve levar a estar atentos ao que acontece nos nossos contextos amazônicos fazendo uma leitura crítica e construtiva para visibilizar e denunciar a violação dos direitos humanos, ser uma Igreja profética; cuidar dos povos e da casa comum; não desfalecer diante das dificuldades; aprofundar os resultados do Sínodo e assumir compromissos concretos; criar redes de comunicação desde os territórios; se perguntar o que significa a conversão pastoral, eclesial, cultural, ecológica e sinodal; construir conjuntamente a Conferência Eclesial da Amazônia.
Padre Arturo Sosa, sj (Foto: Luis Miguel Modino)
No campo das perspectivas, o jesuíta colombiano vê a necessidade de ter os pés no chão, nas raízes e nos territórios, ser a ponte para visibilizar realidades e problemáticas e incidir politicamente; continuar a escuta e exigir dos estados o respeito pelos direitos; entender que não podemos voltar à “normalidade”, que temos que ser uma Igreja em saída, que escuta e acompanha os povos e a casa comum e constrói alternativas com outros; impulsar e acompanhar a reflexão sobre uma outra economia, na perspectiva da autonomia dos povos e do bem viver.
Em nível latino-americano e caribenho, os jesuítas são chamados a enfrentar quatro desafios, segundo o Padre Roberto Jaramillo, que os vê como “uma repetição inaciana daquilo que precisamos alimentar cada dia mais forte para que a gente possa se contagiar com isso”. O primeiro elemento é a conversão, “fazemos parte de Igrejas feitas por homens e mulheres frágeis, autossuficientes, orgulhosos, egoístas”. Para isso, os jesuítas têm os Exercícios, que “têm a ver com um vida atenta à vontade de Deus”, insistindo em promover a conversa espiritual, algo que os jesuítas são chamados a recuperar, procurando se colocar em uma atitude de escuta, de discernimento e de seguimento.
Um segundo elemento, segundo o Presidente dos Provinciais da América Latina e Caribe – CPAL, deve conduzir a fomentar a cercania aos pobres, aos vulneráveis, a fazer caminho com as juventudes, em chave de esperança, de construção de um mundo melhor, e colaborar com aqueles que estão cuidando da casa comum. Junto com isso, um terceiro desafio em toda América Latina para os jesuítas é consolidar o trabalho em rede, ao interior e o exterior da CPAL e da Igreja, assumindo que “o nosso vale tanto ou mais do que o meu”. Nesse sentido, o trabalho em rede não é algo a mais, e sim o modo de trabalhar, para construir alianças cada vez mais abertas.
Padre Roberto Jaramillo, sj (Foto: Luis Miguel Modino)
Para isso, segundo o padre Jaramillo, se precisa humildade, “a Companhia de Jesus está muito acostumada a mostrar resultados, a se vangloriar de suas ações históricas, mais históricas do que atuais, e precisamos ser humildes e aprender dos outros, a caminhar colaborando com outros, não só que colaborem conosco”. Nesse caminho, o presidente da CEPAL afirma que a REPAM nos ofereceu uma oportunidade ímpar. Se faz necessário assumir que na Amazônia somos minoria, o que deve ser uma oportunidade para se abrir à ministerialidade na Igreja e na sociedade. Por isso, a Companhia de Jesus deve ter “a ousadia de promover, apoiar e aprofundar a renovação da múltipla ministerialidade da Igreja na Amazônia”.
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“Ser guardiães da criação nestas terras amazônicas”, uma missão estratégica para os jesuítas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU