16 Julho 2020
O diálogo entre os diferentes atores sempre foi um elemento fundamental na construção dos caminhos futuros. Esta dinâmica é decisiva no momento atual, pois desta forma poderemos estabelecer "espaços de aprendizagem que nos conduzirão a um ambiente de diálogo na gestão das políticas públicas", como afirmou Luis Liberman no terceiro encontro virtual do Fórum "Do Direito à Água ao Direito à Esperança", organizado pelo Instituto para o Diálogo e a Cultura do Encontro e pela Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
O tema do encontro realizada em 15 de julho foi: "Após a pandemia, desafios para o Estado: governança, regulamentação e políticas públicas". Entre os palestrantes estavam representantes de instituições públicas, do mundo acadêmico, de organizações indígenas e da própria Igreja Católica. Juntos eles têm avançado em um diálogo que pode ajudar a entender que "o desenvolvimento só pode ser concebido para todos e de forma transgeracional", como disse Liberman, que como em outros encontros tem liderado o debate junto com Gabriela Sacco.
(Foto: Luis Miguel Modino)
Representando a REPAM, seu secretário executivo, ele partiu da ideia de que "a política pública deve partir do envolvimento da realidade, de um caminho de conversão que nos ajude a transformar". Nesta perspectiva, Mauricio López destaca a importância destes encontros virtuais como um espaço para construir pontes e tecer caminhos juntos. Não podemos esquecer que "a política pública é a mais alta expressão de caridade e compromisso", o que significa que a Igreja não pode ficar à margem da dor dos outros.
Laudato Si' deveria nos levar a refletir sobre alguns dos elementos presentes nela, como o drama do imediatismo, esquecendo que o tempo é superior ao espaço, a necessidade de gerar processos, mais que gerar espaços de poder, elementos em que Mauricio López insistiu. Neste sentido, ele considera a encíclica do Papa Francisco como uma "cátedra de discernimento político, especialmente aplicável neste tempo de pandemia, um espaço que nos leva a não fugir da situação e a partir daí delinear uma visão humanista com uma perspectiva de longo prazo". Nesta reflexão, o secretário executivo da REPAM sublinha a importância decisiva da presença dos povos originários, que podem nos dar chaves para a transformação.
Diante de algumas acusações que às vezes são feitas, Mauricio Lopez insistiu que a Igreja não é contra o desenvolvimento, mas que as leis nacionais e internacionais sejam respeitadas, que a política esteja a serviço da vida. Neste sentido, na Amazônia, muitos grandes projetos que são vendidos como limpos não têm realmente esta condição, pois afetam decisivamente o modo de vida do povo. Por esta razão, é necessário conciliar o direito ao desenvolvimento com os direitos sociais e culturais, uma ideia defendida pelo Papa Francisco, que deve ser traduzida no respeito ao território, à identidade cultural e à consulta prévia.
Isto é algo em que a Igreja, que assume e pede perdão por erros, participa há muitos anos, através de mulheres e homens que se encarnaram e deram suas vidas pelo território. É uma Igreja que acorda, denuncia, que faz parte dos processos de participação política. Neste sentido, podemos dizer, segundo Maurício, que o Papa Francisco é a conseqüência de um caminho histórico que vem do Concílio Vaticano II, gestabelecido no trabalho de denúncia e formação, que mais uma vez destaca a necessidade de uma consciência de fragilidade e finitude, a necessidade de conexão.
Do ponto de vista institucional, Benedito Braga, presidente da Sabesp, empresa que administra água em São Paulo, partiu do fato de que, em Laudato Si', o Papa Francisco nos leva a nos preocuparmos com o cuidado com a água e o meio ambiente. Na situação atual, "esta pandemia tem destacado a conexão entre água, saneamento e saúde pública", segundo Braga, que ressalta a importância de ter água segura para a higiene, que antes da vacina é o caminho a seguir para resolver esta situação. Ele destaca a necessidade de construir resiliência ao risco, através do desenvolvimento de instituições, infra-estrutura e informação.
Desde sua gestão no Ente Nacional de Obras Hídricas de Saneamento, Enrique Cresto reconheceu que milhões de argentinos têm problemas de acesso à água e ao saneamento. Isto exige um trabalho conjunto entre as diferentes instituições, federais, provinciais e municipais, assim como agendas com organizações internacionais. Na verdade, o problema da água é uma pandemia silenciosa que causa milhões de mortes a cada ano, na opinião de Cresto, o que exige a urgência de entender a questão da água como um assunto prioritário dentro das agendas dos líderes e daqueles que elaboram orçamentos. Além disso, um esforço deve ser feito para expandir o acesso à água potável.
(Foto: Luis Miguel Modino)
A atual pandemia provocou a necessidade das instituições darem às pessoas as condições de tranqüilidade para poderem estar em casa neste momento de pandemia, entre elas o acesso à água, uma reflexão realizada por Santiago Ochoa, vice-presidente de água e saneamento da EPM, em Medellín, Colômbia. Em muitas cidades, a falta de acesso à água é algo que sempre esteve presente, ao qual nos acostumamos, gerando o que ele chama de estresse hídrico, motivado pelo crescimento populacional e concentração no setor urbano, causando um desequilíbrio entre onde a água é gerada e onde ela é demandada, o que requer a definição de estratégias para harmonizar a oferta e a demanda, buscando como preservar as fontes de água e entregar água de qualidade.
Em referência à água, Santiago Ochoa vê a necessidade de aumentar a consciência de sua importância entre os usuários de forma holística. Na verdade, o valor da água foi perdido, algo que foi descoberto nesta pandemia. Isto exige alguns desafios, tais como continuar inovando nos meios de acesso à água, manter a qualidade do serviço do que já construímos e evitar a falência de empresas do setor. Nesta reflexão sobre a água, José Luis Gil, ex-ministro do Meio Ambiente do Governo de Cantábria, na Espanha, defendeu a necessidade de promover uma nova governança da água adaptada às diferentes realidades. Ele defende a necessidade de uma relação ambiental estratégica, assim como uma diretriz-quadro da água, que busca o bom estado ecológico das águas. Na verdade, a importância da água é tal que nenhum elemento como a água pode ser uma ferramenta tão propícia para o avanço do diálogo, mesmo entre países que estão ou estiveram em guerras recentes.
Os povos originários da Amazônia estão vivendo o momento atual com muita dor e luto pelo contágio e mortes causadas pelo coronavírus, segundo José Gregorio Díaz Mirabal. Em uma região onde "nós povos indígenas somos muito poucos e estamos a caminho de arriscar o etnocídio", o coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica - COICA, diz viver sentimentos de dor, raiva, impotência, mas também esperança e resistência pela vida. O líder indígena diz sentir muita tristeza, porque "neste momento a humanidade continua a perder a consciência, não quer acordar, estamos perdendo a batalha pela defesa da água, da natureza".
Gregorio Díaz Mirabal. (Foto: Luis Miguel Modino)
Os povos indígenas, enfatiza Díaz Mirabal, "há 50 anos que dizemos a mesma coisa, nossa cosmovisão da vida, que tudo está conectado, que a água tem espírito, vida, fala", insistindo que a água tem um espírito curativo e que sua visão da água é muito diferente da visão do desenvolvimento. Em meio a uma crise mundial moral e política, onde há extrema pobreza, com muitos excluídos e poucos privilegiados, o coordenador da COICA denuncia "a crise estrutural de nossos governos, a falta de vontade política para enfrentar a pandemia da falta de saúde, educação, de um diálogo construtivo, de falta de ações concretas além de projetos e consultorias que não funcionam, porque foram feitas sem consulta prévia". Além disso, ele denuncia a corrupção em todos os sistemas governamentais, a falta de cumprimento das leis, nacionais e internacionais, especialmente aquelas que beneficiam os povos indígenas.
Com base na ideia de que a água tem vida, Diaz Mirabal pergunta "por que nossa visão não pode ser incorporada que supere a visão da água como mercadoria?", garantindo o acesso à água para todos os povos, ao contrário do sistema atual que beneficia as atividades econômicas. O líder indígena insiste que "não queremos um retorno à normalidade que está destruindo nossa casa e nos colocando em perigo de extinção", afirmando que "eles não nos entendem, eles não querem saber sobre nossa visão de mundo". Isto exige "um equilíbrio entre o que pensamos e o que os governos querem para seus povos", propondo "um diálogo transparente, que gere uma proposta de salvação para a Amazônia, que respeite nossa visão de mundo, nossa casa e nosso espírito".
A reflexão do mundo acadêmico, neste caso de Diane Desierto, da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, parte da ideia de que "os governos locais têm que assumir regulamentos", listando alguns problemas quando se trata de concretizar o direito humano à água, entre eles a participação e a transparência na tomada de decisões. Estamos diante de uma realidade, ainda mais visível neste tempo de pandemia, em que o direito humano à água é limitado. Sendo uma obrigação do Estado, Diane Desierto se pergunta porque isto não está sendo implementado, o que a leva a questionar onde se encaixa o direito humano à água, e a pensar sobre como projetamos políticas públicas que se referem ao direito à água.
No mesmo campo acadêmico, Danya Tavela refletiu sobre a pandemia como um dos primeiros eventos universais nos quais os seres humanos enfrentam um inimigo comum. Entretanto, existe uma falta de coordenação em nível global, uma vez que a OMS não tem capacidade de tomar decisões, segundo a vice-reitora da Universidade Nacional do Noroeste da Província de Buenos Aires. Como um caminho a seguir, ela insiste na necessidade de cooperação baseada no diálogo e na construção de uma casa comum, especialmente quando se pensa em como ajudar as classes mais desfavorecidas. Em sua opinião, a situação de pobreza e vulnerabilidade que vai marcar o futuro, exige uma construção coletiva que dê paz social, uma atitude de solidariedade diante do abismo que se segue.
Os seres humanos têm uma grande capacidade de adaptação, que Danya Tavela vê como um risco que nos impede de compreender a magnitude da mudança que vamos enfrentar. Ela defende a necessidade de uma mudança nos hábitos e costumes, algo que não é possível para alguns grupos, que não têm o direito de acesso aos recursos universais. É por isso que, em vista das fortes mudanças que estão chegando, ela vê a necessidade de espaços de reflexão e diálogo que permitam níveis de consenso que nos permitam avançar. Uma nova ordem mais inclusiva é exigida, uma confluência de líderes de diferentes setores sobre como gerar os recursos necessários de uma maneira diferente, um mundo mais igual, políticas distributivas, o que requer acordos políticos e sociais.
(Foto: Luis Miguel Modino)
Para conseguir isso, a vice-reitora da UNNOBA exige inteligência coletiva para não cometer erros que consolidam situações pré-existentes. Isto será conseguido com um enorme desafio de construir uma sociedade mais cooperativa, onde as conseqüências do vírus aumentarão as dificuldades. É por isso que ela vê a necessidade de líderes que nos unificarão, uma hierarquia na qual ela coloca o Papa Francisco, que nos levará a respeitar a casa de todos e a cuidar uns dos outros. Sempre na dinâmica de construir mais diálogo como um caminho para a casa comum, em comunhão com aqueles que mais precisam de nós.
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“Não queremos um retorno à normalidade que está destruindo nossa casa e nos colocando em perigo de extinção”, afirma Gregorio Díaz Mirabal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU