13 Junho 2020
À Renascença, o Cardeal Tolentino de Mendonça fala sobre o mundo pós-pandemia e a necessidade de uma nova reflexão. Garante que não estamos assistindo uma simples “mudança de tempo”, mas antes a uma “mudança de época”. O presidente da comissão das cerimônias do 10 de Junho deixa um pedido aos políticos: façam uma política de causas, “a eutanásia será uma derrota civilizacional para todos nós”.
A entrevista é de Graça Franco, publicada por Renascença, 11-06-2020.
D. José Tolentino de Mendonça, desde que foi convidado para presidir ao “10 de Junho”, que caminho percorreu – das primeiras ideias até este momento, com uma pandemia pelo meio e o regresso à crise econômica social?
É uma boa pergunta. O que acontece conosco e nos encontrou despreparados é uma metáfora estupenda do que é a vida. E a vida é esse rio que corre e não a previsibilidade absoluta que tantas vezes nos ocorre. É a surpresa e que leva a nos perguntar qual a palavra que hoje deve ser dita.
Eu confesso que primeiro tinha pensado no meu discurso como um elogio à língua portuguesa. E durante muitos meses trabalhei nesse sentido. E foi excelente. Li coisas extraordinárias. Aproveitei muito o meu lugar de bibliotecário, na biblioteca apostólica, para encontrar algumas pérolas. Com esta pandemia pensei que era impossível passar ao lado do que nos aconteceu e ainda acontece, porque as implicações continuam. Há muito a pensar e muito a refletir. Decidi que o discurso podia ser, também, uma contribuição para essa reflexão.
No discurso do ‘10 de Junho’ citou Simone Weil. Disse que há duas formas de amar um país: amar pela força e amar pela fragilidade. Deixa implícito que o ama pela fragilidade. Que fragilidade absoluta é essa?
É interessante o texto de Simone Weil porque ela o escreveu como uma espécie de meditação sobre o renascimento da Europa, após a segunda Guerra Mundial. De fato, nós podemos amar um país porque o mitificamos. Porque achamos que ele é incólume. Mas num amor adulto, também podemos amar um país exatamente porque tudo o afeta. Porque ele precisa ser cuidado. Porque nesse país temos todos de ser responsáveis e corresponsáveis. Não nos basta apenas perguntar o que pode o país fazer por nós, mas sobretudo perguntar o que cada um de nós pode fazer por Portugal. E esta é uma hora propícia para redescobrirmos o que é esse Portugal, que não é um super-país (porque não há super-países, como não há super-heróis), mas é um país que expressa uma comunidade capaz de levar adiante os próprios sonhos, missões e desejos.
Mas é possível amar um país que não sabe por onde vai?
Eu não diria que não sabemos por onde vamos. Estamos juntos há quase nove séculos e fizemos tantas jornadas. Olhando para a História de Portugal não penso que seja um ziguezague. Há uma ideia que todos partilhamos, há uma série de coisas que ainda hoje continuam a ser a nossa bússola e claramente eu sinto que somos alguma coisa…
Mas no seu discurso diz que precisamos saber para onde queremos ir. Claramente está nos dizendo que esse rumo não é claro.
Este é um momento de interrogação. O Papa Francisco diz muitas vezes que nós não vivemos apenas um tempo com mudanças. Nem podemos olhar para a pandemia como mais uma mudança que nos aconteceu. Não. É uma mudança de tempo. Nós estamos numa mudança de época. É importante que pensemos como comunidade: de onde viemos, o que somos, e para onde queremos ir. Porque as decisões éticas nos planos econômico, cultural e humano, não podem ser consequências das circunstâncias. Temos de ser nós a dizer: queremos ir por aqui. Por isso parece-me muito importante aproveitar todas as oportunidades para fazermos uma reflexão coletiva, para saber por onde gostaríamos de ir.
Por onde gostaria que fôssemos?
Eu gostaria de um Portugal que se autocompreendesse hoje como uma comunidade de homens e mulheres livres, capazes de construir uma sociedade equilibrada. Uma sociedade com uma grande coesão social. Porque me preocupa muito, e penso que preocupa a todos, a questão da coesão social. Porque vemos a situação do desemprego, a situação dos idosos e, mais do que nunca, esta hora tem de ser uma hora de grande coesão em que não podemos deixar ninguém para trás.
E acha que existe esse risco?
Existe absolutamente. Nas nossas sociedades, hoje, pode-se ficar para trás por muitas razões: pode-se ficar para trás porque a sociedade muitas vezes se organiza em várias faixas etárias. Pode-se ficar para trás simplesmente porque se entrou numa dada faixa etária. Só por isso, pode-se ser olhado como improdutivo, como pouco útil, como de um tempo que já passou.
Nesse sentido é fácil ficar para trás. Como pode ficar para trás quem não pode pagar as suas contas e se pode deixar para trás os mais frágeis, os doentes. Ou se pode deixar para trás (e hoje são os novos pobres) os jovens adultos, abaixo dos 35 anos, porque vivem de trabalho informal, sem qualquer horizonte de futuro e sem poderem olhar a vida com a possibilidade de constituição de uma família. Sobre todos estes é hoje preciso um olhar muito especial.
Esses podemos dizer que já vão em botes. Já nem vão na barca. Como vai ser possível fazê-los subir de novo a bordo?
Essa ideia das múltiplas barcas é muito importante. Porque se é verdade que como humanidade estamos todos no mesmo barco, também é verdade que há muitas barcaças e não temos na verdade a mesma condição. Isso deve nos corresponsabilizar muito. No meu discurso do 10 de Junho trabalhei muito a ideia de comunidade e das raízes. Nós temos de nos redescobrir como comunidade. E comunidade quer dizer que a nossa história é esta relação, é este patrimônio que tem de ser algo em que nos revejamos. Sentir orgulho no que somos capazes de construir. E ao mesmo tempo saber que todos somos coprotagonistas.
Dê-nos um motivo de orgulho?
Um motivo de orgulho, muito concreto foi no início da pandemia, a decisão que se tomou de acolher os emigrantes que estavam com processos pendentes no SEF. Isso foi um sinal de civilização. Claro que integrar esses imigrantes é um processo muito mais complexo.
Nós vamos ao ritmo do sistema capitalista. Esse sistema vai deixando alguns para trás e tem um ritmo próprio e muito acelerado. O Papa tem pedido para repensarmos os nossos modelos. Acha que a reflexão está sendo feita ou, pelo contrário, estamos sofrendo as consequências deste ritmo?
Eu penso que esta pandemia constitui uma experiência que tem de nos fazer refletir. Sem dúvida terá um impacto muito maior do que aquele que hoje prevemos porque é verdadeiramente um acontecimento sistêmico. Abalou todo o sistema e tem reflexos muito importantes na forma de avaliar o que poderá ser a economia e a organização do consumo. Todos os elementos da sociedade capitalista terão de acolher os reflexos e apelos que chegam desta situação. Se nós formos capazes de integrar todos esses novos elementos então, como sociedade, damos um salto à frente.
No seu discurso do ‘10 de Junho’ pediu-nos que incorporemos no cotidiano as preocupações pela Justiça e pelo ambiente. A que coisas práticas se refere?
É uma cultura. Não se trata de uma decisão política ou até de um modelo econômico. É toda uma visão. No fundo, trata-se de aceitar ou não aceitar. Numa sociedade nós podemos aceitar a solidão, a exclusão, a desigualdade, como coisas normais ou até inevitáveis. Ou podemos não aceitar.
A mim interessa-me olhar o copo meio cheio. Interessa-me olhar o tanto que já hoje se faz. O esforço de muitos por viver de forma consciente nas pequenas decisões da vida doméstica. Na decisão dos carros, na questão do lixo, no que compramos ou não compramos. É uma microescala de decisões perante a realidade que, se é feita em consciência, muda. E muda por quê? Eu penso que do ponto de vista cristão nós percebemos que a mudança da realidade acontece no coração de cada homem. Nessa conversão.
Na Europa, encontra esse mesmo movimento de mudança de paradigma?
Não posso dizer que esse movimento não sopre. Não posso dizer que não esteja acontecendo. Não podemos apenas olhar para aquilo que ainda não há. Temos de olhar para as sementes. A esperança obriga-nos a olhar para as sementes, para os rebentos, para a primeira folha verde e perceber que é um movimento que se for acarinhado, se for valorizado, dará novos passos.
Eu penso que nenhum gesto de amor pode ser considerado inútil. Seria uma coisa horrível se pudéssemos pensar que hoje todos aqueles que estão se sacrificando pelos outros, que saíram de casa com a melhor das intenções e estão fazendo gestos de gratuidade, que pensam primeiro nos outros e só depois neles, se pudéssemos pensar que afinal tudo isso foi em vão e sem nenhum impacto... Não. O pequeno gesto de amor não pode ser considerado em vão.
O que mais o impressionou nesta pandemia?
Uma das coisas mais difíceis desta pandemia foi o fato de as pessoas adoecerem e os familiares nunca mais as acompanharem na hora da doença e da sua fragilidade. As pessoas morriam e os familiares continuavam sem poder estar presentes. Isto é de uma violência, enquanto sociedade, inimaginável. E esse luto tem de ser feito.
Mas há também um luto que não é apenas o luto da morte dos nossos semelhantes. É o luto das nossas ilusões. É o luto de certa ideia de progresso, de vida no mundo, de um mundo massificado que hoje precisamos fazer o luto. Isto é, precisamos perceber porque é que não podemos continuar determinados modelos, porque é que temos de encontrar novos formatos, novas formas de convivência, novas formas de relação e de estar no mundo. É uma espécie de luto porque implica o reconhecimento que as coisas já não serão como eram.
Mas no luto a sensação que temos é que precisamos sobreviver à perda. Não é o momento de conseguir imaginar coisas muito diferentes, para melhor.
Não. Os lutos sociais são a compreensão de que precisamos entrar noutra época da história. Faz-nos ultrapassar o esvaziamento. Neste momento, ao avaliarmos a pandemia só conseguimos ver os efeitos negativos. Temos de entrar num processo em que precisamos chorar juntos, metaforicamente. Precisamos passar por esta grande turbulência, o pós-pandemia, para depois percebermos o sentido que nos fez percorrer este caminho e que oportunidades surgiram, para a sociedade, enquanto fazíamos esta estrada.
O luto é um processo, o luto não é um automatismo. Eu não tenho dúvidas de que passada esta turbulência nós vamos ter de encontrar a concretização de outra esperança para o futuro.
Falamos do ‘10 de Junho’ e desta esperança que nos deixa. Mas não nos podemos esquecer que é cardeal. Ainda nos custa ver o padre Tolentino como “papabile”, podendo mesmo no próximo conclave se tornar Papa. Isso é uma coisa que já imaginou, que o assusta, ou em que prefere nem pensar?
Bom, o conclave não é esse lugar em que todos entram “papabiles”. Graças a Deus, nós temos um Papa.
Vida longa…
Vida longa, vida longa ao Papa Francisco. Eu penso que os cenários de um futuro conclave estão, sem dúvida, nos planos de Deus, mas estão muito longe das nossas expectativas e daquilo que lemos. E, depois, certamente a Igreja, e o conjunto de cardeais, com essa responsabilidade, saberão escolher a pessoa com as condições. Saberão escutar o Espírito Santo e perceber para onde Ele quer conduzir a Igreja, no tempo futuro. Mas o presente é de fato o deste Papa extraordinário, que congrega a todos, em torno da vivência forte e intensa do Evangelho.
O Papa Francisco, como todos os Papas, também tem sido criticado. Neste caso, a crítica parece quase um desafio, por vezes dentro da própria Igreja. Francisco passa, de mansinho, por essas críticas, como se isso não o preocupasse muito. Com a proximidade que tem do Papa, acha que essas vozes desafiantes não o preocupam mesmo, ou há qualquer coisa para acontecer e que nós não sabemos?
A diversidade de opiniões é um patrimônio, não é um problema. É uma coisa muito positiva numa realidade, tão vasta, tão polifônica como é a Igreja. Naturalmente, a diversidade de opiniões e de contextos é algo muito, muito, natural e deve assim ser olhada. Eu não tenho dúvidas de que o Papa Francisco é um dos Papas mais populares desta última série de grandes Papas que nós tivemos. E se nós olharmos para o que têm sido as votações dos sínodos, o que tem sido o acompanhamento das conferências episcopais, não percebemos que não haja uma grande unidade em torno ao Papa.
Quando se fala de um dissenso, nós temos de enquadrá-lo, como aquilo que é. São vozes, certamente importantes, que é preciso respeitar, mas que são, em termos de “representatividade”, um pequeno coeficiente de católicos. Porque, sem dúvida, a maioria da Igreja se revê na voz profética do Papa.
Qual diria que é a maior preocupação do Papa Francisco, diante do mundo e de tudo o que acontece na própria Igreja e para o qual nos pede oração?
A maior preocupação do Papa Francisco é nos ajudar a viver o Evangelho. Eu não tenho dúvidas: a maior preocupação é a preocupação de um homem religioso que percebe que é a partir de Deus que a nossa vida se resolve. A nossa vida se entende. E que Deus é uma fonte de Paz. Nós, lendo o pontificado do Papa Francisco percebemos como é relevante (certamente na linha dos seus antecessores) mostrar como a religião tem uma importância humana - que não pode ser descartada - e como as religiões são uma fonte de Paz. São uma fonte de Amor.
Todo o trabalho que o Papa Francisco vem fazendo, na linha da fraternidade com as outras religiões, o mundo islâmico, o mundo judaico e os não crentes. É uma categoria antiga, como o mundo, porque todos somos irmãos e a paternidade divina assim nos explica. Mas é uma categoria que hoje precisa ser, politicamente e existencialmente, descoberta. E aí a Igreja está jogando uma cartada muito importante.
O D. Tolentino sempre foi conhecido pela pastoral cultural para os não crentes, mas dizia ainda recentemente que o problema estava mais nos “crentes que não tinham sentido de pertença” e não se reviam na estrutura eclesial. Como é que se consegue recuperar esse sentido? Como fazê-los regressar a casa?
Quando avaliamos hoje o fenômeno religioso, percebemos que não estamos, verdadeiramente, perante uma crise de fé. A fé continua. Nós encontramos junto das pessoas, das comunidades, um sentimento muito forte de crença, de percepção de um sentido, da convicção acerca de Deus, do divino. O problema, muitas vezes, é a perda do sentimento de “pertença”. Porque ou falhou o acolhimento, ou existiu uma fissura qualquer, ou a pessoa, num determinado momento, se sentiu sozinha. Ou, e é uma responsabilidade de nós todos, estamos dentro de uma crise de transmissão e precisamos redescobrir novas formas de anunciar o evangelho. Uma nova forma pertinente que toque os corações. Eu penso que esse é o grande desafio para a Igreja: criar comunidades. Hoje nós não podemos ficar simplesmente em um consumo religioso.
E essas comunidades podem ser muito diferentes? Nós nos pautamos em certa homogeneização da prática religiosa…
Eu diria que as comunidades foram sempre diferentes no tempo. Veja por exemplo as ordens religiosas, os institutos religiosos (cada um com o seu carisma). Se olhar as paróquias, todas elas tão diferentes. São mais de uma paróquia, mas não há duas paróquias iguais. Penso que o mais importante é apostar no acolhimento, na hospitalidade. Dialogar com a fome de Deus que existe no coração humano. Colocar Deus no centro da nossa conversa. Fazer do Evangelho notícia. Isso é algo que deve nos entusiasmar, a todos nós cristãos, como atores de uma oportuna e necessária evangelização.
Perdemos muito tempo com “moralismos”?
É interessante. A fé é antes de tudo encontro. Nós olhamos para o Evangelho e Jesus primeiro encontrava. Não há encontro sem risco. Se eu não quero correr risco nenhum, eu nunca vou encontrar a pessoa como ela é. Jesus corria o risco de encontrar os pecadores, os excluídos, os doentes, os inconvenientes, e é na dinâmica do encontro que a conversão acontece. O moralismo o que é que faz? O moralismo coloca-se como pré-condição: se isto acontecer, então existe o encontro. Ora, o amor de Deus é um Amor incondicional. Não quer dizer que a conversão não seja necessária. É. Jesus diz à pecadora: vai e não voltes a pecar. Mas, a verdade é que primeiro a encontrou. Num encontro desarmado, verdadeiro, sincero. E é esse testemunho do amor de Deus que faz a diferença no coração do homem. Não tenho dúvida: o que nos salva é experiência do amor de Deus que nós possamos fazer.
Já descreveu a sua espiritualidade como um caminho de “infância espiritual” e acrescenta que há uma inocência, uma descoberta, um caminho que se percorre. Quando entrou na cúria não sentiu uma perda dessa inocência?
É importante desmistificar a cúria no sentido de que não passa de um grupo grande de trabalho que assiste as necessidades do Papa nos mais variados cargos. O testemunho que posso dar dos meus colegas é o de que são pessoas de trabalho, de dedicação à Igreja. Pessoas de oração e que estão verdadeiramente vivendo o seu sacerdócio como uma missão de entrega. Por isso não senti o fim da idade da inocência. Sinto-me, pelo contrário, numa vida adulta com tudo aquilo que é necessário enfrentar. Porque a vida é múltipla, a vida não tem apenas uma cor, tem muitas cores, muitos problemas. Quem tem experiência de Governo sabe que a maior parte do seu tempo é gerindo problemas, gerindo questões. Para isso está ali. Mas, isso é feito a partir do Evangelho.
Quando o Papa Bento XVI renunciou, ficamos todos com a ideia de que haveria uma grande reforma a ser feita e para a qual ele já não tinha forças. Uma reforma que Francisco herdou. Essa reforma, em curso, é um trabalho hercúleo ou está acabada?
Essa reforma está em curso. No sentido de que é uma questão de atitude. É a maneira como se vive o estar na cúria. Daí os discursos do Papa, mesmo aqueles que parecem mais instigadores, ou mais difíceis de engolir, são palavras importantes para desinstalar. Penso que é importante desinstalar. O Papa sente muito essa responsabilidade de fazer com que os seus colaboradores, mais próximos, vivam de uma forma muito desinstalada. E escutando a voz da Igreja no seu conjunto, sobretudo a voz daqueles que estão mais distantes.
Concretamente, não apenas se prevê para muito breve a publicação de um novo texto de organização da cúria, como já tem, nos últimos tempos, saído um conjunto de leis que ajudarão a encontrar novas formas de organização com maior transparência, com maior eficácia. A última lei que saiu, por exemplo, é uma lei sobre os contratos que os vários serviços da Santa Sé fazem com entidades externas para realizar a sua missão.
Para garantir transparência.
Transparência, mas também garantia de eficácia colaborativa daquela pequena máquina que dia a dia se mexe.
Que mensagem deixa aos católicos portugueses?
É uma mensagem de grande esperança. Portugal tem um lugar muito especial no coração da Igreja. Pela história de uma nação que soube ser pivô na abertura da Europa e que hoje pode desempenhar um papel também muito importante na renovação da Europa e isso é uma coisa para a qual Portugal é muito convocado. É um país mariano, que tem essa grande responsabilidade de nos focar na dimensão materna da própria fé. A minha palavra é a esperança: sejamos cristãos, católicos, empenhados verdadeiramente a viver o evangelho com aquela fantasia da caridade de que nos falava São João Paulo II.
E aos políticos portugueses? No discurso do ‘10 de Junho’ não deixou nenhum recado…
Sentir a política como a causa mais nobre. Fazer uma política de causas. Uma política que coloque no centro da sua ação a pessoa humana.
Estamos neste momento fazendo o possível e o impossível para salvar os mais velhos, ao mesmo tempo em que estamos legislando sobre a eutanásia. O que considera que ainda pode resultar desta pandemia sobre o valor de qualquer vida?
É um desafio inescusável esse de percebermos que toda a vida tem o mesmo valor. Nós não podemos dizer que a vida de um idoso, de um doente, de uma pessoa afetada por uma depressão profunda tem menos valor. E esse reconhecimento, de que toda a vida humana tem um valor infinito, até ao fim, deve ajudar-nos a perceber que as leis que fazemos devem ser leis que favoreçam a vida… e não…
E onde fica a liberdade?
A liberdade é viver. Saciar o coração de vida. Essa é a nossa liberdade. A liberdade de uma sociedade é privilegiar a vida. Empenhar-se em torná-la possível. Uma lei como a da Eutanásia é uma derrota civilizacional para todos nós.
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“Estamos numa mudança de época” e precisamos do “luto das nossas ilusões”. Entrevista com José Tolentino de Mendonça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU