14 Mai 2020
Silvia veste calça azul de abrigo, vestido floral escuro e moletom esportivo. Um par de Superga pretos nos pés e um hijab feito com uma pashmina vermelha, laranja e dourada ao redor da cabeça. Ela sobe os cinco degraus da casa e desaparece em direção ao elevador. Ao lado dela está sua mãe Francesca, que, como para protegê-la, coloca a mão nas costas quando abre a porta. Ela não sorri, nem tem tempo para isso. Também porque acabou de voltar de um interrogatório que durou quase uma hora e meia no quartel na via Lamarmora do Ros da polícia. Faltam apenas alguns minutos às 18h de um dia que ela tinha passado até então em casa, sem levantar as persianas. Com a família, com o pai, que vem visitá-la após o almoço, com as flores que são trazidas pelos floristas locais durante a manhã toda. Flores de amigos, colegas de escola e de viagem que, por respeito e pudor, não ousam quebrar a frágil serenidade de seu segundo dia de liberdade em Milão. Como Silvia Romano não está mais nas mãos dos sequestradores desde sábado, mas em seu retorno à Itália, teve que enfrentar outro teste igualmente difícil que ela, com seus 24 anos de idade e sonhos perdidos de garota, nunca imaginaria viver.
Silvia Romano (Foto: Leggilo.org)
A reportagem é de Elisabetta Andreis e Cesare Giuzzi, publicada por Corriere della Sera, 13-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Não aqui, pelo menos, em sua Milão. Onde hoje ela sai de casa para ir depor na polícia que investiga as ameaças de morte que, sem que ela soubesse, caíram sobre ela de toda a Itália. Sua "culpa" é a de ter se convertido, de ter descido a escada do avião com um jilbab, o traje islâmico tradicional das mulheres somalis, que agora se tornou quase o símbolo de alta traição para uma nação que salvou sua vida e pagou um resgate. É a mãe Francesca Fumagalli, quando no início da tarde desce para levar o cachorrinho aos jardins da Piazza Durante, que encerra com uma frase todas as polêmicas que explodiram nessas horas sobre a escolha religiosa de sua filha: “Como você querem que ela esteja? Tente enviar um vosso parente para lá por dois anos e quero ver se ele não se converte”, diz com um suspiro de exasperação. Pede para "usar o cérebro" diante das escolhas de vida de uma jovem que por 18 meses permanece nas mãos ferozes de sequestradores fundamentalistas de Al-Shabaab.
Silvia Romano (Foto: Sullastrada.org)
Silvia pede "tempo". Tempo para se "reencontrar" e também a sua liberdade: "Dê-me tempo para elaborar o que aconteceu nesses meses. Tempo para me reencontrar”, diz aos familiares. O tio Alberto, irmão da mãe, ainda está abalado como toda a família pelo "tsunami do ódio" que chegou pela web: "É preciso respeitar o que Silvia passou e o que ela é como pessoa – repete. Agora Silvia nos pede de maneira muito humana e simples essas coisas. E todos nós temos que dar a ela. Viveu situações que nem sequer podemos imaginar e das quais ainda não pode falar conosco”. Diante do promotor Alberto Nobili, chefe do grupo antiterrorismo, e do tenente-coronel Andrea Leo do Ros de Milão, Silvia Romano diz que se sente "serena", e não tem medo das ameaças. Conta estar feliz por sua libertação, por ter voltado para casa com sua mãe e irmã Giulia. E quanto às mensagens de ódio, não sabe de onde vêm. A privacidade de seu perfil social foi reforçada contra os haters. Nas últimas horas, não leu os jornais, não assistiu às transmissões de televisão que mostravam suas imagens, no meio de um rio de fotógrafos e câmeras, enquanto passava pela porta de casa. "Nós a protegemos", diz a família. A mãe Francesca ainda não sabe quando “Silvia estará pronta para falar, para uma conferência de imprensa”: “Por enquanto ela tem que fazer a quarentena médica, deixe-nos tranquilos nessas duas semanas”. Em casa, Silvia-Aisha descansa e reza nestes dias de Ramadã. Ao lado dela, tem o carinho daqueles que estão fazendo todos os esforços para protegê-la. “É uma garota de 24 anos, mas é como se nunca tivesse vivido os dois últimos. Agora ela tem que se reencontrar e recuperar sua vida”.
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Silvia Romano: “Dê-me tempo, preciso me reencontrar” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU