14 Mai 2020
"O coronel (da reserva do Exército) Darino de Castro Rebelo não aceitou que a Mineração Rio do Norte fosse de exclusiva propriedade de uma empresa estrangeira. Defendeu a posição de que a Companhia Vale do Rio Doce, mineradora controlada pelo governo federal, participasse do capital da mineradora, com maioria das ações. A doutrina de segurança nacional, esteio do regime militar, exigia essa mudança. O impasse foi criado.", escreve Lúcio Flávio Pinto, jornalista, sociólogo pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Jornal Pessoal, em artigo publicado por Amazônia Real, 12-05-2020.
Em 1972, em plena ditadura, a Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) aprovou o maior projeto da sua história até então. A multinacional canadense Alcan, uma das “seis irmãs” do cartel internacional do alumínio, se dispunha a iniciar a lavra de uma das maiores jazidas de bauxita do mundo, no interior da região, a mil quilômetros do litoral norte do Brasil. Com um capital próprio de 55 milhões de cruzeiros (valor da época), a Alcan seria dona de um empreendimento no valor de Cr$ 255 milhões.
Apenas um conselheiro da Sudam negaria aprovação ao projeto; O coronel (da reserva do Exército) Darino de Castro Rebelo não aceitou que a Mineração Rio do Norte fosse de exclusiva propriedade de uma empresa estrangeira. Defendeu a posição de que a Companhia Vale do Rio Doce, mineradora controlada pelo governo federal, participasse do capital da mineradora, com maioria das ações. A doutrina de segurança nacional, esteio do regime militar, exigia essa mudança. O impasse foi criado.
Dois meses depois da tumultuada aprovação, a Alcan comunicou à Sudam que paralisara a implantação do projeto. Devido a “mudanças nas condições de mercado da indústria mundial de alumínio”, que “afetou as necessidades” da empresa canadense “e dificultou a colocação da parcela excedente [do minério] junto a outros consumidores”. Eles ficariam com 20% da produção; para a Alcan, iriam 80%.
Em 2019, a Mineração Rio do Norte completou 40 anos de atividade, como o primeiro dos “grandes projetos”, concebidos pelos governos militares para integrar a fronteira amazônica às economias nacional e internacional, em ritmo acelerado e escala ampliada, por produzem matérias primas intensivas em energia – sobretudo minérios – para exportação.
O Pará, rico em minérios, se tornou, a partir daí, o quarto maior exportador do país e o que mais gera saldos líquidos de dólares. Como o coronel queria, em dezembro de 1972 o empreendimento foi retomado, a CVRD com 51% do capital.
A MRN, com capital de 490 milhões de reis, é a sétima maior empresa de bauxita do mundo e a maior do país, com 2/3 da produção nacional. No ano passado, produziu e vendeu 11,5 milhões de toneladas faturando pouco mais de 1,6 bilhão de reais, com lucro líquido de R$ 144 milhões, apesar ter reduzido a produção e fazer investimentos na revisão técnica do seu sistema de barragem para se ajustar às exigências que a Agência Nacional de Mineração começou a fazer depois do desastre de Brumadinho, em Minas Gerais.
A MRN é considerada uma das melhores empresas do setor mineral, com um alto índice de qualidade. Aparentemente, ela continua enquadrada nas exigências da segurança nacional, apresentadas quase meio século atrás pelo coronel Darino. A Vale já não é mais estatal, mas continua em tese – empresa nacional, com a maior parte do seu capital em poder do governo federal (direta ou indiretamente), associado ao Bradesco. Ela tem 40% das ações da Rio do Norte, através da sua subsidiária, a Alunorte, a maior produtora de alumina do mundo, instalada às proximidades de Belém, no Pará.
Em 2011, a Vale vendeu a Alunorte à multinacional norueguesa Norsk Hydro. Incluiu no pacote a Albrás, 8ª maior produtora mundial de alumínio metálico, e a Mineração Paragominas, detentora de uma jazida de bauxita equivalente à da MRN.
Apesar da mudança de controle acionário, a Alunorte continuou com seus 40%. Sua atual proprietária, a Hydro, tem, em seu nome, apenas 5% da Rio do Norte. Mesmo assim, graças aos 45% que detém por si e pela Alunorte, faturou R$ 739 milhões dos 1.6 bilhão das vendas da mineradora, 99,64% para os sócios. Por isso, é uma sociedade anônima limitada. É praticamente zero a venda para terceiros.
A sociedade é uma aliança das multinacionais do cartel: Alcan, Alcoa, South 32 Minerals (gerada pela australiana BHP e a inglesa Billiton), que dividem 46,5% das ações. O grupo CBA, da família Ermírio de Moraes, a única empresa nacional na mineradora, tem apenas 12,5% do capital.
Assim, sem entrar em choque com os militares e se mantendo em plena produção, fornecendo matéria prima para as suas donas, as grandes multinacionais dos mercados de bauxita, alumina e alumínio, a MRN deixou de ser uma empresa brasileira.
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A mineradora brasileira das multinacionais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU