02 Março 2018
Passados onze dias do mais greve desastre ambiental envolvendo o setor de mineração na Amazônia, a Justiça do Pará e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) decidiram punir nesta quarta-feira (28) a refinaria norueguesa Hydro Alunorte pelo vazamento de resíduos químicos da produção de bauxita no município de Barcarena, a 40 quilômetros de distância de Belém.
A reportagem é de Catarina Barbosa, publicada por Amazônia Real, 28-02-2018.
A pedido do Ministério Público do Estado (MPPA), o juiz Iran Ferreira Sampaio, da Comarca de Barcarena, proibiu a refinaria de usar o Depósito de Resíduos Sólidos (DRS-2) por irregularidades na licença de operação e mandou a empresa reduzir a produção da planta industrial em 50% para evitar um novo vazamento de rejeitos químicos. A multa estipulada é R$1 milhão por dia por descumprimento da medida cautelar.
Já o Ibama embargou o depósito DRS-2 e a tubulação de drenagem de efluentes da área industrial da refinaria. A empresa Hydro Alunorte foi multada em R$ 20 milhões.
Empreendimento licenciado pelo governo do Pará, entre os dias entre os dias 16 e 17 de fevereiro, uma lama vermelha, resultante da lavagem química de bauxita para a produção de alumina da refinaria Hydro Alunorte, inundou comunidades ribeirinhas e quilombolas, contaminando rios, igarapés e poços artesianos. A saúde de 400 famílias ficou afetada. Segundo laudo do Instituto Evandro Chagas (IEC), a água dos mananciais ficou poluída e imprópria para o consumo humano. Chovia forte. O risco de novo vazamento da bacia de rejeitos continuava. No entanto, a refinaria continuou operando normalmente.
“Com este quadro, em que se observa a persistente ocorrência de danos ambientais, já constatados e os potencialmente produzidos em razão da temporada de chuva que ainda está em curso, fica evidente que não se pode manter a operação plena da atividade da empresa, por conta da insegurança decorrente do seu sistema de armazenamento e tratamento de efluentes, em situação que potencializa o risco de dano ambiental”, disseram na ação os promotores de Justiça, Daniel Barros e Laércio Abreu no pedido da medida cautelar. Íntegra do pedido de medida cautelar.
Na decisão que multou a refinaria, o Ibama explicou que aplicou dois autos de infração contra a Hydro Alunorte: R$ 10 milhões por realizar atividade potencialmente poluidora sem licença válida da autoridade ambiental competente e R$ 10 milhões por operar tubulação de drenagem também sem licença.
Em nota à imprensa, o Ibama disse que foram realizadas vistorias no local do desastre ambiental na terça-feira (27) e nesta quarta-feira (28) em conjunto com pesquisadores do IEC, que é vinculado ao Ministério da Saúde.
Um laudo do IEC apontou “indícios de transbordamentos e lançamentos de efluentes não tratados” na região de Barcarena, onde vivem 121.190 habitantes. “Os resultados físico-químicos e níveis de metais pesados mostraram que ocorreram alterações nas águas superficiais que comprometeram (sua) qualidade, segundo a Resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) n° 357/2011, e impactaram diretamente na comunidade Bom Futuro,” diz o Ibama.
De acordo com o documento do IEC, “as águas apresentaram níveis elevados de alumínio e outras variáveis associadas aos efluentes gerados pela Hydro Alunorte”.
Procurada pela reportagem, a refinaria Hydro Alunorte disse que está analisando a decisão da Justiça do Pará. “As medidas necessárias para implementá-la e seus possíveis impactos na operação. A empresa divulgará novas informações o mais breve possível.”
Sobre o desastre ambiental em Barcarena, a Hydro Alunorte continua negando que houve o vazamento de rejeitos do depósito DRS-2 da refinaria. Na segunda-feira (26), a empresa já tinha sido notificada pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará para reduzir em 50% a produção da mineradora devido ao não cumprimento de uma determinação de alcançar um metro de borda livre no depósito de resíduos de bauxita da barragem DRS1. A multa prevista era de R$ 1 milhão por dia no caso de descumprimento.
Na mesma ocasião, o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho pediu o embargo das atividades da Hydro Alunorte. A Agência Nacional de Mineração (ANM) solicitou informações sobre a segurança das barragens DRS-1 e DRS-2.
A Amazônia Real procurou a empresa na terça-feira (27) para ela informar os níveis em que operava as bacias de resíduos nos dias 16 e 17 de fevereiro, durante o desastre ambiental. A Hydro não respondeu às perguntas enviadas por e-mail à assessoria de imprensa. Mas publicou uma nota à imprensa em que diz que “todas as bacias dos depósitos de resíduos sólidos de sua planta em Barcarena atingiram, hoje (ontem, 27), nível de borda livre superior a um metro. A empresa segue colaborando com todas as autoridades para que todas as medidas necessárias sejam tomadas para garantir a segurança da operação.”
Em relação à contaminação dos rios e igarapés, empresa afirmou que “está comprometida a fazer uma análise abrangente nas comunidades próximas à sua refinaria para entender em toda sua complexidade as condições da água nesta área de Barcarena. Neste momento, a empresa está colaborando na distribuição de água potável na região, mas já começou a dialogar com as comunidades e está comprometida a colaborar na busca por soluções que proporcionem o acesso permanente à água potável”, afirmou a assessoria de imprensa da Hydro Alunorte.
Nos primeiros dias do vazamento de rejeitos químicos, enquanto a empresa de capital norueguês mantinha as atividades normais da refinaria Hydro Alunorte, famílias de ribeirinhos e quilombolas de Barcarena estavam usando água contaminada por chumbo, nitrato, sódio e alumínio.
Sandra Amorim, moradora da comunidade quilombola sítio São João – que fica a apenas 1 km da bacia de rejeitos DRS-2 – conta que para a Hydro Alunorte todos ali são invisíveis. A casa dela cujo chão é argiloso ficou toda desnivelada com a força das águas na inundação dos rejeitos químicos da refinaria da Hydro Alunorte.
A moradora diz ainda que depois da chuva que levou além de água, rejeitos da bauxita para dentro da sua casa, todos ficaram com coceira pelo corpo, dor de cabeça e problemas respiratórios. “Não temos para onde ir, então, a gente ficou por aqui mesmo dividindo espaço com aquela água que vinha de dois lados. E onde a água encostou, a gente ficou com coceira. A minha perna só parou de coçar depois que eu passei vinagre”, afirma.
Sandra, que é também membro do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e do Barcarena Livre, disse que em 2009 viveu o mesmo drama ambiental atual. Na ocasião, transbordou rejeitos químicos no meio ambiente. O Ibama multou a refinaria em R$ 17,1 milhões, mas a empresa não pagou indenização a nenhuma família até hoje, diz.
“Eu quero que resolvam essa situação, porque tá virando costume. Em 2009 foi a mesma coisa e eu não quero que fique só na conversa. Foi exatamente a mesma coisa: veio jornal de todo o tipo, Semas, Defesa Civil, Ibama, Dema e sabe no que deu tudo aquilo? Em nada. Essa poluição não vem de agora. A Hydro tem 35 acidentes ambientais aqui em Barcarena e não pagou por nenhum deles”, lembra indignada.
O quilombo Sítio São João, assim como toda comunidade quilombola, é protegido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina que qualquer atividade desenvolvida dentro da comunidade deve passar por consulta desses povos. “Aqui ninguém nos pergunta nada não. Eu já procurei eles várias vezes, mas eu já repito: somos invisíveis para a Hydro. Eles ignoram a nossa existência”, diz Sandra.
O vazamento de rejeitos químicos no meio ambiente é desastre ambiental, mas a empresa Hydro Alunorte não garantiu no primeiro momento o apoio às populações afetadas. A moradora Midiã Ribeiro, da Comunidade do Tauá, disse que a empresa usou carros-pipa e também caçambas com areia para esconder a lama tóxica que inundou as casas, lagos e igarapé.
Na pista que fica ao lado da bacia de rejeitos DRS-2, chamada Villa Nova, Midiã disse que era possível ver areia branca contrastando com chão de coloração avermelhada.
Além da limpeza da pista, Midiã afirma que operários da refinaria estavam jogando água no rio. “Eu não sei onde eles conseguiram tanta água, mas não adiantou. A equipe conseguiu coletar as amostras antes deles”, afirma se referindo a equipe da pesquisadora Simone Pereira, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que estuda os impactos que a água contaminada causa na população de Barcarena.
Simone Pereira tem doutorado em Química pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e atualmente é professora associada II da UFPA. Ela desenvolve uma pesquisa intitulada “exposição humana a metais tóxicos através da água de consumo: um estudo de caso no município de Barcarena (PA)” e por meio desse estudo detectou a presença de metais na água e no cabelo das pessoas que moram no município. “O estudo do cabelo ainda será publicado, mas já foi confirmado que as pessoas possuem metais no corpo e as consequências para isso são coceira, gastrite, anemia, dor de cabeça e irritabilidade”, explica.
Na avaliação da professora, o mais urgente a se fazer nesse momento seria providenciar tratamentos para que a população tivesse água de qualidade. “Aqui todo mundo consome água contaminada há anos”, disse Simone.
Apesar da poluição do Rio Murucupi não ser algo de agora, os dados são alarmantes. O laudo divulgado pelo Instituto Evandro Chagas (IEC) aponta além da alta concentração de alumínio, chumbo, sódio e nitrato, um aumento no pH da água que chegou a 10, ou seja, extremamente alcalino, em decorrência do derrame de soda cáustica, usada no processo de beneficiamento da bauxita, matéria-prima do alumínio.
O promotor de Justiça Daniel Barros disse que, com base nas denúncias das populações tradicionais, foi aberto um Procedimento Investigativo Criminal (PIC) para apurar as irregularidades da empresa norueguesa Hydro Alunorte.
Sobre a denúncia dos carro-pipa e das caçambas com areia, o promotor disse que já iniciou as investigações. “Eu mesmo pedi que um policial fosse apurar o caso e ele tem filmagens da situação. Eu mesmo liguei para a empresa Marques (empreiteira) e já falei com chefe de segurança da Hydro. Eles disseram que tinham levado o caminhão para lavar e por isso ele estava circulando na cidade. Mas tudo isso será investigando com muito rigor”, promete Barros.
Com relação ao vazamento da bacia de rejeitos DRS-2, o promotor explica que novas perícias serão solicitadas. “Esse tipo de poluição não some da água da noite para o dia. Vamos pedir novamente as perícias, porque elas devem ser solicitadas pelo Ministério Público. Se não, cada um pede uma perícia e no tribunal, o advogado pede o descarte dessa prova. Preciso de uma coisa mais aprofundada do comprometimento do meio ambiente e com isso em mãos tomarei as medidas cabíveis”, afirma.
Daniel Barros disse ainda que no PIC a Secretaria de Meio Ambiente do Estado (Semas) será investigada. “Eu quero saber onde estão as perícias que a secretaria diz ter feito. Já solicitamos para eles”, afirma. O prazo para finalização do PIC é de 30 a 60 dias, dependendo do resultado das perícias. A Semas disse que ainda não tem conhecimento sobre o procedimento.
As comunidades tradicionais e quilombolas de Barcarena são cercadas por igarapés e tinham na sua atividade principal a pescar. Peixe que alimentava famílias inteiras desapareceram há anos dos rios por causa da contaminação. Carlos Espíndola, mais conhecido como irmão Carlos, diz que além de todos os problemas causados pela contaminação, sente saudade daquela época.
Irmão Carlos, mostra as mãos calejadas e diz “Tá vendo as mãos? Grossa. Mão de agricultor. É só o que a gente pode fazer por aqui e mal, porque muita coisa não vai pra frente”, conta dizendo que a comunidade do Tauá já foi a rainha do abacaxi e que o pai tinha mais de 10 hectares da árvores frutíferas, mas que atualmente, o fruto não vai mais “pra frente” por conta do solo.
Além dos 10 hectares de abacaxi que deixaram de existir, Carlos enumera a destruição causada pela má qualidade da água: mataram cinco nascentes e várias castanheiras centenárias, mataram nossos rios e estão tirando os nossos direitos. O que essa empresa veio fazer em Barcarena? Esse desenvolvimento que ela diz é pra quem?”, questiona.
Carlos é vice-presidente da Comunidade do Tauá. Ele lembra que o sogro morreu de desgosto (depressão) depois que teve que ser remanejado devido ao início das atividades da mineradora. “Muita gente morreu. O meu tio também morreu. Antes a gente chamava desgosto, agora é depressão, né? Lembro que o meu sogro era técnico de time e quando ele foi notificado que teria que sair da terras dele, nunca mais falou. Raimundo era o nome dele, mas a gente chamavam de Castanha. Ficou calado, o Castanha. Nunca mais falou”, conta.
Sandra Amorim, do quilombo sítio São João, afirma que assim o pai também foi remanejado com o início das atividades da mineradora. “Meu pai tinha 40 hectares de terra. Quarenta. Ele foi remanejado pra um lugar de 10 X 30 m com 13 filhos. Imagina só. A raiva da empresa com a gente é que a gente não é comunidade tradicional, a gente ainda tem como brigar com eles. Aqui não é na base do te dou tanto e tu vais embora. Eles têm que dar uma terra do mesmo tamanho pra gente, com base na 169”, diz.
Sandra destaca que a Hydro trata eles como invasores. “Eles pararam de dizer isso, porque agora existimos para o Iterpa, para o Incra, existimos no papel. Há mais ou menos um mês, veio uma equipe por aqui para saber quem estava ao entorno do Rio Murucupi. Mas de uma coisa pode ter certeza, a gente aqui da comunidade quilombola não vai se vender pra eles”, conta.
A moradora acrescenta. “Queremos que os impactos sejam apurados de verdade. Não quero promessa. Quero uma pauta que seja resolvida. Até porque estamos em ano de eleições, né? Sabemos que as pessoas querem misturar as coisas. Sabemos que a Hydro pode pagar as eleições desses políticos aí e nós é que vamos ficar com prejuízo. Eu quero que essa poluição acabe de uma vez”, pede Sandra.
Leia a nota da Hydro Alunorte desta quarta-feira (28/02). A empresa ainda não comentou sobre a multa do Ibama:
Hydro se prepara para reduzir a produção da Hydro Alunorte em 50%
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS) do Pará notificou a refinaria de alumina Hydro Alunorte, de propriedade da empresa de alumínio norueguesa Norsk Hydro ASA, de que terá de reduzir sua produção de alumina calcinada em 50%.
A SEMAS determinou que a Hydro Alunorte reduza 50% de sua produção de alumina calcinada, solicitando que a redução seja feita até o dia 1° de março. Além disso, a empresa receberá uma multa diária de aproximadamente 500 mil reais, se não cumprir com a redução dentro do prazo estipulado. A Hydro Alunorte está, nesse momento, se preparando para cumprir a exigência da SEMAS.
Planos de contingência serão implementados para reduzir o potencial efeito negativo sobre os clientes.
“Estamos fazendo o máximo para limitar o impacto desta situação desafiadora para nossos empregados, nossos clientes e para as comunidades que nos rodeiam”, diz o presidente e CEO Svein Richard Brandtzæg.
Embora ainda seja muito cedo para avaliar a dimensão e o impacto do corte de produção, a redução poderá vir a ter consequências financeiras e operacionais significativas para a empresa.
A razão das medidas tomadas pela SEMAS foi o não cumprimento de uma determinação da SEMAS, em 23/02/18, de reduzir os níveis das bacias do depósito de resíduos sólidos DRS1 na Hydro Alunorte em um metro de borda até o dia 26/02. Ao utilizar bombas adicionais e aumentar a capacidade de tratamento de águas, o nível de um metro exigido foi alcançado no dia 27/02.
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Justiça e Ibama punem mineradora Hydro por vazamento em Barcarena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU