28 Janeiro 2020
Hoje a arquidiocese de Belo Horizonte relembra as 272 vítimas do desastre de Brumadinho com uma "peregrinação pela ecologia integral". Entretanto, apesar da tragédia, o grande grupo brasileiro Vale, proprietário da usina, encerrou 2019 acumulando dividendos para os acionistas por um valor superior aos montantes alocados para indenizações e obras de reconstrução.
A reportagem é de Giorgio Bernardelli, publicada por Mondo e Missione, 25-01-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Exatamente um ano se passou desde a tragédia de Brumadinho, o rompimento da barragem em uma mina de ferro em Minas Gerais, que em 25 de janeiro de 2019 engoliu a vida de 272 pessoas em poucos segundos. Uma tragédia resultante da sede por matérias-primas da economia global, mais importante do que qualquer preocupação com a proteção ambiental e até as medidas de segurança mais elementares em torno de grandes usinas de mineração.
A arquidiocese de Belo Horizonte - em cujo território se localiza Brumadinho - hoje lembra as vítimas com uma "peregrinação para a ecologia integral", que ocorre no local da tragédia. Um gesto ao qual o Papa Francisco também quis se fazer presente pessoalmente, enviando uma vídeo mensagem na qual expressa "solidariedade com as famílias das vítimas, apoio à arquidiocese e todas as pessoas que sofrem e que precisam de nossa ajuda", almejando que "através a intercessão de São Paulo, possa Deus nos ajude a reparar e proteger a nossa casa comum”.
Um ano depois, no entanto, também cabe perguntar: o que aconteceu com a Vale, a gigante brasileira de mineração proprietária da usina e que já em 2015 havia sido declarada responsável por outro grave desastre ambiental em uma mina de ferro no mesmo estado da Minas Gerais?
Na home page do site da empresa, destaca-se hoje a frase “nunca esqueceremos Brumadinho”. Abaixo, há uma longa série de notícias sobre as obras implementadas para a recuperação ambiental, as indenizações às vítimas, o parque que construirão em Brumadinho, o novo portal sobre as práticas de responsabilidade ambiental e social que serão adotadas. Apenas um breve comunicado comenta as medidas contra o desastre dispostas pela procuradoria de Minas Gerais há alguns dias, alertando que "deixam perplexos e outras investigações estão em andamento".
De fato, a magistratura brasileira aprovou um inquérito contra o ex-CEO Fabio Schvartsman e de quinze outras pessoas que trabalhavam para a empresa e que teriam ignorado os sinais que mostravam os riscos da usina de Brumadinho. Junto com a Vale, a empresa alemã Tuv Sud também está envolvida na investigação, à qual foram confiados os controles da barragem. Os promotores afirmam que teriam fechado mais de um olho depois de substituir na função outra empresa afastada pela Vale, provavelmente por ter assinalado as questões críticas.
Além dessas responsabilidades - que o processo precisará averiguar - há outro fato ainda mais impressionante e são os resultados registrados pela Vale no exercício financeiro de 2019. No final de janeiro de 2019, após o desastre, a gigante brasileira da mineração registrou uma queda no mercado de ações como consequência da tragédia. Falou-se bastante sobre outras barragens com características muito semelhantes no Brasil e que deveriam ser imediatamente bloqueadas para verificações e intervenções. Bem: doze meses depois, é impressionante ver como a gigante da mineração se recuperou muito rapidamente daquele choque. Um artigo publicado nos últimos dias pela Bloomberg relata como o valor das ações na bolsa de valores brasileira voltou ao nível anterior ao de 25 de janeiro de 2019.
Mas há mais: apesar da tragédia de Brumadinho, apesar das instalações bloqueadas e das intervenções implementadas nas outras usinas que levaram a um corte de 70 milhões de toneladas na produção, a partir do terceiro trimestre de 2019 a Vale voltou a gerar lucros. E isso garantiu que no balanço de final de anos aparecessem 7,25 bilhões de reais (cerca de 1,5 bilhão de euros) serem destinados aos acionistas como dividendos. A soma é um pouco inferior ao resultado de 2018, quando 7,7 bilhões de reais (1,65 bilhão de euros) foram destinados aos acionistas. E, principalmente, é superior ao total de recursos alocados pela Vale em 2019 para indenização às famílias das vítimas e para as obras de recuperação e reconstrução: no total de 6,55 bilhões de reais, ou seja, cerca de 1,4 bilhão de euros.
São números que revelam a verdadeira questão por trás do desastre de Brumadinho; um problema que vai muito além das responsabilidades pessoais dos executivos da Vale, que a justiça brasileira estabelecerá. É o problema da demanda global de matérias-primas - neste caso, o ferro usado para a produção de aço - que não se preocupa com nenhum dano humano ou ambiental e não para diante de nada. A Vale hoje está lucrando, no entanto, porque o corte em sua produção levou a um desequilíbrio entre oferta e demanda que elevou os preços em nível global. Produz menos, mas não perde nada. Enquanto Rio Tinto e Bhp - seus dois principais concorrentes na produção de ferro, que em tantas periferias do mundo não utilizam métodos diferentes - ganham ainda mais, obtendo resultados recordes. A consequência é que, no ano do desastre de Brumadinho, o investimento em ações das gigantes da mineração permaneceu extremamente lucrativo para os operadores financeiros que continuam a derramar liquidez nesse tipo de empresas.
Enquanto essa cadeia perversa não mudar, continuaremos chorando novas Brumadinho. Ao nos iludirmos de que suas vítimas são apenas efeitos colaterais distantes, que nada têm a ver com os milhares de objetos de aço que passam por nossas mãos todos os dias. "Esta economia mata" o Papa Francisco repete com frequência. É por isso que a "ecologia integral" é mais urgente hoje do que nunca.
P.S. Justamente nestes últimos dias chegou do Brasil a notícia da morte de Edvard Dantas Cardeal, um dos líderes da comunidade de Piquià de Baixo, no Maranhão, que luta contra a Vale (a mesma empresa) pela poluição produzida por suas atividades de mineração. Um estudo espirométrico realizado no local pelo Istituto dei Tumori de Milão mostra que 28% da população local sofre de patologias respiratórias, um percentual altíssimo, que torna Piquià de Baixo próximo do distrito de Tamburi em Taranto, onde justamente desembarca esse ferro extraiu do Brasil para se tornar aço. No final, nem mesmo os pulmões de Edvard Dantas Cardeal aguentaram.
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Um ano após o desastre da barragem de Brumadinho, mais dividendos que ressarcimentos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU