12 Mai 2020
Neste colapso econômico, vêm antes a vida, a força de trabalho e uma reforma universalista do bem-estar social a partir de uma renda básica incondicional, paga também pelos capitalistas digitais para todos aqueles que continuarão trabalhando para eles cada vez mais e cada vez pior.
O comentário é de Roberto Ciccarelli, publicado por Il Manifesto e reproduzido por Basic Income Network - BIN, 07-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A pandemia da Covid-19 demonstrou a centralidade do trabalho físico e intelectual, digital e de cuidado; a concreta e rica produção do valor produzido pelas “redes humanas” que movem as cadeias de suprimentos globais; a interconexão de tarefas, capacidades e faculdades intermediárias dos algoritmos e das plataformas de propriedade privada que extraem a mais-valia do exercício cotidiano de uma força de trabalho que nunca desfrutará, no estado atual, da riqueza produzida pela sua cooperação.
Entregadores, diaristas, empregados da limpeza, empregados domésticos, cuidadores, operários nas fábricas e da logística, empregados de vendas nos supermercados, jornalistas e jornaleiros, professores e estudantes forçados às salas virtuais das plataformas que produzem recordes de lucros na Bolsa para os seus acionistas.
A segregação de bilhões de pessoas tornou-se a fortuna de um punhado de empresas já conhecidas, como a Amazon, que está contratando 175 mil pessoas em todo o mundo, o Zoom ou o Hangout (Google). Nesta nova divisão do trabalho, estamos experimentando ainda uma nova estratificação social em uma sociedade de classes autoisolada: quanto mais crescem aqueles que produzem bens materiais, digitais e afetivos, transportando-os à fábrica, aos hospitais, aos supermercados ou às casas a partir das telas, menos se reconhecem os direitos e as salvaguardas da força de trabalho invisibilizada.
Quanto mais cresce um exército de trabalhadores que operam nos depósitos e nas ruas, temendo ser contaminados com o coronavírus, menos se fala em proteger seus direitos, mesmo em caso de trabalho intermitente e desemprego, ou em remuneração pelas atividades de reprodução e proteção da vida própria e alheia.
Este é o momento da força de trabalho “just-in-time” digital, mas não da ideia de uma negociação e regulação das salvaguardas e dos direitos.
As imagens dos entregadores esperando o metrô em Milão na noite de Páscoa são o exemplo de uma violência social sem precedentes. À parte dos diretamente envolvidos e das realidades auto-organizadas de Milão, Bolonha ou Roma, ninguém ainda pensou em reconhecer a plena tutela desses trabalhadores, em um momento em que os governos estão aprovando normas para qualquer aspecto da vida.
Prefere-se normatizar os afetos em uma ameaçadora profilaxia paternalista e policialesca e não admitir que nada nesta sociedade coagida funcione sem os invisíveis. Eles não são invisíveis, mas são úteis quando trazem um sushi, uma cerveja ou um Kinder Bueno até a nossa casa, não é verdade?
A ferocidade classista dessa condição deveria finalmente interrogar o consumidor tratado como “Rei” por cínicos empresários do digital e por uma hipócrita política subalterna.
No “pós-pandemia”, na “fase dois” que não chegará em menos de um ou dois anos com uma vacina, o “distanciamento social” pode envolver uma nova onda de precarização em nome da “produtividade”, enquanto viveremos a mais dura das recessões.
Se quiséssemos observar a nova cidadania viral do ponto de vista daqueles que perderam o emprego ou daqueles que já não o tinham no setor do trabalho assalariado capitalista, a situação será pior.
Para a Fundação dos Consultores do Trabalho, a suspensão, mesmo que temporária, das atividades produtivas provocou, entre outras coisas, que 3,7 milhões de trabalhadores perdessem a única fonte de renda familiar. Nesse colapso econômico, deveriam vir antes a vida, a força de trabalho e uma reforma universalista do bem-estar social, a partir de uma renda básica incondicional, paga também pelos capitalistas digitais para todos aqueles que continuarão trabalhando para eles cada vez mais e cada vez pior.
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A pandemia e a necessidade de uma reforma universal do bem-estar social e de uma renda básica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU