28 Fevereiro 2020
“Três boas notícias! Primeira, ninguém pode se orgulhar porque ninguém foi poupado – então não faz sentido ficar preso em batalhas ideológicas. Segunda, ninguém duvida que devemos ousar fazer o trabalho de verdade. Finalmente, onde nos faltava lucidez e coragem, podemos colocar humildade e paciência”, escreve Jean-Pierre Denis, sobre o caso Jean Vanier, em editorial publicado por La Vie, 26-02-2020. A tradução é de André Langer.
Eu encontrei e reli o dossiê publicado por La Vie em 15 de fevereiro de 2001, há apenas 19 anos. Nele relatamos comportamentos aberrantes, às vezes grotescos, que misturam sexo, misticismo e abuso de poder. Aí já apareceu, mesmo na margem, o nome de um desses dois irmãos Philippe, cuja cumplicidade diabólica vem sendo constantemente descoberta. O que você acha que aconteceu? Criticaram... nosso título, “Gurus em conventos”.
Um bispo nos acusou de ser “uma máfia” que procura “destruir a Igreja”. Um padre escreveu uma carta aberta aos cardeais denunciando “uma revista que se dizia católica”, mas que desempenhava “o papel das Cortes Populares de Mao, entregando pobres suspeitos à vingança de uma população já excitada”. Tomando o partido das pessoas “feridas por essa suspeita que afeta homens e mulheres que dedicaram suas vidas ao Senhor”, um colega julgou que La Vie estragou “sua bela aventura apostólica e mística”.
A palavra “abuso” sofreu um relaxamento. De poder? De confiança? De sexo? Não, de jornalismo! Outro editorialista ousou a seguinte frase: “A necessidade de informar, a solidariedade com as vítimas, o Evangelho, são motivos suficientes para levar o descrédito sobre as comunidades que se irradiam por todo o mundo?”.
Não estou escrevendo isso para fazer um acerto de contas, mas para entender de onde viemos, quando o caso Jean Vanier acaba de nos perturbar. Observo que nossa pesquisa pecava por ingenuidade, mas que continha, como em germe, todos os males atuais. Também meço a força da negação. Nossos oponentes acreditavam que alguns ovos quebrados eram o preço a pagar por uma bela omelete, chamada “nova evangelização”.
Mas, na La Vie, nós acreditávamos que tínhamos tirado duas ou três maçãs podres quando entramos na cena do crime. No final, tivemos dificuldade em aceitar o que vimos, quando as vítimas já estavam agrupadas em uma associação, a Ajuda às Vítimas de Movimentos Religiosos na Europa e às suas Famílias (Avref).
Negações, prazos, meias medidas atrasaram o processo. Bento XVI não teve coragem de dissolver os Legionários de Cristo. Os irmãos Philippe morreram em paz. A fatura humana continuou a aumentar. Grande parte do edifício construído desde os anos 50 está no chão, como se tivesse sido construído sobre areia.
Quanto às vítimas, são muitas, e de muitas categorias e graus! Aquelas que sofreram abusos, é claro. Mas também, em outro gênero, aquelas que lutam para tentar se recuperar, esses padres que usam injustamente a camisa da vergonha, para não mencionar todos esses católicos enganados, alquebrados, escandalizados...
E, agora, três boas notícias! Primeira, ninguém pode se orgulhar porque ninguém foi poupado – então não faz sentido ficar preso em batalhas ideológicas. Segunda, ninguém duvida que devemos ousar fazer o trabalho de verdade. Finalmente, onde nos faltava lucidez e coragem, podemos colocar humildade e paciência.
Ainda será preciso todo o trabalho da Comissão Sauvé, uma mudança cultural para examinar como o poder e o contrapoder funcionam, como acompanhar sem abusar, como exercer ministérios, como lutar contra as heresias... Em suma, tendo partido para algumas escaramuças, aqui estamos envolvidos em uma guerra de 50 anos e de meia dúzia de pontificados. Vamos, não é hora de relaxar, nem de desesperar!
Em suma, um bom programa quaresmal.
O Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove o seu X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos, a ser realizado nos dias 14 e 15 de setembro de 2020, no Campus Unisinos Porto Alegre.
X Colóquio Internacional IHU. Abuso sexual: Vítimas, Contextos, Interfaces, Enfrentamentos
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Um longo caminho de verdade. O caso Jean Vanier - Instituto Humanitas Unisinos - IHU