21 Fevereiro 2020
Nos últimos dias, chegou às livrarias o livro "Telefonare" da série "ritos do viver", editada para a Cittadella por Giulio Osto. Com Annamaria Rondini, a 2 (ou 4) mãos escrevemos essa reflexão antropológica e teológica, em torno de uma das ações que se tornou mais comum, em todos os lugares e para todos. Um "rito laico" que conserva uma qualidade misteriosa e que, com o nascimento dos telefones "smart", se tornou mais rico e complicado. Aqui está um trecho do capítulo IV (p.89-93).
A reflexão é de Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, em artigo publicado por Come Se Non, 17-02-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na tela do "smartphone", a função "ligar" é apenas uma das dezenas de "aplicativos" disponíveis para o usuário. Com uma lógica semelhante às "windows" do PC, tocando na tela com um dedo, é possível executar muitas funções que utilizam a versatilidade da potência junto com a capacidade da memória. O telefone não só se tornou apenas "smart", porque você pode usá-lo como uma calculadora ou bússola, como lanterna ou passagem de trem, mas também se tornou "sensível". Ele pode ouvir e, assim, sabe reproduzir todos os sons, como o pássaro-lira; pode ver tudo e assim reproduzir qualquer coisa. Recolhe muitas perguntas e elabora respostas não banais. Audição, visão e gestão de dados são garantidas com velocidade cada vez maior e precisão cada vez mais surpreendente. A qualidade dos microfones e alto-falantes, câmeras e telas é cada vez maior, a velocidade de processamento e cálculo dos processadores cada vez mais instantânea. Assim, a mediação, aliás objetivamente bastante invasiva, quase tende a desaparecer, torna-se imediata. O smartphone, o telefone inteligente, é o novo imediatismo, maravilhoso e ao mesmo tempo perigoso. Introduz uma "forma telefônica do mundo" que renova e coloca à dura prova os hábitos humanos, destacando novas possibilidades juntamente com antigas fragilidades. Alguns exemplos podem ser interessantes:
a) Viva-voz como voz alta. Pode-se observar, em geral, que o tom de voz nas pessoas sem smartphones é culturalmente determinado. Há aqueles que estão acostumados a falar sempre em voz baixa e aqueles que usam, mesmo em público, um volume de comunicação vocal muito mais alto. Mas se introduzirmos a variável "smartphone", eis que novas possibilidades se manifestam. Quem grita normalmente, grita muito mais ao telefone. E pode fazer isso com um fone de ouvido, com o efeito semelhante ao primeiro capítulo do Senhor Mani de A. Yohshua: você apenas ouve parte do diálogo, mas também entende os detalhes de toda a conversa. No entanto, o máximo do efeito telefônico "smart" é atingido quando o "falante", não contente em infligir suas opiniões sobre o novo ministro ou sobre seu antigo treinador, também acrescenta, no viva voz e com a devida permissão, a opinião de seu amável interlocutor. Tudo isso, obviamente, no silêncio do avião que acaba de aterrissar, com o restabelecimento recém feito das conexões e a possibilidade de revelar a todos, com um coro a duas vozes, a verdade sobre o novo chefe do dicastério ou a razão da posição no ranking do time no campeonato.
b) A comodidade da extensão e a irrupção da mensagem vocal. A gestão do tempo é transformada com um smartphone. A memória - interna, externa ou virtual - emancipa do "tempo real". Mas isso não é apenas uma simplificação. De fato, pode acontecer que, em um chat de whatsapp, o outro de repente recorra à "mensagem de voz". Recurso útil para dizer as coisas mais rapidamente quando não se pode escrever, mas que coloca o outro em dificuldade se ele não puder ouvir imediatamente a mensagem de voz. Assim, essa regressão do "smartphone" para o "telefone", que se realiza precisamente com a apresentação de um arquivo de áudio em vez de uma série de palavras escritas, mostra claramente a diferente condição de comunicação. A "voz distante", quando irrompe com sua materialidade e invasão, torna mais complexa a relação que administramos como "troca de mensagens escritas". O que para um simplifica, para o outro complica.
c) O fone de ouvido e a tela. Apenas para remediar a esses problemas de "mudança de registro" - entre telefone e smartphone - é cada vez mais frequente o uso de "fones de ouvido fixos", a fim de poder passar de escrito para verbal com um impacto mínimo no ambiente circundante. Se você sempre estiver com os fones de ouvido (e um microfone pronto na frente da boca), cada "salto" do registro tem sua resposta imediata. E você pode passar de multimidialidade para a arcaica "voz distante" com um estalar de dedos. Por outro lado, e aqui pode se ver claramente o poder do olho sobre a voz, não é incomum que quem "fala ao telefone" (com ou sem fone de ouvido) coloque uma mão na frente da boca para que "não possa ser visto o que ele está dizendo”. O "verbo visível" é censurado, não apenas no parlamento, mas também à mesa, no restaurante ou na rua. Diante de comensais ou transeuntes totalmente estranhos e até um pouco assustados. E quando o "fone de ouvido" também perde seus fios e fica wireless, o salto custa apenas o esforço de ter inserido imediatamente a prótese no ouvido, um momento depois de sair da cama ...
d) O toque, o barulho e a sinfonia. O último gosto dessa fenomenologia do "mundo do telefone" é a evolução do "toque do telefone". Esse desenvolvimento diz respeito não apenas ao gerenciamento do toque: é evidente que na parede ou na mesa é algo previsível, mas na bolsa de uma pessoa idosa se torna um "canhão solto", que altera inadvertidamente todo código sonoro pré-estabelecido, da consagração eucarística ao funeral do vizinho de casa. Porém, mais do que total falta de controle, o que vale conferir é o toque, que agora pode ser buscado em todo o arquivo sonoro das memórias telefônicas. Assim, o toque pode ser a reprodução de qualquer som. Colocamos um pássaro-lira em nossos smartphones e, assim, a chegada de um telefonema pode ser anunciada pelo barulho surdo de uma serra elétrica, pela sirene da polícia, pelo anúncio de um trem na estação ou pela brilhante abertura de uma sinfonia de Schumann. Portanto, também pode acontecer que o mais interessante de uma conferência tenha sido o som do telefone que de improviso interrompeu as palavras do palestrante...
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Telefonar é um rito. Um livreto a duas mãos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU