24 Janeiro 2020
"Os migrantes menores e desacompanhados em sua maioria, porém, não possuem nem casa, nem família, nem qualquer referência. São órfãos da violência e da guerra, bem como da miséria e da fome. Para trás deixaram os pais mortos ou a família destruída. Trazem na memória um mundo de de cinzas, escombros e ruínas", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais e vice-presidente do SPM.
Para falar da migração de “menores não acompanhados”, podemos começar com o exemplo emblemático da Itália. No decorrer de 2016, através da travessia do mar Mediterrâneo, desembarcam nas costas desse país 181 mil pessoas, um número superior em 18% em relação a 2015. Os lugares de origem são Nigéria, Eritreia, Guiné, Costa do Marfim, Gãmbia, entre outros países da África. Acrescentam-se alguns originários do Oriente Médio, com destaque para a Síria, embora esses entrem na Europa preferentemente pela chamada rota balcânica, via Turquia, Grécia, Bulgária, Macedônia etc. Violência e guerra, pobreza e falta de trabalho, além das calamidades naturais, são as causas predominantes desse êxodo em massa.
No mesmo período, faziam parte desse contingente nada menos do que 25 mil menores, o que, comparados com o ano anterior, representa mais do dobro. Grande parte desas crianças, ao desembarcar, encontra-se desacompanhada, ou porque lhes morreram os pais na guerra, ou porque resolveram migrar sozinhas. O dado mais trágico refere-se aos 5.022 imigrantes mortos ou desaparecidos em meio às águas, um terço a mais do que no ano precedente. Com razão o Mediterrâneo ganhou o nome macabro de “cemitério de migrantes”.
Resulta evidente, de ano para ano, o crescimento exponencial do fenômeno migratório. Igualmente evidente nesse movimento de massa é o aumento de mulheres, adolescentes e crianças. Os migrantes em geral, e os menores de idade em particular, como vimos acima, deixam sua terra natal devido aos conflitos armados e às condições infra-humanas em que vivem. Aventuram-se em busca de trabalho e melhores perspectivas de vida nos países da Europa. O mesmo fazem os latino-americanos e asiáticos que, apesar de muros e outras adversidades, rumam em direção aos Estados Unidos e à Europa.
Do ponto de vista dos países de origem, uma parte desses menores migra sem o consentimento da família. Muitas crianças provenientes da Eritreia, por exemplo, saem furtivamente, às escondidas, sem falar com os pais nem com os amigos. Sabem que se o fizerem, podem ser descobertos, perseguidos e presos. Fogem em geral para escapar ao serviço militar obrigatório e por tempo indeterminado. Somente depois de cruzar a fronteira é que se comunicam com a família, pedindo ajuda para continuar a viagem até a Líbia. Ali, em geral, serão aliciados pelos “traficantes de carne humana” (Scalabrini) e enviados em precárias embarcações para os portos da Itália.
Os migrantes menores e desacompanhados em sua maioria, porém, não possuem nem casa, nem família, nem qualquer referência. São órfãos da violência e da guerra, bem como da miséria e da fome. Para trás deixaram os pais mortos ou a família destruída. Trazem na memória um mundo de de cinzas, escombros e ruínas. Por motivos óbvios, tanto as crianças e adolescentes que fogem em busca de um futuro mais promissor quanto os que o fazem devido a fatores bélicos constituem o elo mais frágil de toda a corrente migratória. Por isso, não é exagero afirmar que eles são, ao mesmo tempo migrantes, refugiados e prófugos.
Do ponto de vista dos países de destino, tornam-se vulneráveis a toda espécie de exploração. Não poucos, meninos ou meninas, acabam sendo aliciados para a prostituição. Outros se veem obrigados a aceitar os serviços mais pesados, sujos, perigosos e mal remunerados. Isso sem falar do preconceito, da discriminação e da xenofobia, onde aparecem sempre como vítimas impotentes e incapazes de reação. Tanto a saída quanto a chegada quase sempre são marcadas pela indiferença, quando não pela agressividade pura e simples. Daí a necessidade de instituições de acolhida e proteção que os possam acompanhar e inseri-los na nova sociedade. “Em lugar de muros” – como tem repetido o Papa Francisco – “torna-se necessário construir pontes” que possam unir povos, culturas e valores distintos.
Emigrantes menores de idade: vulneráveis e sem voz. Este é justamente o título da mensagem anual do Papa para o Dia Mundial do Migrante e Refugiado de 2017, que foi celebrado no dia 15 de janeiro. Órfãos, solitários e perdidos em terra estranha – eis o cenário por onde circulam atualmente milhares e milhões de crianças, adolescentes e jovens. Abandonados, desamparados e à margem da sociedade e da vida. Privados de carinho e de uma verdadeira cidadania, seja na origem e no trânsito, como também na chegada.
Em razão de tais condições, diz exatamente a mensagem do Papa Francisco: “Por isso, desejo chamar a atenção sobre a realidade dos emigrantes menores de idade, especialmente os que estão sós, insistindo com todos para que tomem conta dos meninos, que se encontram desprotegidos por três motivos: porque são menores, estrangeiros e indefesos; por diversas razões, são forçados a viver longe de sua terra natal e separados do afeto de sua família”.
Além de denunciar as causas da expulsão e do tráfico dos menores, o texto do Santo Padre apela à solidariedade dos países que recebem esses “fugitivos”. Famílias, comunidades, Igrejas e nações devem olhar para os migrantes não como “problema” ou “ameaça”, mas como “oportunidade” de encontro e de intercâmbio. Se bem orientadas e protegidas, esses menores podem fazer a diferença no futuro de nossa sociedade ocidental. Constituem sangue novo em organismos que avançam rapidamente para a decrepitude; ou ar primaveril em ambientes onde predomina o outono ou o inverno. Acolhê-los, dar-lhes vez e voz, não é somente uma questão de caridade evangélica, digamos, mas também um enriquecimento para ambas as partes. Isso requer abertura para o diálogo, a empatia e a compreensão recíprocas.
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O drama da migração de menores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU