15 Janeiro 2020
Organização afirma que tem uma reunião marcada com Sérgio Moro para discutir as ações do governo federal de combate à criminalidade na Amazônia.
A reportagem é de Andréa Martinelli, publicada por HuffPost, 14-01-2020.
Durante seu primeiro ano de mandato, o presidente Jair Bolsonaro realizou políticas ambientais que “deram carta branca às redes criminosas que praticam extração ilegal de madeira na Amazônia” e minou o poder de agências ambientais, afirma a Human Rights Watch em seu relatório mundial sobre violações de direitos humanos, divulgado nesta terça-feira (14).
O estudo, que está em sua 30ª edição e analisa a situação dos direitos humanos em mais de 100 países, seria apresentado inicialmente na quarta-feira (15), mas a divulgação foi antecipada em um dia devido à decisão do governo chinês de barrar a entrada de Kenneth Roth, diretor-executivo da ONG, em Hong Kong. No texto, o diretor-executivo afirma “que o governo chinês, que depende da repressão para permanecer no poder e está realizando o ataque mais intenso ao sistema global de direitos humanos em décadas”.
No que se refere ao Brasil, a ONG destaca que o governo Bolsonaro, em seu primeiro ano, não só enfraqueceu as agências ambientais ao reduzir orçamentos, remover servidores experientes e restringir a capacidade dos fiscais ambientais de atuarem no campo, como também indicou que não cumprirá os compromissos do Brasil em relação às mudanças climáticas.
A ONG cita declaração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ao jornal Folha de S. Paulo de que o “desmatamento ilegal zero não deve acontecer”. Em entrevista, porém, o ministro disse que defende a adoção de meta para reverter a tendência de alta do desmatamento em 2020.
Dados preliminares destacados pela HRW apontam que, de janeiro a outubro de 2019, o desmatamento da Amazônia aumentou em mais de 80%, em comparação com o mesmo período de 2018.
O sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontou, em novembro de 2019 que, de 1º de janeiro a 31 de outubro de 2019, 8.409 km² foram desmatados, representando um aumento de 83% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando foram registrados 4.602 km².
Porém, dados atualizados pelo sistema Deter-B ― que atualiza informações em tempo real para auxiliar operações do Ibama ― foram divulgados nesta terça-feira (14), pelo Inpe e trazem número maior do que o destacado pela HRW. A área com alertas de desmatamento na Amazônia Legal, em 2019, aumentou 85,3%, na comparação com o ano de 2018.
Divulgados pela plataforma Terra Brasilis, os dados mostram que, de janeiro a dezembro do ano passado, a área com alertas chegou a 9.165,6 km². O número, em 2018, foi de 4.946,37 km².
Estudo da HRW enfatiza que, sob Bolsonaro, as redes que promovem o desmatamento na Amazônia estão envolvidas em crimes como a extração ilegal de madeira, grilagem, fraudes, lavagem de dinheiro e corrupção.
A HRW diz que esses grupos usam homens armados para intimidar e atacar “defensores da floresta”, inclusive agentes federais e indígenas ― e destaca o assassinato, em novembro de 2019, do “guardião da floresta”, Paulo Paulino Guajajara. Ele foi morto em emboscada feita por madeireiros na Terra Indígena Arariboia, em Bom Jesus das Selvas, no Maranhão.
O relatório destaca que a destruição da Amazônia não é “meramente uma questão ambiental, mas um problema de segurança pública e justiça”, e diz considerar urgente que o Ministro da Justiça, Sérgio Moro, se manifeste sobre o tema e “assuma sua responsabilidade de combater a ilegalidade na região.”
“O Ministro Sérgio Moro determinou como prioridade de sua gestão o combate ao crime organizado e à corrupção. Esses crimes são elementos centrais da dinâmica que está impulsionando a destruição desenfreada da Amazônia”, afirma Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil.
A HRW afirma que, nos próximos dias, tem uma reunião marcada com o ministro para discutir as ações do governo federal de combate à criminalidade na Amazônia. Há também reuniões agendadas com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e outras autoridades não especificadas. “O que o Brasil precisa urgentemente para enfrentar essa crise é que seu Ministro da Justiça lidere uma resposta enérgica, em coordenação com as demais autoridades federais e estaduais, para desmantelar as redes criminosas que lucram com o desmatamento ilegal e que intimidam e atacam os defensores da floresta.”
Ainda sobre meio ambiente, a HRW destaca que o governo aprovou 382 novos agrotóxicos restritos ou proibidos na Europa e Estados Unidos pelo nível de toxicidade. E aponta que o governo não monitora adequadamente a exposição a estas substâncias e a presença de resíduos na água e em alimentos.
Dentro do tópico sobre “Liberdade de expressão e de associação”, o relatório também destaca que “Bolsonaro tem sido abertamente hostil às organizações não-governamentais particularmente aquelas que defendem o meio ambiente e os direitos dos povos indígenas”.
Em janeiro, o governo conferiu à Secretaria de Governo o poder de supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar” ONGs, mas o Congresso revogou esse poder.
Em 2019, abusos policiais dificultaram o combate à criminalidade porque, segundo a HRW, estas ações “desencorajam as comunidades a denunciarem crimes ou a cooperarem com as investigações”.
Estes abusos, que não são especificados no estudo, contribuem para um ciclo de violência que prejudica a segurança pública e põe em risco a vida da população e dos próprios policiais. “Enquanto algumas das mortes provocadas por ação policial decorrem de legítima defesa, muitas outras resultam do uso ilegal da força”, diz o relatório.
O estudo aponta que, durante o governo Bolsonaro, só em São Paulo, as mortes por policiais em serviço aumentaram 8% de janeiro a setembro de 2019. Já no Rio de Janeiro, a polícia matou 1.402 pessoas de janeiro a setembro, o maior número já registrado para esse período. Os dados compilados pela organização são do relatório realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Declarações do presidente Bolsonaro e ações do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel sobre o tema são destacadas, e é apontado que ambos têm incentivado a polícia a executar suspeitos. Em agosto, o presidente afirmou que os criminosos deveriam “morrer na rua igual baratas”.
Em setembro, quando Agatha Felix, de 8 anos, foi morta por um policial durante operação no Complexo do Alemão, Witzel mudou sistema de bonificação a policiais que tinha como régua a diminuição de mortes causadas por ações policiais no Rio.
Sobre condições carcerárias, o relatório destaca dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Segundo o órgão, mais de 830 mil adultos estavam em prisões brasileiras e mais de 40% deles aguardavam julgamento ― número este que excede a capacidade máxima as instalações prisionais em 70%.
Devido à superlotação e ligação com facções criminosas, o estudo chama atenção para o dado de que, só em 2019, detentos mataram 117 outros presos em cinco prisões do Amazonas e do Pará.
Dados oficiais destacados pela HRW também revelam que, apesar de decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre prisão preventiva em vez de prisão domiciliar para mulheres grávidas, em julho de 2019 mais de 5.100 mulheres com direito a prisão domiciliar ― 310 delas grávidas ― continuavam presas aguardando julgamento.
Quando o assunto são os direitos da população LGBT, a HRW aponta que, em 2019, Bolsonaro fez declarações homofóbicas e buscou restringir os direitos desta população.
O estudo destaca três situações. Em abril, afirmou que o Brasil não deveria se tornar um “paraíso do turismo gay”. Em agosto, disse que as “famílias são apenas aquelas constituídas por um homem e uma mulher”. Em setembro, edital de financiamento público da Ancine que contemplaria projetos de temática variada, entre elas, a LGBT, foi criticado nominalmente pelo presidente e, em seguida, suspenso pelo Ministério da Cidadania.
Segundo o relatório, o presidente demonstra ter a intenção de impedir que crianças no Brasil tenham acesso à uma educação sexual integral. Em março, Bolsonaro pediu ao Ministério da Saúde que publicasse um ofício afirmando que a caderneta de saúde do adolescente teria sua distribuição descontinuada, “até que se concluam avaliações” sobre o material.
Exemplares distribuídos em unidades básicas de saúde tinham informações sobre puberdade, sexo seguro e prevenção da gravidez precoce.
Bolsonaro também ordenou que o Ministério da Educação elaborasse um projeto de lei proibindo a chamada “ideologia de gênero” nas escolas, destaca o relatório. O termo, cunhado por religiosos, é usado de forma controversa e não é reconhecido por acadêmicos.
Ainda dentro do mesmo tema, o relatório destaca a orientação do governo Bolsonaro ao Itamaraty alterando o significado da palavra “gênero” associando-a apenas ao “sexo biológico: feminino ou masculino”. Gênero, por definição, não está atrelado ao sexo biológico e, sim, à como determinada pessoa se identifica.
Essa determinação chegou até a ONU. Em julho, o governo criticou uma resolução da ONU sobre violência contra as mulheres por incluir uma referência a “acesso universal a serviços de saúde sexual e reprodutivos”, declarando que essa menção pode dar margem à “promoção do aborto”, destaca o relatório.
Entre ataques verbais a meios de comunicação e a repórteres cuja cobertura não o agradou, o presidente Bolsonaro atacou repetidamente organizações da sociedade civil e a mídia, destaca a HRW. “Depois do destaque recebido pelo presidente, esses repórteres frequentemente sofreram assédio virtual”, aponta.
A HRW ainda afirma que, em setembro, o governo instou o Ministério Público a abrir uma investigação criminal “contra um site de notícias por conta da publicação de uma matéria que apresentava as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) sobre aborto legal”. O site em questão, foi a Revista Azmina, criada por jornalistas e com foco em direitos das mulheres.
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Redes criminosas na Amazônia ‘têm carta branca’ sob Bolsonaro, diz relatório da HRW - Instituto Humanitas Unisinos - IHU