08 Novembro 2019
"O problema do pré-sal não é apenas entregar nossas reservas na profundidade dos mares, porém, mais do que isso, é seguir apostando na produção de uma energia que vai sendo ultrapassada nesta nova revolução de um chamado tempo pós-industrial, onde o petróleo, as usinas nucleares, e as termoelétricas, irão sendo, aos poucos, disfuncionais", escreve Luiz Alberto Gomez de Souza, sociólogo.
Na ânsia de arrecadar fundos a qualquer preço, o governo decidiu vender ao custo que fosse as possíveis enormes reservas do petróleo nas profundidades do pré-sal.
Foram marcados dois megaleilões para os dias 6 e 7 de novembro. No primeiro dia, das quatro áreas, só foram vendidas duas, ao menor preço, uma, a de Búzios, adquirida pela Petrobras, com 10% de duas empresas chinesas e a outra, Itaipu, apenas pela Petrobras. As grandes empresas petroleiras ficaram de fora. Na prática, não houve concorrência e as áreas foram arrematadas pelo menor preço. No segundo dia, das 5 áreas, só uma teve lances, uma vez mais da Petrobras, com 10% de chineses. No primeiro dia arrecadaram 69.8 bilhões e no segundo 5.05 bilhões. O total de cerca de 75 bilhões ficou 65% abaixo do esperado. Um consultor da Wellingence Energy Analycts considerou “um amargo fracasso”, “um desastre total”. Já Bolsonaro, provavelmente sem dar-se conta do ocorrido, considerou “um sucesso”.
As grandes petroleiras, ou não quiseram correr riscos de reservas apenas potenciais, ou esperam melhor oportunidade, com o fim do sistema de partilha, que o governo Lula introduzira para uma maior defesa dos interesses nacionais. Uma observação do engenheiro Décio Oddone, ligado a grandes interesses, deixa entrever o que talvez esperam as grandes petroleiras: ”O fato da Petrobras ser a companhia que tem a prioridade para escolher a operação, inibe (!) a concorrência”.
O que União, estados e municípios deverão receber, será muito menor do esperado, com consequências nas políticas sociais e de infraestrutura.
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Mas há um problema de fundo em todo esse negócio do petróleo. Não estaremos saindo do tempo de um recurso não renovável e poluente, para desenvolver outras fontes de energia? Venezuela e países do golfo apostam tudo no petróleo. A crise do primeiro país mostra o perigo da monoprodução. Os países árabes, sentados em enormes reservas, têm desenvolvido sociedades a curto prazo ostentosas, mantendo uma cultura arcaica. Por projeções, a energia eólica e a solar já começam, aos poucos, a ser mais baratas, com melhores resultados para o meio ambiente.
E outras fontes também são fortemente postas em tela de juízo. Há um vasto e lúcido movimento contra a energia nuclear com seus enormes riscos, já sentidos em Chernobyl e Fukushima. Meu grande amigo e compadre, Chico Whitaker, é uma voz incansável nessa denúncia. E o governo, além, de querer seguir com Angra 3, tem um demente projeto de pequenas usinas nucleares no São Francisco. Dá para prever os enormes riscos que sofreria nosso São Chico.
Quanto à construção de enormes hidroelétricas, a crítica, entre outras, é sobre os incalculáveis perigos para a floresta e para as populações. No caso de Belo Monte, um megaprojeto, com o desaparecimento de vasta área na chamada Volta Grande, o bispo emérito do Xingu, o valente Erwin Kräutler, tem denunciado, com força, os efeitos negativos do mesmo.
O mundo do petróleo inunda os mares com enormes navios petroleiros. Temos o terrível resultado disso com o desastre ambiental na costa brasileira. Talvez um navio que saiu da Venezuela carregado de petróleo e que singrava até a Indonésia, passando pela África do Sul, deixou escapar no caminho toneladas de petróleo. Enorme desastre que pode continuar a repetir-se nessas enormes rotas petroleiras, várias delas piratas.
A rota da seda, no passado, unia nações e desenvolvia um grande comércio. Esta nova rota do petróleo, nas mãos das empresas petroleiras sem escrúpulos, pode poluir os oceanos. Também a exploração em alto-mar, caso do pré-sal, traz um risco de vazamentos nas águas profundas.
Seguir apostando na produção de petróleo, como o começo da revolução industrial baseou-se no carvão, é ir possivelmente na direção oposta das tendências históricas. As minas de carvão vão sendo abandonadas aos poucos. Deram o terrível resultado da carbonização das florestas europeias. Sair do tempo do petróleo exigirá coragem e visão de futuro.
Resumindo, o problema do pré-sal não é apenas entregar nossas reservas na profundidade dos mares, porém, mais do que isso, é seguir apostando na produção de uma energia que vai sendo ultrapassada nesta nova revolução de um chamado tempo pós-industrial, onde o petróleo, as usinas nucleares, e as termoelétricas, irão sendo, aos poucos, disfuncionais. A Petrobras, além de ter sido o palco de enorme corrupção, não há como negar, sinaliza uma centralidade empresarial baseada em uma energia que vai se tornando cada vez mais negativa ao novo desenvolvimento tecnológico emergente. Vamos apostando em novos paradigmas, onde outras fontes de energia têm lugar.
Confesso que essa crítica a uma civilização petroleira, que criou guerras e golpes de estado (ver guerras do Golfo, caso do Irã), me levou a revisar posições anteriores, ainda pouco sensíveis ao meio ambiente e baseadas num mundo industrial poluído e, aos poucos, historicamente superado. Voltando ao título, temos réquiem em duplo sentido: uma entrega irresponsável de uma enorme riqueza potencial, mas além disso, essa mesma riqueza já vai sendo questionada, nas próximas décadas, pelo desenvolvimento de outras fontes de energia mais limpas, em um novo mundo tecnologicamente inédito.
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Réquiem pelo pré-sal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU