Por: Jonas | 19 Agosto 2014
“Não esqueçamos que os mestres do novo califado do Oriente Médio não são tontos. Os limites de sua guerra se estendem muito além de nossos ‘mandatos’ militares. E eles sabem – ainda que não o admitamos – que nosso verdadeiro mandato inclui essa palavra indizível: petróleo”, adverte o jornalista Robert Fisk, ao tocar na questão de fundo do interesse norte-americano sobre o Oriente Médio, em artigo publicado por Página/12, 17-08-2014. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
No Oriente Médio, os primeiros disparos de cada guerra definem a narrativa que todos seguimos obedientemente. Do mesmo modo, esta grande crise, desde a última grande crise no Iraque. Os cristãos fogem por suas vidas? É preciso salvá-los. Yazidis morrendo de fome nas montanhas? Demos-lhes comida. Islamistas que avançam sobre Erbil? Vamos bombardeá-los. Bombardear seus comboios, “artilharia” e seus combatentes, e bombardear uma, duas até que...
Bom, a primeira pista sobre o prazo de nossa última aventura no Oriente Médio chegou no fim de semana, quando Barack Obama disse ao mundo – na mais encoberta “ampliação da missão” da história recente – que “não acredito que iremos resolver este problema (sic) em semanas, isto levará tempo”. Então, quanto tempo? Pelo menos um mês, obviamente. E talvez seis meses. Ou talvez um ano? Ou mais? Após a Guerra do Golfo de 1991 – ocorreram, na realidade, três desses conflitos nas últimas três décadas e meia, com outro em processo –, os estadunidenses e britânicos impuseram uma zona de “não voo” sobre o sul do Iraque e o Curdistão. E bombardearam as “ameaças” militares que descobriram no Iraque de Saddam para os próximos 12 anos.
Obama assentou as bases – a ameaça de “genocídio”, o “mandato” estadunidense por parte do impotente governo em Bagdá para atacar os inimigos do Iraque – para outra guerra aérea prolongada no Iraque? E caso seja assim, o que o faz – ou nos faz – pensar que os islamistas, ocupados em criar seu califado no Iraque e Síria, irão brincar neste cenário alegre? O presidente dos Estados Unidos, o Pentágono e o Comando Central – e, suponho, o infantilmente chamado comitê Cobra britânico – realmente acreditam que o ISIS (Estado Islâmico do Iraque e do Levante), apesar de sua ideologia medieval, se sentará nas planícies de Nínive para esperar ser destruídos por nossas munições? Não. Os rapazes do ISIS ou Estado Islâmico ou califado, seja lá como queiram ser chamados, simplesmente desviarão seus ataques para outras partes. Se o caminho para Erbil está fechado, irão tomar o caminho de Alepo ou Damasco, que os estadunidenses e os britânicos estarão menos dispostos a bombardear ou defender, porque isso significaria ajudar o regime de Bashar al Assad da Síria, a quem devemos odiar quase tanto como ao Estado Islâmico. No entanto, se os islamistas procurarem capturar Alepo, sitiar Damasco e empurrar para o outro lado da fronteira libanesa – a cidade mediterrânea de maioria sunita de Trípoli parece um objetivo chave –, seremos obrigados a ampliar nosso precioso “mandato” para incluir mais dois países, entre outras coisas porque bombardeariam a nação ainda mais merecedora de nosso amor e proteção que o Curdistão: Israel. Alguém pensou nisso?
E depois, é claro, está o inominável. Quando “nós” libertamos o Kuwait, em 1991, todos nós tínhamos que recitar – uma, duas vezes – que esta guerra não era pelo petróleo. E quando “nós” invadimos o Iraque, em 2003, novamente tivemos que repetir, até a saciedade, que este ato de agressão não era pelo petróleo - como se os marinheiros estadunidenses tivessem sido enviados à Mesopotâmia, cuja principal exportação eram os espargos -. E agora, enquanto protegemos a nossos queridos ocidentais em Erbil, socorremos aos yazidis nas montanhas do Curdistão e lamentamos as dezenas de milhares de cristãos que fogem das maldades do ISIS, não devemos – não fazemos isso e não faremos – mencionar o petróleo. Pergunto-me por que não. Não é, por acaso, importante – ou simplesmente um pouco relevante – que o Curdistão represente 43,7 bilhões de barris dos 143 bilhões de reservas do Iraque, assim como 25,5 bilhões de barris de reservas comprovadas e de três até seis trilhões de metros cúbicos de gás? Conglomerados de petróleo e gás globais surgiram em massa no Curdistão – daí, os milhões de ocidentais que vivem em Erbil, ainda que sua presença seja, em grande medida, inexplicável –, para investir mais de 10 bilhões de dólares.
Mobil, Chevron, Exxon e Total estão no local – e não permitiremos que o ISIS se meta com empresas como estas – em que os operadores de petróleo se caracterizam por concentrar 20% de todos os lucros.
De fato, relatórios recentes sugerem que a produção atual de petróleo curdo de 200.000 barris por dia chegará a 250.000, nos próximos anos – a disposição dos garotos do califado se mantém na linha, é claro –, o que significa, de acordo com a agência Reuters, que se o Curdistão iraquiano fosse um país real e não apenas um pedaço do Iraque, estaria entre os 10 países ricos em petróleo mais importantes do mundo. O que, sem dúvida, vale a pena defender. Porém, alguém mencionou isto? Algum repórter da Casa Branca incomodou Obama com apenas uma pergunta sobre este fato destacável?
Claro, nós sentimos pelos cristãos do Iraque - ainda que nos importassem bem pouco, quando sua perseguição começou após a nossa invasão de 2003 -. E devemos proteger as minorias dos yazidis, como prometemos – mas, falhamos –. Proteger ao 1,5 milhão de cristãos armênios de seus assassinos muçulmanos, na mesma região há 99 anos. Porém, não esqueçamos que os mestres do novo califado do Oriente Médio não são tontos. Os limites de sua guerra se estendem muito além de nossos “mandatos” militares. E eles sabem – ainda que não o admitamos – que nosso verdadeiro mandato inclui essa palavra indizível: petróleo.
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