30 Setembro 2019
Precisamos impedir mais esta insanidade. Daí a única força que impedirá mais este atentado à vida é a força do povo. O que significa a manifestação da maioria em dizer claramente: NÃO queremos, NÃO precisamos e NÃO vamos aceitar a instalação de usinas nucleares no Brasil, no Nordeste, em Itacuruba, escreve Heitor Scalambrini Costa, professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco, em artigo publicado por Congresso em Foco, 29-09-2019.
Uma forte ofensiva para a construção de novas usinas nucleares do país tomou fôlego no atual governo. Principalmente pelo fato de que quem está à frente do Ministério de Minas e Energia é um almirante da marinha brasileira, atuante na área nuclear, tendo sido coordenador do programa Brasil e França para construção de submarinos, inclusive dois deles movidos a energia nuclear.
Além disso, outro fator não declarado abertamente contribuiu para esta ofensiva, o grande interesse de setores militares-civis para que o Brasil tenha sua bomba atômica. Tecnologia não falta ao país para construção desse artefato bélico. A questão atual para ainda não contar com a bomba tupiniquim é de origem econômica, pois seria necessário tornar competitiva a extração do urânio e de toda cadeia produtiva associada. Com as seis usinas nucleares previstas, aumentaria assim a demanda desde a extração, as diferentes indústrias envolvidas no ciclo do combustível nuclear.
Pernambuco é a bola da vez para receber em seu território um complexo nuclear, composto por seis usinas, com uma potência instalada de 6.600 MW, a um custo total de 30 bilhões de dólares. O município “escolhido” foi o de Itacuruba, distante 470 km de Recife, na beira do Rio São Francisco. Conhecido como rio da Integração Nacional, banha sete estados, beneficiando com suas águas mais de 500 municípios, com 20 milhões de nordestinos dependendo direta ou indiretamente desse grandioso rio e de sua bacia hidrográfica.
Em Pernambuco, assim como em outros estados nordestinos, suas respectivas constituições estaduais vedam a instalação de usinas nucleares em seu território. O que seria um impeditivo legal para esta insanidade de nuclearizar o território brasileiro.
Mas isso não parece ser problema para aqueles que se tornaram cristãos novos na defesa deste empreendimento, cujo conteúdo do discurso contém meias verdades, e é capcioso, o que pode levar a população a cometer erros de avaliação em seu processo de discernimento e de formação de opinião.
Em Pernambuco, o recém convertido deputado estadual Alberto Feitosa tem se destacado na defesa das usinas nucleares, inclusive propondo uma emenda à constituição estadual (Nº 000009/19 de 24/9/2019), para alterar seu artigo 216, que veda usinas nucleares no território pernambucano. A redação proposta já induz a considerar a energia nuclear como uma fonte renovável, com suas vantagens intrínsecas. Má-fé ou mesmo ignorância total? A energia nuclear (minérios radioativos) não é uma fonte renovável de energia.
Difícil entender esta posição, pois os argumentos utilizados levam a confundir, e mesmo a iludir as pessoas. E que nada esclarecem e nem colaboram para o debate sério sobre o tema. Talvez a origem militar do nobre deputado tenha contribuído para este posicionamento, de alinhamento automático aos setores pró-nucleares. Talvez? Porque realmente, do tema conhece muito pouco, apesar de falar com toda retórica de um pseudoespecialista, formado a “toque de caixa” para desempenhar a sua função, no intrincado jogo de interesses que envolve os “negócios da indústria nuclear”.
Na justificativa para sua emenda constitucional, comete maledicências. Afirmando a competitividade da nucleoeletricidade, cujos custos para novos empreendimentos seriam hoje de R$ 480,00/MWh (MegaWatt-hora). Valor este já defasado, segundo o mais recente Relatório Anual da Indústria Nuclear Mundial (WNISR) que aponta para os custos da energia nuclear entre US$ 112 e US$ 189 por MWh. Enquanto a energia eólica se situa entre US$ 29 e US$ 56 por MWh, e a energia solar fotovoltaica entre US$ 33 e US$ 44 por MWh.
Na questão ambiental é uma verdadeira falácia dizer que a energia elétrica produzida pela usina nuclear não emite gases de efeito estufa (GEE). Não é dito ao cidadão que, para fabricar o combustível de uma usina nuclear, há uma série de processos, envolvendo várias indústrias: desde a mineração, beneficiamento, conversão, enriquecimento, fabricação das pastilhas de combustível, o descarte dos resíduos (reprocessamento e armazenamento). Além do processo de descomissionamento da usina depois de sua vida média de 50 anos. Todo este conjunto de atividades/processos emite os chamados GEE, e que devem ser levados em conta neste falso debate de que a energia nuclear é limpa.
Outro aspecto da soberba no discurso infundado dos prós é a tentativa de minimizar o máximo possível os riscos de acidentes em uma usina nuclear. Alguns mais fanáticos, mais irresponsáveis, chegam a afirmar a inexistência de risco de ocorrer um acidente, traduzido como vazamento de material radioativo para o ar, terra e água. Como verdadeiros “deuses” que tudo podem, e tudo sabem, na ânsia de defenderem o indefensável subliminarmente passam a ideia de que podem controlar a natureza.
Um exemplo que serviu de alerta foi em Fukushima. Lá natureza disse a que veio. Um terremoto em alto mar, provocando ondas gigantescas (tsunamis), inundou e destruiu a casa de força do complexo nuclear, cortando a energia elétrica que movia as motobombas para circulação da água do oceano, e assim deixando de refrigerar os reatores. Resultado provocado foi o derretimento de três reatores dos seis existentes, seguido do vazamento de uma extraordinária quantidade de material radioativo para a natureza, e como consequência as mazelas que este tipo de acidente provoca.
As perguntas que não querem calar são:
“Por que então vamos correr este risco de um acidente nuclear com vazamento de radiação no rio São Francisco, se não precisamos para atender nossa demanda por energia elétrica, e que hoje o nuclear somente contribui com 1,1% de toda potência elétrica instalada no país?”
“Por que recorrer a uma fonte de energia no mínimo polêmica, com alto grau de periculosidade, se dispomos em abundância de outras fontes fornecidas pela natureza, como Sol, vento, água e matéria orgânica (biomassa)?”
“Por que recorrer a uma fonte que produz energia cara, e que vai provocar mais ainda o aumento da fatura para o consumidor final?”
“Por que deixar para as gerações futuras o problema que ainda hoje é insolúvel, o que fazer com os resíduos, criados nas usinas nucleares, com elementos químicos que podem continuar emitindo altas doses de radiação por milhares de anos? Além das usinas gerarem artificialmente um isotopo do elemento químico plutônio, considerado o mais nocivo, o mais venenoso de tudo que existe no mundo?”
“Se a energia nuclear é cara, perigosa e poluente, qual o motivo para instalar estas usinas em nosso país, no Nordeste brasileiro, ao lado do rio São Francisco?”
A não ser que acreditemos ainda num discurso vazio, já “cansado”, que é o do desenvolvimento (?) para a região, a geração de empregos, de renda, blá, blá, blá. Essa ladainha já não convence mais os homens e mulheres de bom senso, de boa vontade, que escutam essa mesma ladainha para justificar empreendimentos que só beneficiam alguns (os de sempre) e trazem sérios prejuízos à maioria.
Precisamos impedir mais esta insanidade. Daí a única força que impedirá mais este atentado à vida é a força do povo. O que significa a manifestação da maioria em dizer claramente: NÃO queremos, NÃO precisamos e NÃO vamos aceitar a instalação de usinas nucleares no Brasil, no Nordeste, em Itacuruba.
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Vendedores de ilusão: Caso da usina nuclear em Pernambuco. Artigo de Heitor Scalambrini Costa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU