24 Outubro 2019
Seja por intervenção divina, seja por sorte simplesmente, tenho a alegria de partilhar a amizade com muitos jesuítas, a começar por aqueles do tipo bondoso e generoso que conheci nos anos de faculdade na Spring Hill College, no Alabama.
Por mais de trinta anos, lecionei direito na Universidade de Georgetown, onde conheci o padre jesuíta Robert Drinan. Dando aulas na graduação, passei convivi com os jesuítas Richard McSorley, Horace McKenna, Leo O’Donovan e Charles Currie.
O relato é de Colman McCarthy, diretor do Center for Teaching Peace, em Washington, e autor de Opening Minds, Stirring Hearts: The Peace Studies Class, publicado por National Catholic Reporter, 19-10-2019. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Lembro ainda do padre jesuíta William Rewak, ex-reitor da Universidade de Santa Clara e que trabalhou também na Spring Hill. Certa vez, tive a oportunidade de fazer uma visita ao padre jesuíta Dan Berrigan em seu apartamento em Nova York.
Todos estes jesuítas eram homens apaixonados, comprometidos em usar criativamente os dons que tinham para a promoção da paz.
E temos também o padre jesuíta Angelo D’Agostino. A sua história de vida, como a de nenhum outro, me vem à mente nestes dias por estar descrita nas páginas da biografia recém-publicada de 498 páginas intitulada “Dag: Savior of AIDS Orphans”, de Joseph R. Novello. Em uma prosa bem-humorada, entrelaçada com fatos e convicções, Novello apresenta o retrato de um padre talentoso que, com sucesso, uniu espiritualidade a uma persistência em seguir em frente, não importando quais fossem os obstáculos.
Novello é médico com mais de quatro décadas na área da psiquiatria infantil e adolescente em Washington. Ele envolveu aproximadamente 150 pessoas em 450 entrevistas. Nelas, todos os participantes chamavam D’Agostino pelo apelido: Dag. Para Novello, era uma relação de 31 anos que começou em 1975 e terminou com a morte de Dag em 2006.
O seu falecimento, aos 80 anos, foi em Nairóbi, no Quênia, onde, em 1992, havia fundado o Nyumbani – termo suaíle para “lar” –, o primeiro orfanato na África para crianças portadoras de HIV positivo, segundo o livro. Três bebês seriam os primeiros a serem acolhidos. Na sequência, viriam outras centenas de crianças.
Em 1981, Pedro Arrupe, superior geral da Companhia de Jesus, pediu que Dag deixasse o conforto da vida em Washington e fosse para Nairóbi fazer o trabalho de um missionário como parte do Serviço Jesuíta (a Migrantes) e Refugiados.
Essa tarefa é uma das muitas viradas inesperadas na vida de Dag. Em Nairóbi, ele viu de perto uma realidade que não parece nenhum pouco com a comunidade de Providence, onde ele cresceu, no estado de Rhode Island, nem nos anos de psiquiatra após frequentar a Universidade Tufts, em Massachusetts, tampouco nos onze anos que o levaram à ordenação sacerdotal aos 40 anos de idade. Sobre os pensamentos de Dag ao testemunhar grupos de crianças passando o tempo em um parque em Nairóbi, Novello escreve:
“Estas crianças deveriam estar em casa fazendo as lições da escola para o dia seguinte. Mas aqui estão, esqueléticas, famintas, desesperadas (...) Embora sendo verdade que o Quênia esteja sofrendo uma forte crise econômica e que o salário médio é provavelmente inferior a um dólar por dia, o que se passa vai além da simples pobreza. Estas crianças estão por conta própria. Onde estão os seus pais?”
Dag “testemunhou, em primeira mão, os efeitos cruéis da epidemia de HIV/AIDS na capital do Quênia”.
Uma outra virada inesperada faria Dag, depois de concluir a faculdade de psiquiatria, apaixonar-se por uma enfermeira, mas então, impaciente, rompeu a relação porque ela queria aguardar um ano antes de casar. Uma outra virada, ou o que Novello chama “ser lançado para uma outra experiência”, foi mudar da urologia para a área cirúrgica.
E haveria mais ainda. Em 1954, Dag foi para a casa de retiros jesuíta Manresa, em Maryland. Espiritualmente tocado pela experiência, e depois de um ano de reflexão, D’Agostino entrou para o noviciado jesuíta de St. Isaac Jogues, em Wernersville, na Pensilvânia.
Tendo um médico nas fileiras acabou levando o mestre do noviciado a sugerir, com ênfase, que Dag mudasse da área cirúrgica para a psiquiatria. Ele pôde trocar de faculdade no terceiro ano de estudos e foi para a faculdade médica da Universidade de Georgetown, onde começou a sua residência em psiquiatria, que incluía psicanálise e deitar-se sobre um sofá cinco vezes por semana enquanto um companheiro psiquiatra acompanhava as sessões. Assim, Novello se pergunta:
“A psicanálise mudou Dag? Certa vez ele brincou que a única mudança que veio daí foi que ‘eu costumava a ser republicano e membro da AMA; agora sou um democrata e participo da American Civil Liberties Union’”.
Nos anos anteriores de sua ida para o Quênia, Dag vivia na comunidade jesuíta da Universidade de Georgetown. Eu o conheci e passei a admirá-lo na década de 1970; em abril de 1982, escrevi uma coluna no The Washington Post sobre ele e seu trabalho na África. Ele tinha um trabalho promissor. Cheguei a conhecer alguns de seus pacientes que faziam questão de dizer, nos jantares na Georgetown, que eram pacientes do Pe. Dag.
Capa do livro de Joseph R. Novello
Foto: Divulgação
Fico feliz em confirmar que Novello acertou ao escrever que Dag “cresceu acostumado a ser um espírito livre. Ele veio e foi conforme escolheu ser. Tinha um conjunto diverso de amigos por toda a cidade de Washington, DC. Sempre havia alguém para dar um telefonema, algum lugar para ir. Os seus telefonemas de última hora a amigos com a finalidade de se convidar para jantar tornaram-se lendários. ‘E aí, é o Dag. Tudo certo se eu for jantar na sua casa?’ Ele nunca teve um não como resposta”.
Na estrada, andava com placas personalizadas: SJ MD. Mais de uma vez, desfrutei de uma noite em uma casa onde, depois de um jantar regado a parmesão com fettuccine, Dag celebraria uma missa na sala de estar ou no quintal, com um pedaço de pão italiano como hóstia consagrada.
O valor da pesquisa de Novello está na revelação de que Dag dedicou-se a angariar fundos e a promover a conscientização em torno do projeto Nyumbani, e que sabia como atuar no sistema político de Washington. Em audiências no Senado e o Congresso ele falou sobre a epidemia de Aids.
Fez amizade com os – e ganhou o apoio dos – senadores Jesse Helms, da direita, Patrick Leahy, da esquerda, sempre ciente de que estes ajudariam na obtenção de fundos para o Nyumbani. Novello escreve que, junto de auxílios concedidos pela USAID, “Nyumbani cresceu de uma casa alugada no centro de Nairóbi para uma organização internacionalmente financiada, com um orçamento operacional perto de 3 milhões de dólares e uma equipe de 130 pessoas”.
Novello cita Leahy: “Sempre que Dag vinha em meu escritório, eu queria me esconder. Eu sabia que ele queria algo e que eu teria de ajudá-lo a conseguir. Mas nunca era para ele mesmo. Era para as crianças no Quênia. Não havia como recusá-lo”.
O mesmo diz o senador Dennis DeConcini, do Arizona: Dag “era um buldogue, e um santo”.
Exagero? Será? Dag, um santo? Uma organização sem fins lucrativos em Roma está agora solicitando ao Vaticano para que tome os primeiros passos para que isso aconteça. Fiquemos todos atentos a este milagre.
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A vida inesperada de Angelo D’Agostino, jesuíta, psiquiatra e missionário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU