07 Mai 2018
"Aqueles que querem ler apenas um livro sobre Berrigan não precisam continuar procurando", escreve William O'Rourke, professor emérito de inglês na Universidade de Notre Dame, ao comentar o recente livro de Jim Forest, intitulado At Play in the Lion's Den: A biography and Memoir of Daniel Berrigan (Brincando na Cova dos Leões: Uma Biografia e Memórias de Daniel Berrigan, em tradução livre), no artigo publicado por National Catholic Reporter, 04-05-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
At Play In The Lion's Den: A biography and Memoir of
Daniel Berrigan - Jim Forest (Orbis Books, 352 p.)
O luto estava presente num sereno 06 março, em 2016, antes da missa fúnebre do padre jesuíta Daniel Berrigan na Igreja de São Francisco Xavier, no bairro Greenwich Village em Nova York. Berrigan, ativista da paz e da justiça social, morreu no dia 30 de abril de 2016, aos 94 anos.
Uma "biografia com memórias" faz o dobro do dever para qualquer autor. No entanto, em geral, há mais biografia no novo livro de Jim Forest do que memórias. Na verdade, quando terminei de ler, conhecia mais sobre o padre jesuíta Dan Berrigan do que do próprio autor. E eu já sabia um pouco sobre Berrigan. Memórias não vêm da memória, mas de memorandos, do registro de eventos importantes, e Forest, que já trabalhou com Berrigan, apresenta a uma boa quantidade de eventos em que dois estavam juntos. Mas, como a fotografia em sua capa mostra, este é o livro de Berrigan.
Se alguém quiser ler apenas um livro sobre Dan Berrigan, At Play In the Lion’s Den é ele. E o leitor estará lendo muitas coisas ao mesmo tempo: uma história do radicalismo católico dos últimos 50 anos, um resumo de muitos livros que Berrigan escreveu, uma cronologia da história social da Igreja Católica, dos jesuítas na América, entre outros. Em geral, o volume equivale a um compêndio, incluindo fotografias e trechos de outras literaturas.
Por quase 50 anos, o nome Berrigan era mais frequentemente plural. Era Dan e Phil, os Berrigans, desde que ambos apareceram em Catonsville, Maryland, em 1968, para queimar arquivos. Esse se tornou o ponto inicial do novo movimento católico de esquerda do período. As razões são muitas: o sucesso da peça de 1970 que Dan escreveu sobre o julgamento em que foi condenado, usando a transcrição como base; o filme sobre o caso que apareceu não muito tempo depois; o simbolismo inerente da pequena imolação que os nove participantes provocaram, ecoando a guerra [Vietnã, ndt] que protestaram contra e seus próprios motivos religiosos. Um livro detalhado intitulado The Catonsville Nine: A Story of Faith and Resistance in the Vietnam Era (Catonsville Nine: Uma história de Fé e Resistência na era do Vietnã) foi lançado em 2012.
Foi difícil de superar, mas muitas outras ações seguiram. O documentário de 2013 "Hit & Stay" é o registro mais completo deste setor do movimento anti-Vietnã. Foi um tempo conturbado. Forest, que fazia parte do Milwaukee 14, cobre um bom pedaço deste terreno, mas o que é ainda mais esclarecedor é a maneira como trata da infância de Berrigans: os anos de sua formação jesuíta, um longo processo, e, os últimos 20 anos de sua vida, acalmado por sua idade e pelo endurecimento da cultura. A última aparição de Berrigan em um protesto foi no parque Zuccotti, durante o Occupy Wall Street em 2011. Ele estava lá, embora não falasse. (Forest cita Joe Cosgrove: "o testemunho de Dan não poderia ter sido mais barulhento.")
Padre jesuíta Daniel Berrigan
Foto: Acervo Catholic News Service
No caso de Philip, foi o seu período no exército. No caso de Dan, foram os jesuítas, que o enviaram para a França, Tchecoslováquia e América do Sul quando jovem. Um dos grandes danos do Vietnã, a guerra que concentrou a fama dos Berrigans, foi que não houve grande alargamento ou esclarecimento da jovem geração de homens que lutaram nela.
Mas Berrigan falou muito ao longo de sua vida. Anterior a Catonsville, Dan, como qualquer número de homens de sua geração, passou da mais provinciana educação - família pobre, pai abusivo - para se tornar uma figura mundana. A chamada Greatest Generation (Melhor Geração) foi melhor porque, lamentavelmente, a Segunda Guerra Mundial levou tantos americanos comuns: os arrancou de terrenos paroquiais, e os introduziu no vasto mundo.
O livro de Forest é consistentemente interessante mesmo para aqueles, como eu, que sabem muito sobre o biografado. É o lado íntimo da parte das "memórias", bem como as partes sobre os amigos de Berrigan: Thomas Merton e Dorothy Day, em particular. O retrato de Merton feito por Forest é especialmente revelador.
Houve altos e baixos por toda a carreira de Dan e Phil Berrigan como manifestantes profissionais. O pior momento foi o julgamento de Harrisburg 7, movimento que nem fora iniciado por eles. O julgamento foi produto de J. Edgar Hoover e seu FBI, que transformou em um caso federal o informante que dividiu prisão com Phil, disposto a cooperar, e o seu caso amoroso com Elizabeth McAlister. Foi uma grande colisão frontal na progressão e reputação da esquerda católica.
Dan, na maior parte livre dos danos colaterais do caso de Harrisburg (ele foi acusado uma vez como um co-conspirador não indiciado), associado a algumas controvérsias infelizes, foi deslocado primeiramente em 1973 para países árabes e para Israel. Ele, para não falar só coisas boas, atacou os judeus. Forest passa por este material com cuidado, embora ele não se debruça sobre muitos materiais históricos relacionados à Igreja Católica do início do século XX. Dan parecia despreparado, dada a sua falta de familiaridade com Israel na época, coisa que ele conseguiu acertar depois.
Dado os aliados naturais da esquerda anti-guerra, este afastamento diminuiu sua influência por um curto período. (Mesmo assim, a atual extrema esquerda, para o bem ou para o mal, ecoa a maior parte de sua crítica.)
Eles haviam ganhado terreno moral com grupos ativistas anti-Vietnã, e Hoover procurou batê-los para fora de seu pedestal. As cartas contrabandeadas e duplicadas de Phil Berrigan e McAlister deram-lhes toda munição necessária, e embora os promotores do governo perderem o caso (júri suspenso em contagens importantes, condenações de McAlister e Berrigan em contagens menores que foram posteriormente anuladas), a intenção de Hoover foi alcançada.
A segunda colisão foi a clara postura anti-aborto ao mesmo tempo em que o segundo levante do feminismo estava acontecia. Mais uma vez, para as coalizões políticas de esquerda, isso continua sendo hoje uma equação ácida: Pró-vida = presidente Donald Trump.
A rivalidade de irmãos entre Phil e Dan, muitas vezes comentada, em certo momento foi direcionada para o casamento de Phil com McAlister. Dan, sozinho, sabia do casamento antes da notícia sair, durante a preparação para o julgamento de Harrisburg. Mas ele nunca foi capaz de inteiramente aceitá-lo, em função de seu profundo sentimento mantido por seu irmão. Forest cita uma carta de Dan para Phil: "Eu não estava, naturalmente, de forma alguma, preparado para isso. Como eu poderia estar?” Para Dan pareceu uma traição. Ele não compreendia completamente as razões de seu irmão, uma vez que elas estavam tão distantes da lealdade de Dan aos votos jesuítas.
Padre jesuíta Daniel Berrigan (dir.) e o ator Martin Sheen (terceiro da direira para esquerda) no protesto anual da Escola das Américas, em 1999, no Fort Benning, Geórgia (Foto: Catholic News Service)
Foi uma traição para muita gente no, agora velho, novo movimento católico de esquerda. Mas entre os muitos encantos do valioso livro de Forest estão as fotografias que abundam nas margens. E na página 219 o leitor verá uma fotografia de Phil Berrigan e Liz McAlister e dois de seus filhos jovens. Ambos os adultos parecem muito felizes.
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Na cova dos leões: detalhes da vida de Daniel Berrigan - Instituto Humanitas Unisinos - IHU