“Aqueles rosários arrancados da devoção por pura propaganda”. Entrevista com Antonio Spadaro

Mais Lidos

  • “Devemos redescobrir Deus através do mistério”. Entrevista com Timothy Radcliffe

    LER MAIS
  • Padre brasileiro acusado de cisma enfrenta procedimentos canônicos

    LER MAIS
  • Vattimo, cristianismo, a verdade. Artigo de Flavio Lazzarin

    LER MAIS

Newsletter IHU

Fique atualizado das Notícias do Dia, inscreva-se na newsletter do IHU


Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

22 Agosto 2019

"O poder procura sujeitar a religião a sugar seu sangue, sua força vital. Desta forma, o cristianismo é reduzido a uma "parte" ou um "partido". Na consciência do cidadão e do crente isso sempre cria feridas que acabam se transformando em infecções que infectam tanto a Igreja quanto o Estado", afirma Antonio Spadaro, padre jesuíta, diretor da revista Civiltà Cattolica.

A entrevista é de Paolo Rodari, publicada por La Repubblica, 21-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.

Segundo Spadaro, "hoje o crucifixo é usado como um sinal de valor político de maneira inversa comparado ao que estávamos acostumados: se antes se dava a Deus o que teria sido bom permanecer nas mãos de César, agora é César quem empunha e desfralda o que é de Deus, às vezes até com a cumplicidade de alguns clérigos".

Eis a entrevista.

Padre Antonio Spadaro, diretor da Civiltà Cattolica, Conte na Assembleia pediu para evitar unir símbolos políticos com símbolos religiosos, o senhor concorda?

Conte (Giuseppe Conte, primeiro ministro italiano, atualmente demissionário. Nota de IHU On-Line) afirmou que combinar símbolos religiosos com símbolos políticos é um ato de "inconsciência religiosa". Fiquei impressionado com essa expressão. Nós assistimos a uma manipulação de rosários, crucifixos, imagens caras à devoção dos crentes, que foram arrancadas de seu contexto para serem submetidas à propaganda. Conte observou o duplo risco: ofender os sentimentos dos crentes e ofuscar o princípio da laicidade, que é um traço característico do estado moderno. São afirmações inteiramente compartilháveis porque tendem a proteger tanto a consciência dos fiéis quanto a laicidade do Estado, que não é confessional.

Salvini evocou novamente João Paulo II e mostrou um rosário. Por que tal necessidade?

Justamente São João Paulo II, por exemplo em um de seus importantes discursos de 1993, lembrou como o cristianismo havia reconhecido "desde as suas origens uma saudável laicidade das estruturas da sociedade civil, favorecendo a distinção fundamental entre a ordem temporal e a ordem espiritual". Para ele, o reconhecimento da liberdade de religião surgiu da atitude assumida pelo cristianismo sobre a laicidade do estado. O ensinamento dos Pontífices sucessivos, Bento e Francisco, foi coerente. Bento XVI, em Deus Caritas est, destacou como "a distinção entre o que é de César e o que é de Deus" pertence à estrutura fundamental do cristianismo.

No entanto, hoje vemos que as forças soberanistas precisam se fundar também sobre a religião para se imporem. Acontece não apenas no mundo cristão. O poder procura sujeitar a religião a sugar seu sangue, sua força vital. Desta forma, o cristianismo é reduzido a uma "parte" ou um "partido". Na consciência do cidadão e do crente isso sempre cria feridas que acabam se transformando em infecções que infectam tanto a Igreja quanto o Estado.

Renzi (Matteo Renzi, ex-primeiro ministro italiano) citou o Evangelho de Mateus. Antigamente os políticos denunciavam a interferência da Igreja, aqui parece acontecer o oposto.

O símbolo religioso tem sentido se comunica o seu conteúdo. A passagem de Mateus 25 citada pelo senador afirma: "Eu tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me... ". Este é o Evangelho de Jesus que revela a mistificação. E é verdade, hoje o crucifixo é usado como um sinal de valor político de maneira inversa comparado ao que estávamos acostumados: se antes se dava a Deus o que teria sido bom permanecer nas mãos de César, agora é César quem empunha e desfralda o que é de Deus, às vezes até com a cumplicidade de alguns clérigos.

O senhor, depois de ter postado imagens de Maria náufraga no mar, foi atacado. Assim querem atingir também o Papa e seu magistério?

Francisco com sua mensagem radicalmente evangélica resulta incômodo. Mas, na realidade, o que é incômodo é o Evangelho. Eu postei aquelas imagens porque o então Ministro do Interior (Matteo Salvini, do partido Lega) agradeceu oficialmente a Nossa Senhora pela aprovação do Decreto Sicurezza bis. Mas o crente sabe bem que a devoção mariana sempre esteve associada à salvação dos navegantes e dos náufragos, independentemente de quem fossem. Por exemplo, Nossa Senhora do "Porto Salvo". O manto azul de Maria sempre foi evocado como um salva-vidas. Os ex votos testemunham isso. Eu simplesmente queria deixar evidente o absurdo.

Civiltà Cattolica sempre se destacou pela lucidez de seu juízo sobre os eventos do país. Como acredita que esta crise deva ser resolvida?

Nós temos total confiança no discernimento de Mattarella (Sergio Matarella, atual presidente italiano). Estamos em um momento decisivo: é impossível negar isso. O que importa hoje é o bem comum e a salvaguarda da nossa democracia.

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

“Aqueles rosários arrancados da devoção por pura propaganda”. Entrevista com Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU