21 Agosto 2019
Hong Kong vive sua pior crise política das últimas décadas. Há semanas, as ruas da região administrativa especial da China estão tomadas por manifestantes. A classe política é encurralada por uma polêmica de dimensão internacional e as autoridades são questionadas pela forma como reprimem os protestos, que chegaram ao aeroporto, o oitavo maior do mundo.
A reportagem é de Cecilia de la Serna, publicada por The Objective, 16-08-2019. A tradução é do Cepat.
Hong Kong é, juntamente com Macau, uma das duas regiões administrativas especiais que existem na República Popular da China. O Reino Unido concordou em transferir o que até o momento era uma colônia britânica, em 1997, com a condição de que a China preservasse os sistemas econômicos e políticos capitalistas necessários para seu desenvolvimento, nas próximas cinco décadas, ou seja, até 2047. Começava, então, o famoso método de "um país, dois sistemas", que governa até hoje em dia, entre a primeira potência comunista do mundo e um dos centros financeiros - símbolo do capitalismo – mais importantes do planeta.
É importante entender a história mais recente de Hong Kong para entender a razão desses protestos que contam com a participação de quase um terço da população. A região administrativa especial conta com separação de poderes, coisa que não existe na China e, portanto, tem um chefe executivo que atua como presidente. Quando os protestos começaram - e, de momento, até agora -, Carrie Lam era a chefe-executiva de Hong Kong. Lam impulsionou uma lei de extradição para a China que abriu a possibilidade de extraditar seus cidadãos para a China continental e ameaçava o sistema de "um país, dois sistemas" e a independência judicial na região.
Embora Carrie Lam tenha anunciado a retirada da polêmica lei de extradição para mitigar os protestos - especialmente diante da crescente pressão internacional -, os manifestantes não pararam de ir às ruas. Exigem agora a retirada definitiva do projeto – pois não confiam nele -, bem como a renúncia de Carrie Lam, apoiada pelo regime de Pequim. Exigem também que se retire do protesto de 12 de julho a qualificação de "revolta" - que poderia acarretar sentenças de até 10 anos de prisão para os réus –, que os manifestantes detidos sejam libertados e que se investigue a atuação policial durante os protestos. Outra exigência é a implementação do sufrágio universal total, que hoje em dia é parcial.
Hong Kong é uma cidade ultrainteligente. A tecnologia é aplicada em campos tão diversos quanto o transporte, o meio ambiente e, é claro, a segurança. É por isso que os protestos em Hong Kong estão sendo os mais vigiados das últimas décadas e os manifestantes precisam forçar a imaginação para bloquear e hackear as tecnologias das forças e corpos de segurança. Aqui, seguem algumas técnicas que estão usando:
Os sistemas de reconhecimento facial usados pela polícia em Hong Kong estão entre os mais avançados do planeta. Os manifestantes, com o objetivo de evitar as câmeras, usam de tudo: óculos, capacetes, cachecóis, câmeras anti-gás... Mas, o que causou mais curiosidade no mundo tem sido o uso de ponteiros laser.
Os manifestantes apontam para a polícia com seus ponteiros laser para dificultar sua visão e para as câmeras para evitar o reconhecimento facial. O medo de que a China esteja usando o reconhecimento facial para reconhecer, localizar e deter manifestantes está cada vez maior. O fato de a polícia ter passado a considerar os ponteiros como armas e a deter todos aqueles que os portarem pode confirmar essa teoria.
Qual método de pagamento poderia impedir a polícia de rastrear as atividades e rotas realizadas pelos manifestantes? Claramente, um muito rudimentar: pagamento em dinheiro. O cartão Octupus é o método de pagamento mais comum na rede de transportes da cidade, algo como o nosso bilhete de transporte, mas também permite o pagamento em muitas lojas. No entanto, as autoridades têm acesso aos registros de viagem desses cartões, então os manifestantes optaram por deixá-los em casa.
O pagamento com cartão não é uma boa ideia, pois também é registrado. Portanto, a melhor opção é quase obsoleta: dinheiro. Na verdade, os manifestantes ajudam uns aos outros e é possível ver montantes de dinheiro divididos pelas estações para pagar a viagem de volta para casa. Uma maneira perfeita de impedir que a polícia rastreie os movimentos dos manifestantes.
Se evitar que a polícia identifique e localize os manifestantes é importante, evitar que intercepte suas comunicações é crucial. Em manifestações icônicas da última década, como as do 15-M, na Espanha, e a Primavera Árabe, vimos a importância das redes sociais para a organização e disseminação de protestos. Mesmo em Hong Kong, na onda de protestos em 2014, os manifestantes usaram o Facebook e o Twitter para se organizar. Hoje, porém, os evitam a todo custo.
Usam principalmente o Telegram, um aplicativo de mensagens famoso por sua segurança de criptografia. No entanto, após a detenção e prisão de vários manifestantes que faziam uso do Telegram, ele deixou de ser um local seguro.
A comunicação por proximidade, como os sistemas bluetooth e o sistema Apple AirDrop, está se tornando um canal fundamental para a organização das manifestações e a difusão de mensagens. Também canais e fóruns onde o anonimato é protegido.
Além disso, os manifestantes aprenderam a desativar as funções de reconhecimento facial e impressão digital de seus telefones, ou seja, dos dados biométricos. Isso impede que as autoridades tenham acesso a seus telefones celulares se forem presos. Também recomendam não usar smartphones provenientes da China continental, especialmente os da marca Huawei.
Outro método importante para os manifestantes se movimentarem livremente é a compra de cartões pré-pagos para acessar a internet, sem serem identificados. Também não utilizam redes públicas de WiFi, nem as ferramentas de geolocalização de seus telefones.
Os protestos de Hong Kong são um exemplo claro da luta pelos direitos humanos de uma população que não quer renunciá-los. É por isso que qualquer precaução é pouco. A imaginação para poder ir contra o Big Brother do futuro que já está aqui.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Hong Kong na onda dos protestos do futuro. Assim burlam a polícia tecnológica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU