23 Julho 2019
Numa demonstração de que não tolera o dissenso, Jair Bolsonaro deu uma canetada e excluiu a participação da sociedade civil do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, o Conad. O decreto publicado ontem no Diário Oficial defenestrou os especialistas indicados por conselhos profissionais – um médico, um psicólogo, um enfermeiro, um assistente social e um educador –, além dos representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, da OAB e da UNE. Daqui para frente, só o governo tem voz na discussão: serão ao invés de 31 integrantes, 14 autoridades. Na composição, há assento para dois ministros: Sergio Moro, da Justiça – pasta a qual o Conad está vinculado – e se você pensou no nome ‘Osmar Terra’ acertou; é claro que o ministro da Cidadania não ficaria de fora.
A informação é publicada por Outra Saúde, 23-07-2019.
E é pelo passado de Terra que dá para medir o tamanho do autoritarismo de Bolsonaro. Em 2018, contamos nesta reportagem como ele, que ocupava o cargo de ministro do Desenvolvimento Social e Agrário no governo de Michel Temer, basicamente sequestrou o Conad com o intuito de subverter recomendações sobre a política de drogas – na linha do PL de sua autoria que o Congresso aprovou este ano e virou lei. Mas o que fez Terra? Ou, pelo menos, o que ele pôde fazer naquela circunstância? Manobrar regimentalmente. Jogar com as datas das reuniões, mudar a pauta acordada previamente. Ele tinha maioria no Conad, e as mudanças que queria passaram, mas teve de lidar com vozes discordantes – vindas da sociedade civil.
Sob Bolsonaro, nem Terra, nem nenhum outro ministro precisa mais afetar modos democráticos. A régua, agora, é outra. “O que preocupa é que esta não é uma medida isolada. O governo Bolsonaro tem feito isso, o desmonte, em vários conselhos, como no Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), por exemplo. Trata-se da insistência em políticas governamentais anticientíficas”, disse o neurocientista Sidarta Ribeiro, que representava a SBPC no Conad em entrevista à Veja. “Agora, trata-se de um rolo compressor”, caracterizou.
Tudo indica que o ministro que tem a guerra às drogas como cruzada política poderá fazer do Conad uma espécie de gabinete para seus despachos. A frase do presidente dita ontem não deixa muitas dúvidas da lógica autoritária que vê na sociedade um empecilho: "Nós queremos enxugar os conselhos, extinguir a grande maioria deles para que o governo possa funcionar", afirmou Bolsonaro. Somos uma pedra no meio do caminho – só resta saber para onde.
De acordo com o Valor, representantes de conselhos que contam com participação da sociedade civil planejam ofensiva conjunta no Supremo Tribunal Federal e no Congresso. Isso porque, apesar de uma medida cautelar votada pelo STF no dia 13 de junho vedar a extinção por canetada presidencial daqueles colegiados criados por lei, e deixar de molho a contestação do decreto que extingue todos os demais fóruns, o governo não recuou. Além deste que alterou a composição do Conad, o jornal apurou que há 13 decretos semelhantes em fase de revisão final e outros 51 a caminho.
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Sociedade civil. A pedra no meio do caminho de Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU