08 Abril 2019
Primeiro ex-presidente da história brasileira preso após uma condenação, petista acumulou nos últimos 12 meses novas derrotas jurídicas e políticas, além de dramas pessoais.
A reportagem é de Jean-Philip Struck, publicada por Deutsche Welle, 06-04-2019.
Há um ano, pela primeira vez na história brasileira, um ex-presidente foi preso após condenação na esfera penal. A prisão de Luiz Inácio Lula da Silva não representou apenas o ápice da Operação Lava Jato, mas também enviou uma onda de choque para o mundo político, marcando ainda o início de uma campanha eleitoral tensa que terminou com a vitória de Jair Bolsonaro.
Nos último ano, Lula, de uma sala que serve de cela na Superintendência da Polícia Federal no Paraná, em Curitiba, colecionou uma nova série de derrotas legais e políticas desde que passou a cumprir pena pela condenação de 12 anos e um mês por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá.
Lula foi ainda pivô de duas grandes brigas que arranharam a imagem do Judiciário. Da prisão, viu sua estratégia eleitoral naufragar. Primeiro, teve sua candidatura à Presidência barrada. Depois, amargou a derrota do seu substituto. Seu partido, o PT, foi reduzido nas eleições ao tamanho que tinha há 20 anos.
Viveu ainda dramas pessoais como a morte de um irmão e do seu neto de sete anos e viu seu principal algoz na Lava Jato, o ex-juiz Sérgio Moro, assumir um cargo ministerial em um governo que se posiciona abertamente contra a sua saída da prisão. O presidente Bolsonaro chegou a afirmar no passado que torce para que Lula "apodreça na cadeia".
Neste domingo, Lula deve passar sozinho o aniversário de um ano da sua prisão, já que no fim de semana não são permitidas visitas. Do lado de fora, apoiadores e figuras de destaque do PT devem se reunir para prestar apoio e marcar o relançamento da desgastada campanha “Lula Livre”.
No último ano, o PT e movimentos sociais se esforçaram para manter o ex-presidente em evidência, propagandear uma imagem de preso político e agitar a militância. Logo após a prisão, no dia 7 de abril, apoiadores montaram uma vigília nas cercanias da sede da PF. No início, mais de 2 mil pessoas se revezavam no acampamento. Hoje o total não passa de algumas dezenas por dia.
Os apoiadores do ex-presidente também fizeram esforços para conquistar simpatia no exterior. Na prisão, Lula recebeu visitas de figuras como o ex-presidente uruguaio José Mujica e o ator americano Danny Glover. Também passou pelo local Martin Schulz, ex-líder do Partido Social-Democrata da Alemanha. Os apoiadores também lançaram uma campanha para que o petista fosse indicado ao Nobel da Paz e convenceram um comitê das Nações Unidas a publicar uma resolução a favor de Lula.
Mas, em 12 meses, os esforços dos apoiadores não conseguiram mudar de forma decisiva a percepção da opinião pública brasileira. Nesta semana, uma pesquisa Atlas Político apontou que 57,9% dos brasileiros são a favor da prisão do ex-presidente. O percentual não é muito diferente de outros levantamentos realizados no ano passado.
No último ano, Lula viveu isolado em uma sala de 15 metros quadrados. O espaço é simples: tem um banheiro, uma mesa com quatro cadeiras, uma esteira ergométrica para exercícios e uma televisão. Lula só costuma deixar a cela três vezes por semana para tomar banho de sol, que ocorre no espaço de um antigo fúmodromo do prédio.
Diariamente, duas vezes ao dia, Lula também recebe a visita de advogados, que permanecem por cerca de duas horas. Nas quintas-feiras, recebe a visita de parentes e amigos - a maior parte políticos do PT, que o mantém a par da situação política e recebem instruções para serem transmitidas ao PT.
Entre abril de 2018 e janeiro deste ano, Lula chegou a receber todas as segundas-feiras diferentes líderes religiosos, mas esse tipo de visita acabou sendo barrada no início do ano.
Ele só deixou a prisão em duas ocasiões. A primeira, em novembro, para prestar depoimento. A segunda, em março, quando foi autorizado a comparecer ao enterro do neto, Arthur, de 7 anos. Em janeiro, teve o pedido para comparecer ao enterro de um irmão inicialmente negado pela Justiça. Depois, recebeu autorização para deixar a prisão, mas a decisão só foi divulgada quando faltavam poucos minutos para o enterro. Lula decidiu permanecer em Curitiba.
Os dois enterros também escancaram como a prisão de Lula continua a ser um fator de tensão na sociedade e no mundo político do Brasil. Nas duas ocasiões, militantes que apoiam Bolsonaro inundaram as redes com críticas ao ex-presidente. Um dos filhos de Bolsonaro, o deputado Eduardo (PSL-SP), chegou a afirmar que era um "absurdo" cogitar a ida de Lula ao enterro do neto. Ele também chamou o petista de "larápio", provocando críticas até mesmo de aliados do presidente.
No ano passado, o ex-presidente transformou a sala na PF em um comitê improvisado, comandando uma das campanhas mais heterodoxas da história do Brasil. Enquanto insistiu na candidatura própria, poucos petistas ousaram contestar a viabilidade da estratégia e propor um plano B.
Quando sua candidatura foi barrada pela Justiça Eleitoral, passou a atuar como principal cabo eleitoral do seu substituto, o ex-prefeito Fernando Haddad. A estratégia, no entanto, acabou turbinando o sentimento antipetista entre parte da população. Enquanto Haddad subia nas pesquisas, outros eleitores se voltaram para a candidatura de Bolsonaro. No segundo turno, marqueteiros petistas perceberam o paradoxo e decidiram descolar a imagem de Haddad de Lula, mas a nova estratégia não funcionou. Bolsonaro acabou sendo eleito.
Mesmo com o fracasso do seu plano, Lula ainda continua a influenciar os rumos do PT. Segundo o jornal O Estado de S.Paulo, o ex-presidente ajudou a delinear a postura de deputados petistas que fazem parte da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que recebeu nesta semana o ministro da Economia, Paulo Guedes. O encontro terminou em confusão após um deputado do PT provocar o ministro ao afirmar que ele seria um "tchutchuca" com banqueiros.
Além das derrotas políticas, Lula acumulou novos problemas na Justiça desde a sua prisão. Teve negados pedidos de liberdade e foi condenado em 1ª instância por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio da Atibaia (SP). A pena, divulgada em fevereiro, chega a 12 anos e 11 meses de prisão.
Ao todo, Lula enfrenta sete ações penais - contando os dois casos em que já foi condenado e que aguardam recurso - e mais duas denúncias criminais. A denúncia mais recente foi apresentada em dezembro, e envolve acusação de que o ex-presidente recebeu 1 milhão de reais para intermediar negócios entre o governo da Guiné Equatorial e uma construtora brasileira.
Em março deste ano, foi a vez de Lula ser indiciado pela PF por suspeita de tráfico de influência e lavagem de dinheiro no âmbito da investigação que apura repasses milionários da empreiteira Odebrecht para a empresa de um de seus filhos.
Quando o ex-presidente Lula se entregou para a Polícia Federal, em 7 de abril, a dúvida era quanto tempo ele permaneceria preso. Alguns analistas chegaram a apostar que o petista passaria apenas alguns dias atrás das grades. O cálculo levava em conta o leque de recursos que a defesa tinha à disposição e o humor de alguns ministros do STF simpáticos ao ex-presidente ou que são contra a execução de penas após decisão em segunda instância.
Nas semanas que se seguiram à prisão, alguns petistas também enxergavam a chegada do ministro Dias Toffoli à presidência do STF, que ocorreu a partir de setembro, como um fator que contribuiria para a saída de Lula.
No entanto, a defesa do ex-presidente passou a acumular seguidas derrotas no Judiciário. Toffoli, que já foi advogado do PT, também não se mostrou decisivo como esperavam os petistas. Desde a chegada de Bolsonaro à Presidência, o ministro vem tentando evitar atritos com o novo ocupante do Planalto e seus aliados, que se opõem à saída de Lula.
Em dezembro, o presidente do STF anulou uma decisão do ministro Marco Aurélio, que havia determinou a soltura de todos os presos que cumprem pena com base em condenações em segunda instância – uma medida que beneficiava Lula diretamente. Na ocasião, aliados de Lula chamaram o presidente do Supremo de "traidor" e "covarde".
Antes do tumulto provocado pela decisão de Marco Aurélio, Lula também já havia sido o pivô em julho de uma guerra de liminares entre um juiz plantonista que concedeu liberdade ao petista e o então juiz Sérgio Moro. No final, Lula permaneceu preso, mas os dois episódios desgastaram ainda mais a imagem do Judiciário.
Na semana passada, uma das frentes exploradas pela defesa de Lula foi fechada, pelo menos por enquanto, quando Toffoli retirou da pauta o julgamento de duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADRs) que contestam a decisão do Supremo que em 2016 autorizou a execução de pena de condenados em segunda instância. O julgamento estava previsto para ocorrer em 10 de abril e agora não tem nova data.
Dessa forma, resta à defesa de Lula torcer para que pelo menos as instâncias superiores reduzam parte das penas, o que pode abrir caminho para que o ex-presidente passe eventualmente a cumprir prisão domiciliar num futuro próximo. Caso as duas sentenças, que somam 25 anos, sejam mantidas, ele só poderá passar para prisão domiciliar após ter cumprido quatro anos de pena.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Lula, um ano na prisão e várias batalhas pela frente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU