03 Março 2019
Ex-presidente passou cerca de duas horas no velório de Arthur, de 7 anos, e voltou à sua cela em Curitiba. Petista prometeu levar ao neto "diploma da inocência" no céu.
A reportagem e de Joana Oliveira, publicada por El País, 02-03-2019.
"Não gosto de Lula, mas é uma tristeza o que tem acontecido com ele. Fez coisa errada e já está pagando, mas perder tanta gente assim...", dizia o comerciante José Fernandes, de 71 anos, nos arredores do Cemitério Jardim da Colina, em São Bernardo do Campo, onde uma pequena multidão de apoiadores – mas não só – se aglomerou para esperar o ex-presidente petista neste sábado e prestar suas condolências à família. Foi no local que um Lula abatido e choroso passou algumas de suas únicas horas de liberdade desde abril para a despedida de seu neto Arthur, de 7 anos, que morreu de meningite meningocócica na sexta-feira.
No entorno, o sábado de Carnaval havia começado com um forte policiamento nas ruas próximas, com viaturas da Policía Militar de São Paulo e da Polícia Federal bloqueando algumas das vias de acesso ao local da cerimônia de cremação do neto de Lula. Autorizado pela Justiça e sob forte escolta da PF, o ex-mandatário deixou a cela onde cumpre duas condenações por corrupção em Curitiba para voltar à região que é seu berço político. Por volta das 11h, entrou no local sob gritos de apoiadores e recebeu os abraços e as condolências de familiares e amigos políticos, como a ex-presidenta Dilma Rousseff, Fernando Haddad, o governador da Bahia, Rui Costa e o ex-senador Eduardo Suplicy.
"Lula chorou ao se despedir e agradecer a todos. Perante seu neto, ele tomou um compromisso de que vai comprovar a inocência dele e nós esperamos que isso ocorra o quanto antes", afirmou, emocionado, Suplicy ao sair da cerimônia. A promessa relatada pelo ex-senador virou mensagem oficial no site do ex-presidente e foi a nota política do velório. O texto dizia que o petista, durante o breve discurso a familiares, prometera levar "seu diploma de inocência" a Arthur no céu, provando as "mentiras" de Sérgio Moro, juiz que o condenou à cadeia e hoje é ministro da Justiça do Governo Bolsonaro.
A nota registrava ainda o lamento do presidente que contou que o neto sofrera bullying na escola por causa do avô preso.Seis policiais armados com fuzis acompanharam o ex-presidente em todo momento. Lula ficou ao lado da família por cerca de duas horas, durante as quais pode consolar o filho Sandro, pai de Arthur, e a nora Marlene. Foi a segunda vez que Lula saiu da prisão na Superintendência da PF, em Curitiba, desde que foi preso em 7 de abril de 2018 —em novembro, ele saiu para ser interrogado na Lava Jato—. Há um mês, os advogados do ex-presidente solicitaram à Justiça autorização para que ele participasse do enterro de seu irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, de 79 anos, no dia 30 de janeiro, mas o pedido foi negado. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Antonio Dias Toffoli, acatou um recurso da defesa e autorizou o petista a encontrar os familiares, mas a decisão foi liberada no exato momento em que acontecia o enterro.
"Seria uma nova injustiça impedir que ele se despedisse do neto", afirmou Rui Falcão neste sábado. O ex-dirigente do PT também disse que Lula está muito abatido, mas que "ele é um homem resistente". Apesar de o partido não ter convocado manifestações, dezenas de militantes petistas reuniram-se desde as primeiras horas da manhã às portas do Jardim da Colina. O silêncio no local ante a expectativa da chegada do ex-presidente só era eventualmente interrompido pelos gritos de "Lula livre".
Assessores do PT permitiram a entrada dos apoiadores no cemitério, com a condição de que o fizessem "em silêncio e em respeito à família" de Arthur. Só houve um pequeno tumulto quando os portões foram fechados, depois da chegada de Lula. "Lula, estamos juntos!", gritavam. O barulho funcionou e, poucos minutos depois, a entrada foi reaberta. No início da tarde, muitos desses apoiadores celebravam o aperto de mão ou o abraço que puderam dar no ex-presidente. Em respeito à figura abatida de Lula e ao momento de comoção familiar, os militantes mantiveram silêncio dentro do cemitério, limitando-se a despedir o ex-presidente, por volta das 13h, com uma salva de palmas. Lula apenas acenou antes de entrar no carro –a nota oficial informou que a decisão da Justiça que lhe permitiu ir ao velório proibia "que ele falasse à população".
Não foram apenas os simpatizantes que apareceram para prestar apoio. Assim como o comerciante José Fernandes, a vizinha do Jardim da Colina Luísa Carneiro, de 47 anos, conta que nunca apoiou o PT, mas esteve presente no cemitério durante a cerimônia de cremação de Marisa Letícia, mulher de Lula, em 2017, e no velório de Vavá, em janeiro. "Não preciso ser petista para saber o que Lula fez pelo Brasil. Além disso, a família é muito querida aqui em São Bernardo", disse. "Espero que ele não morra de desgosto na prisão", afirmou Fernandes.
Nas últimas horas, ilustres opositores de Lula, como José Serra ou Fernando Henrique Cardoso, enviaram-lhe mensagens de condolências pela perda do neto - a exceção foram comentários de ódio nas redes sociais e a crítica do deputado federal Eduardo Bolsonaro, que questionou que Lula pudesse deixar a cadeia, um benefício previsto para todos os detidos em regime fechado. O ex-presidente era bastante próximo de Arthur, que chegou a visitá-lo na prisão pelo menos duas vezes. A criança e seus pais moravam com o petista desde a morte de sua mulher, Marisa Letícia, em 2017, e nas redes sociais de Lula era comum ver fotos com o garoto.
Depois da cerimônia de cremação, o ex-presidente voltou para Curitiba, onde desembarcou às 15h30. Menos de uma hora depois, estava de volta à sua cela.
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No adeus de Lula ao neto, dor, silêncio e uma nota política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU