Por: Rafael Francisco Hiller | 20 Fevereiro 2019
A hipótese central defendida por Alain Gignac, no presente artigo, é que “Agamben busca, num primeiro momento, articular a vida interna e eterna de Deus com sua ação providencial e temporal no mundo, duas faces distintas de uma mesma medalha que nunca devem ser separadas”. Já em um segundo momento, o autor atesta que Agamben parece demonstrar de forma precisa esse ponto de não separação, que a política moderna, infelizmente, adquiriu apenas a parte imanente do dispositivo econômico, promovendo, desta forma, um sério e profundo desequilíbrio, dando origem à biopolítica. “A solução de Agamben consiste em encontrar articulação bipolar original, redescobrindo a dimensão contemplativa ociosa da vida divina, ou melhor, do tempo messiânico. ”
Com o intuito de ilustrar o método agambeniano e argumentar em favor de sua hipótese, Gignac parte de duas figuras centrais: a “economia (terceira parte) e a angelologia (quarta parte). Ao fazê-lo, pudemos compreender melhor a trajetória identificada por Agamben em quatro etapas: primeiro, a teo-logia (literalmente, o discurso sobre Deus) foi construída a partir de um modelo econômico antigo extraído do mundo secular; em seguida, através de uma reflexão sobre o papel dos anjos na economia divina (em suas duas faces transcendente e imanente: ser e agir, reino e governo), o modelo econômico teológico foi secularizado; depois, a política moderna, a partir desse modelo, foi reduzida à biopolítica e hipertrofiou o todo-econômico; por fim, é necessário desativar esse modelo, reintroduzindo nele uma dimensão de contemplação”. Foi em decorrência disso que Gignac propõe um retorno a Ef 3 (quinta parte), onde o discurso paulino que menciona “a economia do mistério” já articula um plano celestial angélico com um plano terrestre eclesial, em que aqueles que realizam a experiência messiânica participam da própria vida de Deus.
A fim de introduzir o leitor nos principais pontos de discussão trazidos pelo autor, citamos, a seguir, as conclusões apresentadas por ele:
- A definição conceitual de “economia” sugerida por Agamben é satisfatória, isto é, ela adiciona a metáfora da organização doméstica para falar de Deus e da comunidade messiânica.
- As inversões que ele observa, com propriedade, da “economia do mistério” em “mistério da economia” e do “ministério do mistério” em “mistério do ministério”, talvez pareçam atraentes e jogos de palavras (e talvez não sejam tão decisivas como ele afirma), mas certamente se prestam à sua argumentação para mistificar a economia (e seu avatar, o todo-econômico contemporâneo).
- Em outras palavras, em sua investigação sobre a estrutura “econômica” da biopolítica moderna, Agamben usa brilhantemente a teologia para diagnosticar e explicar as aporias de nossos governos e governanças contemporâneos.
- O método filológico de Agamben – seu hábito de seguir o rastro de uma palavra – pode impedi-lo de acompanhar os enunciados dentro de um discurso.
- Um ponto cego da análise da Trindade em termos econômicos, como proposto por Agamben, é ignorar o discurso paulino em termos de participação mística no mistério de Deus – nada menos que isso.
Alain Gignac, no Cadernos IHU ideias número 280, busca compreender a influência da religião na estrutura de poder moderna e a necessidade de resgate, pelo cristianismo, de um tempo messiânico, a partir da obra de Giorgio Agamben. Segundo Agamben, antes mesmo de o Estado moderno inventá-lo, o governo burocrático encontra sua assinatura na organização angélica”, isso tem reflexos na forma como a economia opera na sociedade atual. Nesse sentido, a economia moderna tem a necessidade de um mistério para sobreviver, a partir disso, se torna urgente desvelar tal mistério.
1- Introdução: minha postura
2- O método Agamben: objeções e direito de resposta
3- Hipótese: bipolaridades
4- Primeira inversão (teológica): da economia do mistério ao mistério
da economia (RG, capítulo 2)
5- Segunda inversão (angelológica): do ministério do mistério ao
mistério do ministério (RG, capítulo 6)
6- Releitura de Ef 3
7- Conclusão
Alain Gignac. Doutor em Teologia Prática, é diretor do Instituto de Estudos Religiosos da Faculdade de Artes e Ciências (Faculdade de Teologia e Ciências da Religião da Universidade de Montreal) do Canadá, desde 1999, onde leciona Novo Testamento. Especializado no corpus paulino, ele interessa-se pelos métodos de análise sincrônica (retórica, estrutural, narratológica e intertextual) e os seus impactos hermenêuticos.
Gignac esteve presente no VI Colóquio Internacional IHU – Política, economia, teologia. Contribuições da obra de Giorgio Agamben, proferindo a conferência "A função angelológica do ministerium e do mysterium e sua relação com a teoria do poder". A íntegra da conferência pode ser assistida neste link.
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Mistérios da economia (divina) e do ministério (angélico). Quando a teologia fornece um paradigma para a filosofia política e esta retroage à teologia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU