20 Fevereiro 2019
São 190 os convidados na cúpula no Vaticano sobre a "proteção os menores" programada pelo Papa (de quinta a domingo) para conter a chaga dos abusos sexuais contra menores por parte de padres. Estarão presentes também três mulheres, a freira nigeriana Veronica Openibo, a subsecretária do dicastério dos Laicos Linda Ghisoni e Valentina Alazraki, jornalista mexicana. Antes da cúpula, o comitê organizador se reunirá com um grupo de vítimas.
Charles Scicluna, o ex-promotor da Santa Sé, convocado a Roma após a crise dos abusos no Chile como secretário adjunto do ex-Santo Ofício, e hoje guia do encontro sobre os abusos, fala com o jornal La Reppublica poucas horas após a demissão do estado clerical do cardeal Theodore McCarrick e a divulgação de notícias sobre a homossexualidade no Vaticano.
A entrevista é de Paolo Rodari, publicada por La Repubblica, 19-02-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Scicluna afirma que a mídia deveria rever Spotlight, o filme sobre os abusos sexuais dos padres de Boston, porque "há uma passagem em que os jornalistas fazem o mea culpa: ‘Nós, também, no início tentamos minimizar os crimes, relegando-os a notícias secundárias’, eles disseram. E isso, continua, nos faz entender porque a Igreja também não foi capaz de reagir da maneira correta: "Diante dos traumas, a psicologia humana tende a remover". Por isso o objetivo da cúpula convocada por Francisco sobre a pedofilia, de quinta-feira a domingo é "para garantir que os líderes da Igreja no mundo se deem conta da gravidade do fenômeno, abram os olhos e saibam agir."
Existe até quem diga que os abusos dos padres contra menores na realidade são relações homossexuais entre um adulto e um menor, é isso mesmo?
Eu digo que o fenômeno do abuso sexual de menores por clérigos tem essa conotação: oitenta por cento das vítimas são do sexo masculino, e a maioria tem mais de quatorze anos. Deixo a interpretação para outros, mas o fato é este.
Há poucos dias, o ex-cardeal Theodore McCarrick foi demitido do estado clerical. O que pode dizer?
Que João Paulo II estava certo quando se dirigiu aos cardeais dos EUA, em 23 de abril de 2002, dizendo que não há lugar no sacerdócio ou na vida religiosa para quem quer causar danos aos jovens.
Por que o senhor declarou que há expectativas elevadas demais sobre esta cúpula?
Um realismo saudável diz que um encontro de três dias não pode curar uma chaga de décadas.
Como será realizado?
O primeiro dia é dedicado à responsabilização dos pastores, o segundo à responsabilidade e o terceiro à transparência. Tudo a partir do Motu proprio "Como uma mãe amorosa" de Francisco, uma lei jovem que dá uma estrutura e um procedimento para as denúncias de bispos que não cumprem seu mandato ou são negligentes.
Por que a Igreja obriga os bispos a denunciar?
Vou me ater à Carta circular da Doutrina da Fé de 2011, que diz que a lei civil deve ser seguida por todos os bispos. Nem todo país prevê uma denúncia obrigatória porque, às vezes, em vez de ajudar desencoraja as vítimas. Muitos deles não querem tornar os abusos públicos, não querem ir ao tribunal. Obviamente, se a vítima pretende denunciar, tal decisão deve ser encorajada.
Existe uma parte da Igreja que minimiza os abusos, por quê?
Para entender a reação de alguns, precisamos entender os elementos fundamentais da traumatologia. A primeira resposta da psique humana ao trauma é a negação. Assim também ocorre no luto. Leva tempo para que a conscientização do que aconteceu atinja o coração e se torne ação. A própria vítima também atravessa essa difícil passagem. Não é apenas uma experiência de quem tem um determinado ideal do sacerdócio e se choca com comportamentos indignos. Muitas vezes é preciso tempo para a vítima se sentir livre para denunciar.
Considera justo divulgar os nomes de quem é acusado, mas ainda não foi processado?
Eu preferiria que isso não acontecesse. O dano causado àquele acusado injustamente é frequentemente irreparável.
Que reparação pode ter uma vítima?
Jesus carrega as chagas da paixão também como ressuscitado. Isso me faz entender que a chaga permanecerá, mesmo que possa ser transfigurada. Devemos nos confrontar com as chagas dos abusos dos clérigos em pessoas inocentes com a mesma compaixão e delicadeza com que nos aproximamos das chagas de Jesus na Sexta-feira Santa.
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"Os líderes da Igreja encarando com coragem os abusos, esse será o desafio da cúpula." Entrevista com Charles Scicluna - Instituto Humanitas Unisinos - IHU