20 Fevereiro 2019
"A humanidade só terá futuro se todas as pessoas de boa vontade, do campo e da cidade, se comprometerem na luta pela construção de uma sociedade do Bem Viver, com estilo de vida simples e austero, e cerrar fileira nas lutas sociais e ambientais pela superação do capitalismo".
O artigo é de Gilvander Luís Moreira, frei e padre da Ordem dos carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR, bacharel em Teologia pelo ITESP/SP, mestre em Ciências Bíblicas, assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas e prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.
O gigante projeto de mineração em Minas Gerais, no Pará e em outros estados do Brasil, chegou à exaustão e está colocando em colapso as condições de vida de toda a população, da mãe terra, da irmã água e os biomas. Se as classes trabalhadora e camponesa, e todas as pessoas de boa vontade do campo e da cidade não acordarem, se não se organizarem e partirem para lutas coletivas e massivas que joguem ‘areia na engrenagem de morte da grande mineração’, ocorrerão cada vez mais tragédias e maiores do que as que aconteceram e continuam a partir de Bento Rodrigues, em Mariana, e de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Temos que honrar as centenas de pessoas assassinadas pela Vale e pelo Estado e também os Rios Doce e Paraopeba e respeitá-los. A mãe terra, a irmã água, a flora e a fauna e a classe trabalhadora empurrada para aceitar trabalhar como terceirizados, em situação análoga à de escravidão, estão gritando: BASTA DE MINERAÇÃO! CHEGA! EXIGIMOS RISCO ZERO! Exceto os cúmplices ou mentores da máquina de guerra que se tornou a mineração em grande escala, todos estão indignados até o último fio de cabelo. Basta de sacrificar no altar do deus mercado/capital tantas vidas humanas e de toda a biodiversidade. Mineração em grande escala com os processos de superexploração se tornou algo satânico, diabólico e idolátrico, pois semeia devastação que se multiplica em uma progressão geométrica.
Não existem apenas riscos, já se matou demais. Ao ouvir quem está morrendo aos poucos, um pouco a cada dia, debaixo de lama tóxica de barragens de mineradoras, não nos resta dúvida: as grandes mineradoras, lideradas pela Vale, em conluio com o Estado, tocadas pela classe dominante, estão fazendo guerra contra o povo, contra a mãe terra, contra as nascentes, os rios, os lençóis freáticos, os biomas, os animais, a flora e a fauna. Júlio Grilo, superintendente do IBAMA /MG [1], desde janeiro de 2018, alertou em várias reuniões da Câmara de Atividades Minerária do COPAM [2]: “Todas as barragens de mineração têm risco e podem se romper. Só não sabemos o dia e a hora.” Nos últimos 20 anos, dezenas de barragens de mineração já se romperam em Minas Gerais e em outros estados. Dia 17 de fevereiro de 2018, por exemplo, houve um vazamento de rejeitos do complexo da mineradora Hydro Alunorte, em Barcarena, PA. O Rio Murucupi e diversos igarapés foram contaminados, e muitas comunidades ribeirinhas e quilombolas tiveram o seu modo de vida profundamente violentado.
Com licença renovada pelo Governo de Minas Gerais em março de 2018 para mais dez anos de extração de ouro, as megabarragens de Santo Antônio e Eustáquio, com 7 quilômetros de diâmetro, da Mina Morro do Ouro – maior mina de ouro do mundo a céu aberto, da mineradora canadense Kinross, em Paracatu, se romperem, parte da cidade de Paracatu e inúmeras comunidades abaixo serão dizimadas, o Rio Paracatu e o Rio São Francisco receberão a punhalada de misericórdia. Priscila Sueli Rezende, em pesquisa de dissertação de mestrado na UFMG, em 2009, constatou que “as concentrações mais altas de arsênio foram observadas no Córrego Rico – abaixo das barragens da Kinross -, em Paracatu, correspondendo a uma concentração 190 vezes maior que a estipulada pela legislação ambiental”. Por isso, principalmente, há uma elevadíssima incidência de câncer na população de Paracatu e região. Se a grande barragem da mineradora Anglo Gold Ashanti, em Sabará, se romper, passará por cima do bairro Pompéu e de vários outros bairros, matará o Rio Sabará, o Rio das Velhas e o Rio São Francisco.
Otávio Freitas, de Nova Lima, coautor de Ação Popular contra a Mina Capão Xavier [3], da VALE, alerta: “Risco maior pode estar na barragem de rejeito da antigamente chamada barragem de Tamanduá, hoje chamada de Capão da Serra, barragem em atividade e que recebe os rejeitos das minas de Tamanduá e Capitão do Mato, em Nova Lima. E/ou o risco pode ser também a barragem de Gorduras, da mina da Mutuca. Se essas barragens se romperem, a lama tóxica invadirá a bacia do córrego Macacos, que cai no Rio das Velhas e depois no Rio São Francisco”. Além de reintegrações de posse em propriedades que não cumprem função social, gerando o despejo de milhares de famílias de suas casas em ocupações do campo e urbanas, as grandes mineradoras, em uma gula sem fim, estão também despejando milhares de famílias de suas moradias. Ou seja, despeja-se pela falta de reforma agrária e de reforma urbana e, agora também, pela superexploração das mineradoras.
Belo Horizonte e região metropolitana não estão apenas em um quadrilátero ferrífero, mas em um quadrilátero aquífero. Aliás, a capital de Minas Gerais foi deslocada de Ouro Preto para Belo Horizonte principalmente em função dos seus mananciais, um importante aquífero situado nos arredores da Serra do Curral que conseguiria abastecer até 3 milhões de pessoas, mas a mineração e outras indústrias, como as de bebidas, ali instaladas, estão exaurindo tudo e colocando em colapso as condições objetivas de vida. Diante desse cenário, soluções moderadas apenas tentam domesticar a voracidade do ‘escorpião que só sabe ferir e matar’. Não basta trocar velhas tecnologias por novas tecnologias. Não basta proibir barragens a montante (acima) e continuar fazendo barragens a jusante (abaixo), dois métodos de barragens que oferecem sérios riscos de rompimento. Não basta criar territórios livres da mineração. Não basta “mudar o modelo de mineração”. Não basta fazer Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e acordos que garantem apenas poucos direitos – “o mínimo legal”, mas que, na prática, abrem mão de direitos fundamentais. Não basta CPI da mineração e Projetos de Leis para abrandar a fúria das mineradoras. Privilegiar ações na institucionalidade também é um erro grave, pois, como efeito colateral, desmobiliza o povo para as grandes lutas necessárias. Todas as soluções moderadas deixam intacta a coluna mestra das grandes mineradoras que, como o dragão do Apocalipse, vão devastando tudo e deixando só “terra arrasada”.
Necessário lembrar da densa obra intitulada COLAPSO - como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, do biogeógrafo e filósofo Jared Diamond, editada no Brasil em 2013, que já alertava sobre catástrofes, contaminação química e danos ambientais irreversíveis relacionados à mineração em todo o mundo. Na obra Colapso, Jared Diamond alerta: “Outros problemas ambientais causados pela mineração de metais compreendem poluição da água pelos próprios metais, produtos químicos de processamento, vazamentos de ácidos e sedimentos. Elementos metálicos e semelhantes ao metal no próprio minério - especialmente o cobre, cádmio, chumbo, mercúrio, zinco, arsênio, antimônio e selênio - são tóxicos e tendem a causar problemas ao acabarem em córregos e lençóis freáticos como resultado das operações de mineração. [...] Muitos produtos químicos usados na mineração como cianeto, mercúrio, ácido sulfúrico, bem como o nitrato produzido pela dinamite, também são tóxicos. Mais recentemente foi descoberto que, ao serem expostos à água e ao ar através da mineração, os minerais contendo sulfeto vazam ácidos que causam séria poluição na água por si mesmo e pelos metais lixiviados por eles. Os sedimentos transportados para fora das minas pela água podem ser danosos à vida aquática cobrindo, por exemplo, as superfícies de desova dos peixes. Além desses tipos de poluição, o mero consumo de água de muitas minas é alto o bastante para ser significativo (DIAMOND, 2013, p. 541).”
O crime não é só da Vale, é também do Estado cúmplice. É crime também dos governos anteriores e atuais, do poder legislativo que, em Minas Gerais, cuspiu no rosto de todas as vítimas do crime tragédia da VALE/BHP/SAMARCO/ESTADO ao aprovar, em regime de urgência, um projeto indecente, flexibilizando ainda mais o licenciamento ambiental. Os Ministérios Públicos, estadual e federal, também estão deixando muito a desejar, pois optaram por fechar acordos questionáveis e promotores combativos foram retirados das funções de investigação. O poder judiciário também está sendo cúmplice quando decide atendendo a pedidos escusos das mineradoras, desrespeitando os princípios constitucionais, tais como os da dignidade da pessoa humana e da precaução, e violando o artigo 225 da Constituição que exige garantir um meio ambiental saudável. O judiciário se coloca ao lado dos opressores quando é lentíssimo para decidir quando os injustiçados batem à porta do tribunal, mas é veloz em decidir quando é para garantir privilégios e interesses do capital.
Enfim, a humanidade só terá futuro se todas as pessoas de boa vontade, do campo e da cidade, se comprometerem na luta pela construção de uma sociedade do Bem Viver, com estilo de vida simples e austero, e cerrar fileira nas lutas sociais e ambientais pela superação do capitalismo que, como uma máquina de moer e corroer vidas, segue causando cada vez mais devastação socioambiental por meio do agronegócio com uso indiscriminado de agrotóxicos, pelas monoculturas que sacrificam os biomas e pelos megaprojetos de mineração.
Notas:
[1] Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
[2] Conselho Estadual de Política Ambiental.
[3] Gustavo Gazzinelli e Ricardo Santiago são os outros autores de uma Ação Popular contra a abertura da Mina Capão Xavier, em Nova Lima, em 2004.
Referência:
DIAMOND, Jared. COLAPSO - como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Rio de Janeiro: Record, 2013. (Original: 2005)
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Mineração causa colapso das condições de vida. Basta! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU