16 Janeiro 2019
"Um dos segredos da luta que tem levado à resistência e à determinação de nunca mais aceitar despejo nos 3.900 hectares do latifúndio da Ariadnópolis tem sido a relação de apoio mútuo, de companheirismo e cumplicidade na luta", escreve Gilvander Luís Moreira, Frei e padre da Ordem dos carmelitas.
Frei Gilvander é mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblica, de Roma; é professor de Teologia Bíblica; assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT –, assessor do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI –, assessor do Serviço de Animação Bíblica – SAB – e da Via Campesina em Minas Gerais.
No conflito agrário que se arrasta há mais de 20 anos envolvendo diretamente mais de 450 famílias acampadas em 11 acampamentos – Quilombo Campo Grande - no latifúndio da ex-usina Ariadnópolis, em Campo do Meio, no sul de Minas Gerais, as famílias Sem Terra sofreram seis despejos. Em 18 de maio de 2009, ocorreu o mais cruel despejo dos acampamentos naquelas terras. A violência e a destruição foram grandes. Em audiência com o juiz da Vara Agrária de Minas Gerais, no Fórum de Campos Gerais, o juiz anunciou que iria acontecer reintegração de posse, mas não disse o dia. De surpresa, dia 18 de maio de 2009, o poder judiciário de Minas e o então governador Aécio Neves (PSDB), com o apoio de mais de 200 policiais da Polícia Militar, fortemente armados, com cães, cavalaria, helicópteros, três UTIs[1] móveis, caminhão do Corpo de Bombeiros, ônibus de policiais, atirador de elite e dezenas de policiais de operações especiais da Tropa de Choque, usando caminhões e tratores da prefeitura de Campo do Meio, sob o comando do prefeito Vilson Rodrigues Pereira, do PSDB, após vários dias de pressão e ameaças aos Sem Terra acampados, despejaram 123 famílias de 5 acampamentos, sendo 4 acampamentos do MST: Sidney Dias, Irmã Dorothy, Tiradentes e Rosa Luxemburgo; e 1 acampamento organizado pela FETAEMG. A mando do Coronel Guimarães, tratores com arados e patrolas da Prefeitura de Campo do Meio destruíram as lavouras de arroz, feijão, mandioca, milho, laranja, abacate e hortaliças dos Sem Terra, dos acampamentos. As máquinas foram operadas por funcionários do gerente da massa falida da ex-usina. Estima-se que seriam colhidas 1.600 sacas de feijão (Fonte: laudo da EMATER[2]), quatro toneladas de melancia, quatro mil pés de mandioca e grande plantação de milho, todos no ciclo de colheitas. Passaram o trator com arado em cima de porcos vivos - inclusive uma porca prenha -, mataram um cachorro a tiro e o jogaram dentro de uma cisterna, de onde as famílias puxavam água no saril. Deixaram outros animais abandonados na imensa área devastada. Quando chegamos dois dias após o cruel despejo, uma gata magricela miava, resistindo em cima dos escombros da casa da família que a acolhia. As cercas de arame que protegiam as plantações foram também destruídas pelos tratores da Prefeitura de Campo do Meio, sob escolta da polícia militar. Árvores nativas replantadas pelos Sem Terra acampados foram arrancadas pelos tratores. A camponesa do Acampamento Tiradentes, Eva Auxiliadora de Freitas, acampada desde 12 de junho de 2008 relata: “Foi uma tragédia. Muito triste. Derrubaram tudo. Com cavalaria, chegaram e foram entrando e destruindo tudo. Deram tiro na cabeça de um cachorro, matou e jogou na cisterna para a gente não beber mais água da cisterna. Até os pomares foram destruídos. Passaram tratores em cima de tudo, até de porcos e galinhas. As casas foram destruídas com tratores e retroescavadeira. Não deram prazo para a gente retirar nem as telhas. A gente sabia que eles estavam cumprindo ordens, mas a gente não entende como eles conseguiram reintegração de posse, se eles não são os verdadeiros donos. Todos nós despejados fomos acolhidos no galpão do PA Primeiro do Sul, aqui ao lado da Ariadnópolis. Muitos companheiros se espalharam, mas depois voltou todo mundo. Atualmente há muitos companheiros que sofreram muito com os despejos, mas não desistiram da luta, já estão assentados no PA Nova Conquista II aqui na Ariadnópolis”.
Um dos segredos da luta que tem levado à resistência e à determinação de nunca mais aceitar despejo nos 3.900 hectares do latifúndio da Ariadnópolis tem sido a relação de apoio mútuo, de companheirismo e cumplicidade na luta. Vinte e cinco famílias que estavam acampadas ali foram acolhidas e assentadas no Projeto de Assentamento (PA) Primeiro do Sul – o primeiro do MST no sul de Minas, fica ao lado -, em substituição às que desistiram. Após a desistência de uma família, em sintonia com a coordenação estadual do MST, em assembleia, as famílias do Assentamento Primeiro do Sul começaram a convidar outras que estavam acampadas nas terras da Ariadnópolis. A relação de apoio mútuo, de companheirismo e cumplicidade entre as famílias assentadas no Assentamento Primeiro do Sul e as centenas de famílias acampadas em onze acampamentos no latifúndio da Ariadnópolis tem sido uma das colunas mestras para fazer a luta pela terra avançar no município de Campo do Meio, conforme nos informa Sílvio Neto, da coordenação nacional do MST: “As dificuldades de acesso aos créditos, a escassez de alimentação e as dificuldades para produzir foram superadas, porque conseguimos manter as famílias do Assentamento Primeiro do Sul em permanente luta coletiva. Em vários momentos, o PA Primeiro do Sul se converteu em Frente de Massa na luta pelos 3.900 hectares do latifúndio da Ariadnópolis. O laço estreito que as famílias do PA Primeiro do Sul tem com as famílias acampadas nas terras da Ariadnópolis coloca as famílias do PA Primeiro do Sul em constante enfrentamento para a conquista definitiva das terras da Ariadnópolis. Por outro lado, as famílias acampadas na Ariadnópolis, em constante relação com o PA Primeiro do Sul, são animadas a fortalecer a produção, seguindo o exemplo do PA Primeiro do Sul. Essa comunhão entre os assentados do PA Primeiro do Sul e as 450 famílias acampadas da Ariadnópolis tem sido um pilar de sustentação política da nossa organização no Sul de Minas. Em vários despejos quem acolheu as famílias despejadas foram os assentados do PA Primeiro do Sul. Houve ocupações na Ariadnópolis feitas pelos assentados, não para se buscar um segundo lote, mas para garantir a derrota do latifúndio para que outras famílias de companheiros tivessem acesso à terra.”
A luta pela conquista do latifúndio Ariadnópolis e a luta pela conquista da Fazenda Jatobá – fazendas contíguas -, que se tornou o PA Primeiro do Sul, são lutas umbilicalmente conectadas. Não há como compreender a luta dos assentados do PA Primeiro do Sul desvinculada da luta de centenas de famílias acampadas nas terras da Ariadnópolis e nem do trabalho de centenas de trabalhadores rurais durante o funcionamento da Usina até 1996. Em Campo do Meio, desde 1998, quando ocorreu a primeira Ocupação nas terras da Ariadnópolis, tem havido, sob vários aspectos, relações de apoio mútuo entre acampados e assentados. Foi nas terras da Ariadnópolis que a Ocupação da Fazenda Jatobá foi planejada, com o apoio de sindicalistas do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) da região e com o apoio de liderança do MST designada para criar o MST no Sul de Minas. Mas também foi nas terras da Fazenda Jatobá, já ocupada e transformada em Assentamento, que a primeira ocupação das terras da Ariadnópolis foi organizada. Assentados do PA Primeiro do Sul foram protagonistas na concretização de vários acampamentos no latifúndio da Ariadnópolis, conforme recorda o assentado no PA Primeiro do Sul Sebastião Mélia: “As famílias aqui do PA Primeiro do Sul é que faziam frente no embate dos enfrentamentos para ocupar o grande latifúndio da Ariadnópolis. Também para garantir a permanência dos acampados lá. E quando vinham os despejos, o PA Primeiro do Sul se tornava o refúgio dos acampados. Aqui no PA Primeiro do Sul é que as famílias despejadas eram acolhidas por uns dois ou três meses até a gente reorganizar os acampamentos lá. No início da Ocupação das terras da ex-Usina Ariadnópolis, as famílias assentadas no PA Primeiro do Sul prestavam ajuda econômica aos acampados da seguinte forma: primeiro doando alimentos e depois cedendo sementes de milho, de feijão e de arroz para os companheiros plantarem”.
Em tempos de fascismo e de extrema direita no poder, com mídia manipuladora e igrejas que dopam seus fiéis aos amputar a dimensão social da fé cristã e do Evangelho de Jesus Cristo, necessário se faz aprendermos com lutas inspiradoras como a do MST em Campo do Meio, no sul de Minas Gerais.
[1] UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
[2] Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.
Obs.: Veja abaixo, vídeos que fazem referência aos vários despejos sofridos pelas famílias acampadas no latifúndio da antiga usina Ariadnópolis:
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Assentados e Acampados, em apoio mútuo, resistem a seis despejos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU