03 Outubro 2018
Paulo VI “era chamado o Papa da dúvida, mas não é verdade. Como ele mesmo explicou: ‘Dizem que pareço hesitante, indeciso: não, eu tenho que ver o fato de todas as perspectivas para chegar a dizer uma palavra definitiva’”. A afirmação é do padre Antonio Marrazzo, postulador da causa de canonização de Paulo VI, que, paralelamente à apresentação de um documentário sobre Giovanni Battista Montini na Filmoteca vaticana, em vista da canonização presidida pelo Papa Francisco no próximo dia 14 de outubro, respondeu às perguntas de um grupo de jornalistas sobre a biografia do futuro santo. Por exemplo, recordou quando ele beijou os pés do representante do Patriarca Atenágoras, depois de ter advertido seus colaboradores (“Farei um gesto, não me detenham”), ou como quando estudava à noite as questões teológicas que estavam sendo discutidas no Concílio Vaticano II. Também falou sobre o milagre que o levará à honra dos altares. Sobre a sua relação com seu amigo Aldo Moro, sequestrado pelas Brigadas Vermelhas italianas, estava “disposto a se converter em mártir, substituindo Moro com o objetivo de salvá-lo, coisa que os políticos da época não sabiam como fazer”.
A entrevista é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por Vatican Insider, 02-10-2018. A tradução é de Graziela Wolfart.
“Em minha opinião, é preciso ter em conta o aspecto humano de Montini, o que é fundamental, já que quem será canonizado é Giovanni Battista Montini, não Paulo VI. Não será canonizado o papel [a função], mas o homem, que foi sacerdote e depois viveu o sacerdócio nos diferentes encargos sucessivos que teve”, afirmou o padre redentorista.
“É importante, então, ver como este homem foi evoluindo progressivamente, em que medida se abriu a certas instâncias. Era filho de jornalista e político, mas também de uma mulher que em Concesio mantinha a porta aberta para todos, para quem tivesse problemas, e não só econômicos. Certas realidades de fé foram influência da mãe, que o levava a rezar à Virgem. Poderíamos dizer que o pai, de um lado, lhe fez ver a fé sob o aspecto do pensamento, do estudo, do aprofundamento, enquanto que sob o aspecto da relação quase mística com Deus foi a mãe que conduziu. Montini passa como “Papa da modernidade”, ou melhor, da contemporaneidade, mas para mim talvez poderíamos defini-lo como o último Papa renascentista, pelo modo como viu os diferentes aspectos das questões, pela forma como fez as coisas, pelas relações, políticas e eclesiais, com os grandes homens de seu tempo, pelo modo como conseguiu que a Igreja se convertesse em semente de possibilidades humanas e de salvação.
O que [o senhor] pode nos dizer sobre a relação de Paulo VI com os políticos, as Brigadas Vermelhas, com Aldo Moro?
Também neste caso é oportuno ressaltar a dimensão humana de Montini, o discurso sacerdotal, a ponta de expressão de certa santidade: naquela situação ele estava disposto a se converter em mártir, a substituir Moro com o intuito de salvá-lo, coisa que os políticos da época não sabiam como fazer. Quero citar outro episódio, o encontro na Sistina com o metropolita Melitón (delegado do Patriarca Atenágoras / nota da redação.): antes de entrar disse aos dois secretários: “Farei um gesto, não me detenham”. Ele chega na frente de Melitón, que abre os braços para saudá-lo, e ele se ajoelha para beijar seus pés, com um gesto visto quase como uma heresia por alguns. Montini era este homem, para ele o ponto de referência era Cristo.
O que caracteriza Montini é o Concílio: se não partimos daí corremos o perigo de não compreender outras coisas. No Concílio a Igreja viveu uma mudança, que depois incidiu também no âmbito de toda a sociedade. Hoje falamos de paz, de direitos humanos, de valor da pessoa: são realidades adquiridas, mas onde elas nascem na realidade contemporânea? Nascem aí. Estamos falando do Evangelho, da pessoa de Cristo, que se torna apoio e referência. Montini se movimentou nessa linha. Imediatamente depois do Concílio encontramos em seus escritos: “Talvez seja o caso de renunciar, cumpri com minha tarefa”, mas, disseram, quem realizará tudo isso? E então ele continua. Este era Montini. Era um homem que tomou decisões audazes para a época, não tinha medo: demorava, é verdade, e foi chamado de “Papa da dúvida”, mas como ele mesmo explicou: “Dizem que pareço hesitante, indeciso: não, eu tenho que ver o fato de todas as perspectivas para chegar a dizer uma palavra definitiva”.
Paulo VI é um Papa que foi um pouco ofuscado por outros Pontífices do século XX?
Creio que Montini não é classificável. Não pode ser alocado. Hoje se diz “multitasking” [multitarefa]: era uma figura incrivelmente poliédrica, passava pela arte, pela poesia, pela literatura, ia dos artistas de teatro, à teologia, à liturgia… Afrontava todos os argumentos. E se preparava. Durante o Concílio estudava à noite os argumentos teológicos que eram discutidos e que ele, como superior, não conhecia bem. Era um homem consciente, fortemente responsável, tinha o sentido do papel, um papel apostólico, não político.
O que Montini, o Papa do grande discurso sobre a anticoncepção, diria ao Sínodo sobre os jovens que começa no Vaticano?
No final do discurso sobre a contracepção ele recomenda a atenção pelos jovens. Defende a vida humana desde sua concepção, o homem que será, a pessoa humana que será não é só o começo da vida, é toda a pessoa. E nisto identifica uma resposta para os jovens, que vivem com ímpeto, com fantasia, sentem a necessidade de novidade e de auto-realização. Pergunta-se: nós, os adultos, como os ajudamos, como os acompanhamos, como damos a eles as chaves de leitura para poderem viver este entusiasmo, esta alegria de viver, esta vontade de transformar o mundo para a forma mais correta, mais humana? Creio que Montini diria isso hoje e creio que aqui encontramos o sentido do Evangelho, a encarnação de Deus que acompanha o homem em sua humanização, ao se converter em sua imagem. Montini nos impulsiona a fazer isto.
Pode nos contar algo sobre o milagre que levou à canonização de Paulo VI?
O milagre foi simples e complexo ao mesmo tempo. Estranho pelo modo como começou, porque estas pessoas não sabiam quem era Paulo VI. A mulher, por receio, fez uma amniocentese e, depois de uma semana, perdeu líquido amniótico, o que significava um aborto, significava que o feto não poderia continuar [vivo]. Ela falou com uma amiga enfermeira e com um amigo ginecologista, que lhe disse: “Olha só, precisamente nestes dias beatificaram Paulo VI com um milagre parecido, reze para ele”.
Estamos no início de outubro de 2014, Montini foi beatificado em 20 de outubro. Eles vão até Bréscia, não dizem nada a ninguém, encontram um “santinho” de Montini no Santuário das Graças, o levam para sua casa e rezam, por três meses. A gravidez estava entrando na décima terceira semana. Sem líquido amniótico, o feto continua, a mãe é hospitalizada cinco vezes para tentar salvá-lo, mas o corpo segue rejeitando ele. No final, na vigésima semana, os médicos se deparam com algo inacreditável: a menina nasce, no dia de Natal, saudável. Eu, brincando, digo que Paulo VI deveria pagar a esta família o alojamento e a comida, porque ficou ali por três meses! Para mim Giovanni Battista Montini deveria ser invocado pela vida que está por nascer.
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Paulo VI. “Estava pronto para substituir Aldo Moro com o intuito de salvá-lo”, afirma postulador - Instituto Humanitas Unisinos - IHU