10 Julho 2018
O método indutivo “ver-julgar-agir” parte da realidade multidimensional concreta que é multiétnica, multicultural e multirreligiosa e favorece os caminhos para uma Igreja descolonizada, inculturada e contextualizada. Esse Sínodo, que será um kairós para a Amazônia, nasce da confiança na ação decisiva do Espírito Santo, que garante unidade e diversidade.
A opinião é de Dom Edson Tasquetto Damian, bispo de São Gabriel da Cachoeira, ex-prelazia apostólica da Amazônia. O artigo foi publicado em Settimana News, 03-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Participei com entusiasmo e com alegria do encontro do Papa Francisco com os povos indígenas, no dia 19 de janeiro, em Puerto Maldonado, durante sua visita ao Peru. O discurso que ele proferiu diante de 5.000 representantes dos índios da Pan-Amazônia foi envolvente e forte. Quase no fim ele disse: “Precisamos que os povos originários modelem culturalmente as Igrejas locais amazônicas. E, a esse respeito, me deu muita alegria escutar que um dos trechos da Laudato si’ foi lido por um diácono permanente da cultura de vocês. Ajudem seus bispos, ajudem seus missionários e missionárias, para que se façam um com vocês e, dessa maneira, dialogando entre todos, possam moldar uma Igreja com rosto amazônico e uma Igreja com rosto indígena. Com esse espírito, convoquei o Sínodo para a Amazônia em 2019 (“cuja primeira reunião, como Conselho pré-sinodal, será aqui, esta tarde” – estas palavras não estavam incluídas no discurso publicado. O papa acrescentou de improviso).
Naquela tarde, participei do encontro com cerca de 30 bispos, especialistas e consultores, coordenados pelo cardeal Claudio Hummes, presidente da Repam – Rede Eclesial Pan-Amazônica. Estávamos radiantes de alegria. Com a clara sensação de que o papa havia proferido o discurso inaugural do Sínodo Pan-Amazônico.
O cardeal Lorenzo Baldisseri (ex-núncio apostólico no Brasil), secretário do Sínodo, apresentou detalhadamente os objetivos do evento, os participantes e as etapas a serem percorridas. Ficou evidente a confiança que ele mostrou no profícuo processo de reuniões, estudos e documentos já realizados pela Repam. Ele nos pediu para apresentar os assuntos que deveriam ser incluídos no documento preparatório e para sugerir os consultores para a composição da comissão que o redigiria. A formulação final seria realizada em Roma, em 12 e 13 de abril, na presença do Papa Francisco. É um sinal inequívoco da importância que o papa atribui a esse Sínodo extraordinário.
Fiquei feliz, poucos dias depois, quando vi que o nome de Justino Sarmento Rezende, salesiano, o primeiro sacerdote indígena da minha diocese de São Gabriel da Cachoeira, figurava entre os 25 membros da comissão pré-sinodal. É o único indígena entre os especialistas da comissão.
No dia 8 de junho, solenidade do Coração de Jesus, o documento foi publicado. Eu o li todo de uma só vez. É ótimo. Completo e sintético, claro e provocativo.
Ressalto apenas alguns aspectos que são fundamentais para mim no processo que deve envolver o maior número possível de pessoas e comunidades da Igreja e todos os homens e mulheres de boa vontade da Pan-Amazônia.
O documento segue o método “ver-julgar-agir”, uma marca distintiva do percurso da Igreja da América Latina desde Medellín (1968). Com uma importante integração feita pelo Papa Francisco: o julgar é iluminado pelo discernimento! Essa marca inaciana está presente no próximo Sínodo: “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”.
A metodologia indutiva “ver-julgar-agir” parte da realidade multidimensional concreta que é multiétnica, multicultural e multirreligiosa. Desde o início de seu pontificado, o Papa Francisco nos convida a assumir a cultura do outro e nos adverte: “Às vezes, na Igreja, caímos na vaidosa sacralização da própria cultura, o que pode mostrar mais fanatismo do que autêntico ardor evangelizador” (EG 117).
A proposta desse Sínodo é a construção de uma Igreja de rosto amazônico. Por isso, é necessário ajudar as pessoas a se libertarem de todas as formas de alienação e de neocolonialismo que destroem sua biodiversidade através da imposição de modelos culturais, religiosos, educativos, econômicos e políticos alheios à sua vida.
Os Padres sinodais deverão colaborar com a construção de um mundo capaz de romper com estruturas que sacrificam a vida e com a mentalidade da colonização, para construir redes de solidariedade e de interculturalidade.
Quando anunciou o Sínodo, durante o Ângelus de 15 de outubro de 2017, o papa também apresentou os objetivos que estão bem resumidos no título do documento: “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. Trata-se de buscar novos caminhos.
Isso aparece explicitamente nas 18 vezes que o documento menciona a necessidade de buscar “novos modos”. Os novos modos exigem relançar com fidelidade e audácia a missão evangelizadora e aprofundar o processo de inculturação. A Igreja na Amazônia deve fazer propostas “corajosas”, com “audácia” e “sem medo”, como o papa vem repete há muito tempo.
Ele insiste na necessidade de sermos criativos e corajosos. É urgente avaliar e repensar os ministérios que hoje são necessárias para responder aos objetivos de “uma Igreja com um rosto amazônico” e “uma Igreja com um rosto indígena”.
Nessa perspectiva, é necessário identificar o tipo de ministério que pode ser dado à mulher, levando em conta o papel central que as mulheres desempenham hoje na Igreja amazônica. É necessário repensar novos modos para que o povo santo e fiel de Deus tenha um acesso melhor e mais frequente à eucaristia, centro e fonte da vida cristã.
Os novos caminhos para uma ecologia integral se encontram na Laudato si’, em que o Papa Francisco insiste em nos mostrar que “tudo está interligado” (LS 91, 117, 138, 240), como se fôssemos uma coisa só, tudo está interconectado nesta casa comum! Nessa exaustiva e profética exortação apostólica, o papa propõe dialogar com as raízes espirituais das grandes tradições religiosas e culturais. A conversão da ecologia requer que se assuma a mística da interconexão e da interdependência de tudo o que foi criado e dado. Abraçar a vida na solidariedade comunitária pressupõe uma transformação do coração. Em tudo isso, os povos tradicionais têm muito a nos ensinar com o seu amor respeitoso pela Mãe Terra e pela sua relação com os ecossistemas.
As populações indígenas que compõem 95% dos habitantes da bacia do Rio Negro, onde se encontra a diocese de São Gabriel da Cachoeira, testemunham esses valores. Graças à presença desses guardiões da “casa comum”, ela é a região mais bem preservada de toda a Amazônia brasileira. Apenas 3% da floresta foi derrubada. “A morte da floresta é o fim da nossa vida”, costumava repetir a mártir Dorothy Stang, assassinada em Anapu, Pará, em 12 de fevereiro de 2005.
São muito importantes para os estudos e os debates que serão realizados nas comunidades, nas associações e nos movimentos as perguntas formuladas para provocar a discussão e a apresentação das propostas para o Sínodo. Elas revelam a atitude dos autores do texto e do próprio papa que desejam iniciar um diálogo sério e não antecipar as respostas. Precisamos nos exercitar na escuta recíproca. É de vital importância que toda a Igreja escute com respeito a população indígena e as comunidades que vivem na Amazônia como os primeiros e principais interlocutores desse Sínodo.
Os 107 bispos das circunscrições eclesiásticas dos nove países que compõem a Pan-Amazônia (e aqueles que serão convidados pelo papa) deverão ser autênticos e fiéis porta-vozes das propostas formuladas pelo santo povo fiel de Deus que vive na sagrada terra da Amazônia.
O método indutivo “ver-julgar-agir” favorece os caminhos para uma Igreja descolonizada, inculturada e contextualizada. Esse Sínodo, que será um kairós para a Amazônia, nasce da confiança na ação decisiva do Espírito Santo (EG 265), que garante unidade e diversidade. Essa unidade na diversidade, seguindo a tradição da Igreja, está estruturalmente apoiada naquilo que chamamos de sensus fidei do povo de Deus.
O Papa Francisco evocou esse aspecto enfatizado pelo Concílio Vaticano II (LG 12, DV 10). É de fundamental importância, portanto, salvar a liberdade e a audácia do cristianismo dos primeiros séculos e do próprio Vaticano II (estagnado e silenciado por décadas), que nos falou sobre a infalibilidade do povo de Deus no ato de fé (in credendo) porque “Deus dota a totalidade dos fiéis com um instinto da fé – o sensus fidei – que os ajuda a discernir o que vem realmente de Deus” (EG 119).
Mãe de Guadalupe, ícone da evangelização inculturada na América Latina, ajuda-nos a nos deixar guiar pelo Espírito Santo para discernir e realizar novos caminhos para a Igreja e para a ecologia integral na imensa Pan-Amazônia.
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Uma Igreja de rosto amazônico. Artigo de Edson Tasquetto Damian - Instituto Humanitas Unisinos - IHU