28 Mai 2018
Mais de 65% dos irlandeses votaram a favor do "sim" no referendo sobre a legalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG).
O padre Gerry O'Hanlon, teólogo jesuíta de Dublin, analisa esses resultados.
A entrevista é de Céline Hoyeau, publicada por La Croix, 27-05-2018. A tradução é de André Langer.
Os irlandeses votaram pelo direito ao aborto, ignorando as declarações do episcopado... Como você analisa esses números?
Os resultados do referendo são muito surpreendentes. Eles surpreenderam todo mundo, inclusive o campo do “sim” ao aborto, que não imaginava um resultado tão expressivo. Pelo lado da hierarquia católica, o arcebispo de Dublin, dom Diarmuid Martin, disse hoje que a Igreja corre o risco de se tornar irrelevante na cultura irlandesa contemporânea.
Os irlandeses não prestam mais atenção ao anúncio da Igreja sobre suas próprias vidas. Penso que isso está relacionado com a história recente dos escândalos de abusos sexuais, mas também porque seu ensino sobre a sexualidade e o gênero não é mais acolhido. Muitas mulheres, em particular, não estão apenas indiferentes à Igreja, mas muito zangadas... É um verdadeiro desafio para a Igreja.
O projeto de lei sobre o aborto será discutido nas próximas semanas. Qual é a margem de manobra que resta para o episcopado irlandês?
A hierarquia católica fez pouquíssimas intervenções durante a campanha; ela deixou o lugar a grupos de campanha que não estão oficialmente vinculados a ela, mas que estão próximos da Igreja. Portanto, se não intervieram com força na campanha do referendo, não imagino que os bispos vão intervir agora no debate parlamentar sobre a lei.
E de resto, a votação foi tão clara em favor do aborto, e com pleno conhecimento de causa, porque o governo tinha tornado público o projeto de lei que ele defenderia... Os irlandeses sabiam para onde se dirige. Será difícil para os opositores ao aborto terem influência sobre a nova lei.
Ao mesmo tempo, muitos irlandeses que votaram “sim” não são favoráveis a um aborto à la carte... Que margem de manobra a Igreja tem?
Isso é absolutamente verdade. E eu penso que se o governo tivesse anunciado um projeto de lei um pouco menos liberal, a votação a favor do “sim” teria sido ainda maior. Mas o resultado já é muito expressivo. Os irlandeses votaram em consciência e o governo se sentirá muito encorajado a avançar naquilo que já decidiu.
O arcebispo de Dublin reconheceu hoje que a Igreja não é vista como demonstrando suficiente compaixão pelas mulheres. Este é o ponto fundamental. Muitos católicos, que conhecem o ensinamento da Igreja, também veem mulheres em situações muito complicadas, onde muitas vezes nem tudo é preto ou branco, mas mais cinzento... e eles queriam, por este voto, mostrar mais compaixão por elas.
Que lições a Igreja Católica na Irlanda deve tirar dessa votação?
Aquelas que o Papa Francisco tentou ensinar à Igreja. Ser mais sinodal e menos monárquica, dando voz aos leigos, homens e mulheres... Abrindo o caminho para o debate e não apenas ensinando de cima para baixo. Muitas mulheres têm problemas com o ensinamento da Igreja sobre a contracepção, a homossexualidade, o divórcio... a Igreja deve levar esses questionamentos a sério.
Um critério da pertinência do ensino da Igreja é a sua recepção. A Igreja na Irlanda deve criar espaços – sínodos, concílios, estruturas... – onde as vozes de jovens, mulheres e leigos sejam realmente ouvidas. É uma questão de urgência e é dessa maneira que a Igreja irlandesa poderá se renovar.
Um exemplo: no dia do referendo, o Vaticano anunciou que os participantes do Encontro Mundial das Famílias em Dublin, em agosto, receberão a indulgência plenária. Muitos meios de comunicação trataram esta informação como piada, porque parecia completamente fora de sintonia com o que os irlandeses estão vivendo...
O grande desafio para a Igreja é encontrar uma maneira de se reconectar com a cultura contemporânea. Dom Martin disse que seria uma minoria cultural irrelevante. Ela precisa hoje de uma resposta radical realmente séria. Os leigos, os padres e os teólogos têm muitas ideias, mas os bispos precisam ouvi-las.
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"Os irlandeses não prestam mais atenção ao anúncio da Igreja sobre suas próprias vidas" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU