26 Mai 2018
“Se a palavra ‘inferno’ se refere à condenação eterna, ao fogo eterno e a todo esse palavreado que, durante séculos, os padres utilizaram insistentemente em seus sermões para assustar e submeter as pessoas, então digo com toda a segurança: Não existe o inferno”, escreve o teólogo espanhol José María Castillo, em artigo publicado por Religión Digital, 25-05-2018. A tradução é do Cepat.
Falo do Inferno porque o que estamos vivendo se parece com isso, um inferno. Mas, é claro, quando se fala deste assunto, a primeira coisa na qual muita gente pensa é na pergunta que sempre assusta e preocupa: existe o inferno?
A resposta – para começar – é rápida e firme. Se a palavra “inferno” se refere à condenação eterna, ao fogo eterno e a todo esse palavreado que, durante séculos, os padres utilizaram insistentemente em seus sermões para assustar e submeter as pessoas, então digo com toda a segurança: Não existe o inferno. Não pode existir. Porque se existe o inferno, tal como é explicado pelos pregadores da repressão, então o que não existe é Deus. O Deus do inferno não pode ser verdade.
Explico. O inferno, entendido conforme a explicação dos clérigos, é um castigo. Um castigo eterno que, portanto, nunca terá fim. O que significa dizer que o inferno eterno só terá uma finalidade: fazer sofrer. Mas, se Deus é Bom e é Bondade, esse Deus pode fazer uma atrocidade tão espantosa e repugnante? Um castigo (todo castigo) se justifica “como meio” para conseguir algo que é bom (educar, evitar males maiores, humanizar-nos...). Um castigo que não é, nem pode ser, senão um “fim em si”, isso não pode provir a não ser da maldade. Se existisse o inferno, o que não pode existir, nem ser verdade, seria Deus. O Deus-Bondade seria, na realidade, o Ser mais cruel e vingativo que poderia ter sido inventado.
Por outro lado, a Igreja nunca definiu a existência do inferno como dogma da fé. O que a Igreja ensinou é que se alguém morre em pecado mortal, condena-se. Mas, o que a Igreja nunca definiu é que alguém tenha morrido em pecado mortal. Nem a Igreja pode definir semelhante coisa. Porque tudo o que transcende a este mundo (por exemplo, a partir da morte) já não está ao alcance de tudo o que é imanente, inclusive da própria Igreja.
Tendo isso presente, o Evangelho diz: “Se a sua mão faz você cair, corte-a... Se o seu pé faz você cair, corte-o... E se o seu olho faz você cair, arranque-o...” (Mc 9, 40-49). O que Jesus quer dizer aqui? A resposta é clara. A integridade ética é tão central e importante na vida, que precisa se antepor à integridade corporal. Significa a ponderação mais forte que se pode fazer da honradez e a honestidade.
Estamos em tempos nos quais abundam tanto a degradação e a corrupção que precisamos mais do que nunca sermos contundentes neste problema capital. Devemos estar dispostos a perder não só lucros, posses e caprichos, mas inclusive a ficarmos mancos ou caolhos, inclusive a que nos arranquem a pele (se for necessário) para não incorrer na mentira, no engano ou na “vida dupla” para ganhar dinheiro, ser importantes ou alcançar postos de poder e direção.
É uma vergonha o que estamos vendo e vivendo. Como é possível que a riqueza global de nosso país aumente a cada ano e, ao mesmo tempo, a cada ano exista mais gente desesperada porque não consegue chegar ao fim do mês? Onde se mete e se acumula tanta riqueza à custa de tanta gente passando necessidades extremas?
E confesso que o que mais me indigna, neste vergonhoso assunto, é que sejam os grupos sociais mais religiosos, os partidos políticos mais católicos, os amigos dos bispos e até os próprios bispos aqueles que, utilizando alguns paraísos fiscais, outros dirigindo habilmente seus silêncios, e outros com os braços cruzados porque não querem se meter em mentiras, entre todos, fizemos um mundo insuportável. O que precisamos fazer (uns pelo que fazemos, outros por nossa passividade) para que nossos rostos caiam de vergonha? Ao menos – digo eu – “ter vergonha”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“O Deus do Inferno não pode ser verdade”. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU