Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 12 Mai 2018
A Espanha no início da década apresentou forte retração na economia por quatro anos seguidos, 2010-2013. A economia em recuperação ainda precisa lidar com a alta taxa de desemprego que atinge 16% da população, e chega a 35% entre jovens de até 25 anos. Como consequência política, a comunidade autônoma da Catalunha aprovou a separação do reino espanhol, em referendo feito em outubro de 2017. Assim como no Brasil, a desvalorização da força de trabalho causa o desmonte de arrecadação do Estado de bem-estar social e a efetivação das políticas sociais. Em entrevista ao IHU On-Line, o economista e sociólogo catalão Jose Adelantado aponta que “Se estamos em economia sem emprego, tem de se buscar outras fontes fiscais para as políticas sociais”.
O momento de crise de Brasil e Espanha assemelham-se nas suas causas e efeitos. Segundo Adelantado as políticas de Michel Temer e Mariano Rajoy, primeiro-ministro espanhol, combinam-se pelo favorecimento à classe empresarial. “A privatização, descentralização e focalização das políticas sociais se fundem com (ou foram a causa para) eludir as responsabilidades públicas”, afirma o professor. Assim, reforça seu argumento que as políticas sociais são produto da correlação de força dos atores coletivos.
A similitude apontada por Adelantado é consequência do capitalismo industrial aprofundado na primeira metade do século XX com a impulsão do Estado de bem-estar social. As consequências das crises são comuns, mas cada qual dançando a música do seu jeito “na Espanha se baila com flamenco, no Brasil com samba”.
Essas divergências aparecem na formação dos Estados: “um colonizador e outro colonizado”. Construções que determinaram a qualidade do mercado de trabalho e por consequência as políticas sociais. Pelas falhas do Estado de bem-estar social, Adelantado aponta que “As classes médias privatizaram seu bem-estar e fugiram dos sistemas públicos”.
José “Pepe” Adelantado é graduado em Ciências Econômicas e doutor em Sociologia pela Universitat Autónoma de Barcelona — UAB. Atualmente é professor titular do Departamento de Sociologia da Universitat Autónoma de Barcelona — UAB desde 1992. Sua área de pesquisa é estudo comparado da formação, conteúdo e impacto das políticas sociais nos Estados de bem-estar social europeus e latino-americanos, bem como o desenvolvimento da democracia na América Latina. Pepe esteve ministrando o mini-curso Cambios en el Estado de Bienestar na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul — PUCRS, entre os dias 16 e 20 de abril de 2018, e conversou por e-mail com IHU On-Line.
José "Pepe" Adelantado/Foto: UAB
IHU On-Line — O que são políticas sociais e como são construídas?
José Adelantado — As políticas sociais são instrumentos para gerir as desigualdades. Se constroem a partir dos atores coletivos (partidos, sindicatos, associações empresariais, igrejas, terceiro setor) e as correlações de forças (baseadas em ideias e interesses) entre eles.
IHU On-Line — Como as políticas sociais podem ser sustentadas em períodos de crise do capitalismo?
José Adelantado — Vivemos uma crise do capitalismo industrial, que se baseava no pleno emprego (masculino) e era a base qual financiava as políticas sociais. Se estamos em economia sem emprego, tem de se buscar outras fontes fiscais para as políticas sociais. Por exemplo, a taxa Tobin [1], impostos de meio ambiente...
IHU On-Line — A que fatores estão associados os avanços das políticas de austeridade em tempo de crise? Por que os cortes implicam sempre em direitos da classe trabalhadora?
José Adelantado — A austeridade é a consequência da forma de acumulação do capital financeiro, hegemônico na atualidade. A dívida privada dos bancos se transformou em dívida pública que vão pagar todos os cidadãos; e a forma que se faz é cortando os direitos sociais.
IHU On-Line — Quais os desafios para garantir a efetividade de políticas sociais universais e garantidoras de direitos?
José Adelantado — Erradicar a especulação financeira (inclusive paraísos fiscais) e respeitar os direitos humanos.
IHU On-Line — Quais são os desafios para garantir a sustentabilidade do Estado de Bem-estar social? Quais fatores levam à precarização das políticas sociais?
José Adelantado — O principal desafio é a sustentabilidade financeira, assunto que não depende de causas inexoráveis, mas sim de forças econômicas, políticas e sociais. A privatização, descentralização e focalização das políticas sociais se combinaram com (ou foram a causa para) eludir responsabilidades públicas. As classes médias privatizaram seu bem-estar e fugiram dos sistemas públicos.
IHU On-Line — Quais são os aspectos que diferenciam a formação do Estado de bem-estar social na América Latina e Europa?
José Adelantado — O momento, a quantidade e a qualidade da formação dos mercados de trabalho. Isso depois dos devastadores efeitos da conquista, colonização e dependência, ademais da falta de vontade das classes hegemônicas de natureza rentista. Sem esquecer dos vizinhos do Norte.
IHU On-Line — Quais os efeitos comuns da crise econômica mundial na Espanha e no Brasil?
José Adelantado — Em todos os lugares se escuta a mesma canção, porém se dança com música diferente. Por exemplo, na Espanha o fazemos com flamenco, e no Brasil com samba. Alguns efeitos comuns são: 1) concentração de riqueza (e do poder) nos altos quintis; 2) aumento da desigualdade de renda; 3) manutenção e aumento da pobreza; 4) precarização dos mercadores de trabalho (informalidade, empregos atípicos).
IHU On-Line — Que relações podemos estabelecer no Brasil e Espanha para a superação da crise?
José Adelantado — Creio que em ambos países os atuais governos de Temer e Rajoy são mais amigos dos empresários que dos cidadãos. Pela saúde democrática e bem-estar social é necessário que saiam.
IHU On-Line — Quais os efeitos do enfraquecimento das políticas sociais ao processo democrático? Como a organização da classe trabalhadora tem incidido atualmente no desmonte das políticas sociais que vêm acontecendo?
José Adelantado — A classe trabalhadora, isso é, os e as assalariadas somente são a metade da população ativa. Ademais, estão fragmentados. Os trabalhadores manuais, as classes médias ou as empregadas domésticas não têm os mesmos interesses. E se não bastasse, o sindicalismo não é o único ator que agrega interesses coletivos. Como mostram as recentes manifestações feministas no último 8 de março.
IHU On-Line — Comparando Espanha e Brasil, quais categorias sociais são mais afetadas pela crise? Quais sujeitos se sobressaem?
José Adelantado — A crise econômica nos sistemas capitalistas funcionam com uma lei temporal, segundo a qual a recessão afeta primeiro os que estão pior ancorados no mercado de trabalho (informais, mulheres, jovens sem formação, maiores de 45 anos, imigrantes...), enquanto a fase de recuperação afeta primeiro aqueles que têm uma posição mais sólida (setores trabalhistas altamente sindicalizados, funcionários públicos, médios e altos executivos...).
IHU On-Line — Qual a relação da crise do Estado de Bem-Estar social com o avanço do movimento separatista na Catalunha?
José Adelantado — A primeira questão é que a Catalunha contribui mais ao Estado central do que recebe. Porém o problema é em qual lugar fica a Catalunha depois da contribuição. Uma segunda questão é que se a Catalunha for independente, muito provavelmente contaria com mais recursos econômicos. Porém o problema é se dedicariam a melhorar as políticas sociais ou a outras prioridades. Uma terceira questão é que os independentistas são quase metade da população catalã, e a outra metade, não, isso está claro. Supõe-se que tanto uma quanto a outra opção tem legitimidade. E seguramente, podemos levantar muitos mais elementos, que rodeiam a discussão, que as políticas sociais.
Nota IHU On-Line:
[1] Taxa Tobin: tributo sobre transações financeiras de caráter especulativo.
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Políticas sociais e a experiência Espanha X Brasil na constituição do estado de bem-estar social. Entrevista com José “Pepe” Adelantado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU