10 Mai 2018
"Foi cerca de duas semanas atrás, ele tinha me procurado. Já estava bastante doente, dormia quase o tempo todo. Atendeu-me Loredana, sua esposa; eles tinham se conhecido quando ela atuou como protagonista no "Il posto". Ela me disse, estou aqui no hospital, agora ele está dormindo, mas vou tentar colocar o aparelho perto do seu ouvido, para que possa cumprimentá-lo, ele vai ouvi-lo. Eu comecei a falar, as palavras que você diz a um amigo ...". O Cardeal Gianfranco Ravasi sorri: "De repente ouvi a voz dele, Ermanno me disse: ‘Obrigado por lembrar de mim’. Nada mais. Silêncio. Foi uma despedida muito bonita."
A entrevista é de Gian Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 08-05-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Desde quando vocês se conheciam, Eminência?
Encontramos-nos pela primeira vez em Milão, no Centro Cultural San Fedele, em 1983. Mas queria conhecê-lo desde quando eu tinha 17 anos e cursava o segundo grau no seminário. Havíamos assistido ao seu primeiro filme, "Il tempo si è fermato" (‘O tempo parou’, em tradução livre), e eu foi conquistado por aquela obra sobre o silêncio: um silêncio branco, denso de palavras não ditas: toda a verdade é dita mantendo o silêncio".
Para Gian Antonio Stella ele havia dito: "Não existe um momento na vida que não tenha sentido, muito menos o último!"
"Dizia que o destino do homem estava na eternidade. E era profundamente ligado ao tema da encarnação, da presença de Deus, principalmente na carne doente, no sofrimento e na solidão; e, nos mais necessitados, os desamparados, os analfabetos ... Ele via o sagrado no cotidiano, quase uma teofania: pense no "L’Albero degli Zoccoli” ('A árvore dos tamancos’, ou "Il Villaggio di cartone".
E, além disso, há a questão da inquietação...
No sentido de perguntas?
Sim, como em Jó. No final, Deus prefere a sua fé que questiona à rigidez dos teólogos: "A minha ira se acendeu contra ti, porque não falaste de mim o que era reto, como o meu servo Jó." Era contra uma religião demasiado dogmática, teve posições críticas. Para isso, ele se sentia muito próximo do cardeal Martini e, nestes últimos anos, do Papa Francisco. Com Olmi e Claudio Magris, tínhamos decidido trabalhar em um projeto sobre o Evangelho. Eu tinha sugerido Marcos."
Por que é mais antigo e próximo das origens do cristianismo?
Também. Mas acima de tudo, porque em Marcos o Cristo se revela apenas no final. E quem o reconhece? Um pagão, o centurião. Agradava-lhe esse discurso da ocultação como sede da epifania do divino. Nós conversávamos por horas e cada vez era como se tivéssemos recém nos encontrado. Uma amizade intensa, rara.
O que lhe restou?
Ele me ensinou que a fé é uma resposta que custa e deve ser conquistada a cada dia: a vitória sobre a dúvida é a verdadeira afirmação da fé. Nós tínhamos em comum a admiração por Andrei Tarkovsky. O tema da kenosis, o esvaziamento de si mesmo. Nenhuma arrogância intelectual, toda pessoa é digna de atenção. Você vê, Ermanno era antes de tudo um homem bom. Tinha o olhar claro e luminoso de quem sempre se inclina para tentar entender, antes de julgar.
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Nota da IHU On-Line: No XVIII Simpósio Internacional IHU.A virada profética de Francisco. Possibilidades e limites para o futuro da Igreja no mundo contemporâneo, a ser realizado de 21 a 24 de maio de 2018, na Unisinos – campus Porto Alegre, será apresentado o último filme de Olmi, intitulado ‘Sono uno de voi’. Trata-se de um documentário sobre o cardeal Carlo Maria Martini. A exibição do documentário ocorrerá no dia 21 de maio, às 10h.
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Olmi. "O último telefonema, uma bela despedida. Ele via o sagrado na vida cotidiana". Entrevista com Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU