10 Janeiro 2018
Não apenas a indissolubilidade do matrimônio, mas também a disciplina sacramental do matrimônio é “imutável” e pertence aos dogmas de fé. É o que defende um documento escrito por três bispos das dioceses latinas do Cazaquistão, Tomash Peta, arcebispo metropolitano da Diocese de Maria Santíssima em Astana; Jan Pawel Lenga, bispo emérito de Karaganda, e Athanasius Schneider, bispo auxiliar da Diocese de Maria Santíssima em Astana.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 06-01-2018. A tradução é de André Langer.
O texto, que foi apresentado por alguns sítios de internet como uma “correção formal” às interpretações da Amoris Laetitia, foi sucessivamente assinado por dois bispos eméritos italianos – Luigi Negri (que foi arcebispo de Ferrara) e Carlo Maria Viganò (que foi núncio apostólico nos Estados Unidos) – aos quais se uniu o antigo cardeal letão Janis Francis Pujats, ex-arcebispo de Riga.
“Somos obrigados, por razões de consciência, a professar – escrevem os bispos cazaques – perante a atual confusão generalizada, a verdade imutável e a também disciplina dos sacramentos sobre a indissolubilidade do matrimônio de acordo com o ensino milenar e inalterado do Magistério da Igreja”. No documento, afirma-se que os textos aplicados da Amoris Laetitia promulgados por diferentes conferências episcopais após a publicação da exortação estão provocando uma grande “confusão” na Igreja.
Os signatários afirmam que a admissão à Eucaristia em qualquer circunstância dos fiéis divorciados e recasados “significa, na prática, uma forma de aprovar ou legitimar o divórcio e, neste sentido, uma espécie de introdução do divórcio na vida da Igreja”, bem como “uma forma de disseminação” do próprio divórcio.
Os três bispos escrevem que “sem admitir nenhuma exceção, Nosso Senhor e Redentor Jesus Cristo confirmou solenemente a vontade de Deus em relação à proibição absoluta do divórcio” e que a admissão à comunhão em certos casos dos divorciados e recasados “contradiz gravemente a vontade expressa por Deus e seu mandamento”.
A parte teologicamente mais inovadora do documento dos bispos cazaques assinado pelos dois italianos e pelo cardeal letão é a que afirma que não apenas a doutrina sobre a indissolubilidade do matrimônio, mas também a disciplina sacramental sobre o matrimônio “consumado” é “imutável” e pertence à categoria de “dogmas” de fé. Os prelados escrevem de fato que à disciplina sacramental sobre o matrimônio seria “plenamente aplicável” o sentido da seguinte declaração contida na bula Ineffabilis Deus do Concílio Vaticano I: “A Igreja de Cristo, diligente guardiã e defensora dos dogmas que lhe são confiados, nunca muda nada neles, nem diminui, nem acrescenta”.
De acordo com os ensinamentos tradicionais, a disciplina dos sacramentos não é considerada um dogma imutável, mas é um poder legislativo confiado à Igreja para que, ao longo da história e na mudança de circunstâncias, possa administrar os sacramentos do modo mais conveniente e mais vantajoso para as almas.
Como será recordado, na nota 351 do capítulo VIII da exortação Amoris Laetitia, o Papa Francisco escreve que, para os divorciados em segunda união, “em certos casos” poderia haver “também a ajuda dos sacramentos” após um período de discernimento. Um passo a mais em relação aos importantes passos já dados por João Paulo II, que na exortação Familiaris Consortio convidava para distinguir as responsabilidades levando a admitir aos sacramentos os divorciados em segundas uniões que se empenhavam em viver abstendo-se de manter relações sexuais. A Amoris Laetitia não especifica em quais e em quantos casos os sacramentos podem ser concedidos.
O papa elogiou e desejava inscrever na Acta Apostolicae Sedis as normas pastorais aplicativas propostas pelos bispos da região de Buenos Aires, que escreveram (n. 5: “Quando as circunstâncias concretas de um casal tornam-no possível, especialmente quando ambos são cristãos com um caminho de fé, o compromisso de viver na continência pode ser proposto. A Amoris Laetitia não ignora as dificuldades dessa opção (cf. nota 329) e deixa aberta a possibilidade de acessar o sacramento da Reconciliação, quando se é incapaz de manter esse propósito”.
No parágrafo seguinte, os bispos argentinos escrevem que: “Em outras circunstâncias mais complexas, e quando uma declaração de nulidade não pôde ser obtida, a opção acima mencionada pode não ser de fato viável. No entanto, um caminho de discernimento também é possível. Caso se chegar a reconhecer que, em um caso específico, há limitações que atenuam a responsabilidade e a culpabilidade, particularmente quando uma pessoa considera que cairia em uma posterior falta prejudicando os filhos da nova união, a Amoris Laetitia abre a possibilidade do acesso aos sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia. Estes, por sua vez, dispõem a pessoa a seguir amadurecendo e crescendo com a força da graça”.
Em uma entrevista concedida ao Vatican Insider nos últimos dias de 2017, o cardeal Gerhard Ludwig Müller falou sobre o caso em que “o penitente está convencido, em consciência e com bons motivos, da invalidez do primeiro matrimônio, mesmo sem poder oferecer a prova canônica. Neste caso, o casamento válido perante Deus seria o segundo e o pastor poderia conceder o sacramento”. O cardeal alemão também disse que: “Há situações dramáticas em que é difícil encontrar uma saída. Aqui, o bom pastor distingue cuidadosamente as condições objetivas das subjetivas e dá conselhos espirituais. Mas ele não pode erigir-se em Senhor sobre a consciência dos outros. Aqui devemos relacionar a palavra de salvação de Deus, que na doutrina da Igreja é apenas transmitida, com a situação concreta em que a pessoa se encontra em sua peregrinação”.
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Cazaquistão. “A aplicação da Amoris Laetitia dissemina o divórcio”, afirmam os três bispos do País - Instituto Humanitas Unisinos - IHU