09 Agosto 2017
Uma coluna recente de Ross Douthat no New York Times - "Pope Francis’ Next Act" (em português, 'Qual será o próximo ato do papa Francisco?'), em 15 de julho de 2017 - identifica a questão da comunhão para os divorciados e recasados como a "grande controvérsia" dos últimos dois anos do pontificado de Francisco. Ele afirma que é "um impasse", com Francisco de um lado e os "bispos do mundo todo" de outro. Agora que o Cardeal George Pell foi para a Austrália para enfrentar acusações de abuso sexual, o mandato do Cardeal Gerhard Mueller como Prefeito da CDF não foi renovado, o Cardeal Meisner morreu e o Cardeal Angelo Scola se aposentou da Arquidiocese de Milão, Douthat está preocupado que a "resistência a Francisco nos mais altos níveis da hierarquia" esteja enfraquecendo. Qual será o "próximo ato" do "drama" desse "papa liberal"?
A reportagem é de Rita Ferrone, publicada por Commonweal, 07-08- 2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Espero que os leitores do New York Times considerem criticamente a análise de Douthat. Em primeiro lugar, penso que a história considerará a exortação pós-sinodal do Papa Francisco, Amoris Laetitia (2016), como um gesto muito modesto em direção a uma abordagem pastoral mais humana em relação ao casamento, não como um grande impasse entre ele e os bispos. A flexibilidade e o acompanhamento recomendado pelo Papa não está fora do escopo do ensino da Igreja. A ansiedade acerca da criação e da manutenção de regras aumentou as controvérsias sobre a comunhão (algo que sempre esteve sob discernimento do "Foro interno") para muito além do que realmente existe. O que o Papa Francisco fez foi afirmar que as pessoas na pastoral que estão exercendo o julgamento fiel e estendendo a misericórdia sob certas circunstâncias com os divorciados e recasados estão certos. O fato de alguns prelados terem dificuldade com isso é uma questão deles, não do Papa.
Em segundo lugar, não se sabe ao certo se os "bispos ao redor do mundo" se opõem a Amoris Laetitia. Eles estruturaram o documento em um grau extraordinário, através do processo dialógico que o originou. O Papa Francisco cita as intervenções dos bispos no Sínodo sobre a Família de forma generosa. O Sínodo foi precedido por amplos questionários e incluiu uma extensa discussão, que em geral foi considerada aberta. Eles aproveitaram a atmosfera de abertura para compartilhar experiências e estruturar os resultados. Uma gama de problemas aparece em Amoris Laetitia. Grande parte da exortação apostólica não discute o divórcio!
É verdade que os poucos que estavam insatisfeitos com Francisco não perderam tempo de se expressar. Um grupo de treze bispos escreveu a Francisco durante o Sínodo, afirmando estarem preocupados que o ensino sobre o casamento pudesse se enfraquecer. Ao final do Sínodo, quatro cardeais enviaram objeções/desafios a Francisco na forma de "dubia" - perguntas de sim ou não. Mais tarde, um deles (Cardeal Raymond Burke) ameaçou censurá-lo por heterodoxia.
Como a antipatia em relação ao papa entre os conservadores encontra um enorme megafone na internet, pode parecer que há muita oposição, mas vejamos os números. Havia mais de 230 participantes no Sínodo. Muitos dos bispos que participaram do Sínodo representavam todas as conferências episcopais e, desde então, retornaram com a missão de responder às necessidades das famílias de forma mais pastoral. A inquietação sobre o suposto lapso de Francisco na ortodoxia num ponto em relação aos divorciados advém de... quatro cardeais? Não foi concedida uma audiência com o papa aos cardeais da dubia para divulgar o caso e eles chegaram a ser severamente repreendidos por outros prelados quando a iniciativa surgiu. Certamente, não representam os "bispos do mundo todo".
Como devemos avaliar os últimos dois anos do pontificado de Francisco?
Como devemos avaliar os últimos dois anos do pontificado de Francisco? Acho muito mais provável que os historiadores lembrem a encíclica sobre o meio ambiente, Laudato si ' (2015), como uma conquista histórica da época. Outros papas já falaram sobre a terra e sobre ecologia, mas não dessa forma. Francisco elevou o assunto a um novo nível de destaque e, ao mesmo tempo, conectou-o à tradição das encíclicas sociais firmemente embasadas no ensino católico. Os problemas abordados na encíclica também não desaparecerão em breve. As próximas gerações verão esta encíclica como profética.
A defesa pública e persistente do Papa Francisco de migrantes e refugiados também colocou a Igreja diante de uma crise muito presente na Europa. Este é outro problema que não vai desaparecer em breve e está ligado à guerra e à devastação ambiental. A forma como a Igreja responde a esta crise vai fazer uma grande diferença para o seu testemunho no mundo, e o Papa Francisco tem exercido uma forte posição de liderança. Falar do "grande ato" dos últimos dois anos como se Francisco não tivesse feito nada de importante além de discutir com alguns cardeais conservadores sobre a comunhão é perder de vista algumas das coisas mais importantes que ele realizou.
O Ano da Misericórdia do Papa Francisco ressaltou o ponto mais básico de todas essas iniciativas: devemos ter piedade com os outros. Quanto ao "próximo ato", não é nenhum mistério. Se os Sínodos são considerados um "drama", já sabemos qual será o próximo ato: o Sínodo dedicado aos Jovens, a Fé e o Discernimento Vocacional está agendado para outubro de 2018.
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O que os historiadores dirão sobre Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU